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Lex Sportiva como Fonte do Direito Internacional Privado (caso Bosman e Superliga)

Por Diogo Medeiros e Ana Mizutori

As fontes de um determinado ramo jurídico podem ser materiais ou formais. As primeiras são fontes de produção (elaboração) de certa norma jurídica, e decorrentes de necessidades sociais, econômicas, políticas, morais, culturais ou religiosas; as segundas são os métodos ou processos de criação de uma norma jurídica.

Podem, ainda, ser classificadas como fontes internas (nacionais, brasileiras) ou internacionais escritas (leis, tratados) ou não escritas (como os costumes). Modernamente também já se fala em fontes transnacionais, provindas das atividades de atores não estatais.[1]

As fontes internas são a Constituição e leis, costume nacional, doutrina e jurisprudência interna. As fontes internacionais de Direito Internacional Privado são os tratados internacionais, costume, e jurisprudência internacional.

Como bem explica o Professor Dr Valério Mazzuoli, “atualmente, para além das fontes internas e internacionais de Direito Internacional Privado (DIPr), fala-se também em fontes de caráter transnacional”.

Aos chamados “códigos de conduta” e as “leis-modelo” – para além da conhecida lex mercatoria – são exemplos desses atyos transnacionais concluídos por atores não estatais no plano externo, capazes de direcionaras condutas tanto de particulares (empresas) quanto os Estados rumo a determinado sentido, interpretativo ou decisório. Bom exemplo desse tipo de norma é a chamada lex sportiva, responsável por regular o desporto ao redor do mundo e da qual faz parte um complexo mosaico de normas elaborada no seio de federações desportivas internacionais e do Comitê Olímpico internacional.[2]

Como atos transnacionais unilaterais têm ocorrido em âmbito internacional, notadamente na seara, além dos vinculados à Lex Sportiva, os praticados no domínio aéreo, marítimo e bancário. Nada justificaria a validade da regulamentação profissional emanada de certa organização internacional desportiva, aérea, marítima ou bancária que violasse normas de direitos humanos, como a que proíbe qualquer discriminação[3] racial, ou de gênero, por exemplo. E aqui podemos voltar nossos olhos para a Copa do Mundo do Qatar/22 que já demonstra certa intolerância em relação às prerrogativas de Direitos Humanos em relação ao trabalho escravo durante as obras para a Copa, a intolerância com vestuário, haja vista que já foi dito sobre a proibição de uso de bermudas, ou mesmo a intolerância político-religiosa em relação à demonstrações de afeto em público etc.

A falta de independência da lex sportiva (e retire-se daí o precedente para quaisquer atividades profissionais) foi afirmada pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no já muito conhecido caso Bosman, quando entendeu que as normas emanadas de organizações profissionais desportivas – ali estavam em jogo os regulamentos da Federação Belga de Futebol (FBF) e da União das Federações Europeias de Futebol (UEFA) – cedem perante os regulamentos do Direito Comunitário Europeu, especialmente no que tange à livre concorrência e à livre circulação de trabalhadores. Naquela ocasião, decidiu o Tribunal que as “regras que regulam as relações econômicas entre as entidades patronais de um setor de atividade são abrangidas pelo âmbito de aplicação das disposições comunitárias realtivas à livre circulação dos trabalhadores, desde que sua aplicação afete as respectivas condições de emprego”, considerando ser besse exatamente “o caso de regras relativas às transferências de jogadores entre cluber de futebol que, embora rejam mais especialmente as relações econômicas entre os clubes do que as relaç]oes de trabalho entre clubes e jogadores, afetam, através da obrigação imposta aos clubes de pagarem indenizações pel recrutamento de um jogador que provenha de outro clube, as possibilidades de os jogadores encontrarem emprego, bem como as condições em que esse emprego é oferecido”[4].

Dessa mesma forma, se espera com ansiedade a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o caso da Superliga x UEFA, para Jean-Louis Dupont, um dos advogados da Superliga, o caso é um dos mais importantes da história. “Este caso é 100 vezes mais importante que o caso Bosman, que se tratava de uma liberação do mercado de trabalho. Aqui falamos do mercado da produção do futebol”, disse em entrevista à AFP.

De fato, ainda que subordinados aos limites (ordem pública, normas de aplicação imediata, fraude à lei etc) impostos pela lex fori, os atos transnacionais podem compor lacunas legais existentes nas ordens internas dos Estados e servir de guia à decisão do juiz[5]. As relações transnacionais pretendem, cada vez mais, a “eatandardização” das regras internas dos Estados sobre determinado assunto, para o fim de uniformizar tasi normas em escala global[6].

Assim, ainda de maneira imediata, certo é que contribuem para a formação das normas jurídicas no plano do Direito interno, sendo que este também é um dos escopos do DIPr. Daí a possibilidade sempre aberta, de o juiz do foro utilizar-se das normas transnacionais (observados, contudo, os limites da lex fori ou previstos em tratados) para a devida localização da lei aplicável à questão de DIPr sub judice.[7]

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[1] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Privado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p 53.

[2] Sobre o tema v. LATTY, Franck. La Lex Sportiva: recherche sur le droit transnational. Leiden: Martinus nijhoff, 2007.

[3] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Privado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p 72.

[4] TJCE, Affaire C-415/93, j. 15.12.1995, Recueil, vol I (1995), p 4.921

[5] Ibidem, p 73.

[6] Cf. CARREAU, Dominique. Mondialisation et transnationalisation du droit international, cit., p 198-200.

[7] Ibidem

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