A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, Lei n. 13.709/2018), em seu conteúdo matriz, entrou em vigência no dia 18 de setembro de 2020, depois de um vacatio legis de 2 anos de sua publicação, exceto em relação as sanções administrativas, que entraram em vigor somente no dia 01 de agosto de 2021.
Embora a Lei Geral de Proteção de Dados brasileira não disponha de uma disposição específica sobre as relações de trabalho, como decorre no art. 88 da General Data Protection Regulation (GDPR – Diretiva n. 95/46/EC da European Union-EU – siglas em inglês), publicada em 27 de abril de 2016, é evidente que incide sobre as relações jurídicas trabalhistas, pois nesta dimensão laboral empregadores e trabalhadores não se encontram destituídos de seus direitos humanos fundamentais ou direitos de personalidade previstos no atual Código Civil.
Vale asseverar que o art. 88 da GDPR/EU quando regulamenta a regência da norma sobre as relações de trabalho, abre espaço para que cada país pormenorize a regulamentação da seara trabalhista por Leis próprias ou por normas coletivas de trabalho envolvendo a participação dos sindicatos das categorias profissionais e econômicas.
A LGPD brasileira é uma norma protetiva de dados que reforça os direitos humanos fundamentais e de personalidade nucleares em qualquer espécie de relação jurídica, a incluir uma relação jurídica trabalhista, e, consequentemente, uma vinculação trabalhista desportiva.
Nessa sequência de ideias, os clubes empregadores ao trataram dados profissionais dos atletas empregados para fins de transferências devem tomar medidas cautelosas em relação aos novos dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados brasileira, mormente se estiverem em contratação por transferências internas.
Sem a pretensão de esgotar todos os casos, tendo em vista que diante da proteção da LGPD, as hipóteses de violação são abertas, exemplificativas, numerus apertus, e não taxativas, rol fechado, abordar-se-á 3 (três) questões imprescindíveis em tratativas de clubes sobre a transferência de atletas.
A primeira delas e mais fácil de ser constatada, já decorria do princípio da boa-fé objetiva, que aliás é também adotado pelo art. 6°, caput, da LGPD, se refere a passagem de dados acerca de um determinado jogador a ser transferido.
Os clubes não podem “banalizar” informações de dados pessoais (sensíveis ou não sensíveis), que possibilite a qualquer um da sociedade ter acesso, sob pena de infirmar até mesmo a segurança pessoal do atleta e de sua família.
Todo jogador a ser transferido detém o direito de sigilo sobre os seus dados pessoais (sensíveis ou não sensíveis) durante a tratativa jurídica de possível transferência entre clubes empregadores. Direito este que provém dos arts. 7° e 11 da LGPD e do dever anexo de confidencialidade (sigilo) do princípio da boa-fé objetiva que é inerente também à negociação jurídica de uma possível transferência atlética.
Há neste negócio jurídico de transferência um encontro do dever de resguardo do clube cedente durante ou pós-contratação com o dever pré-contratual do clube cessionário em proteger os dados pessoais do jogador envolvido.
Segundo se extrai do art. 5°, I e II, da LGPD, “dado pessoal é aquele que possui o condão de identificar uma pessoa natural” e “dado pessoal sensível é o que informa a origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico de uma pessoa natural”.
Sendo assim, os clubes empregadores em tratativas de negociação de transferência de um atleta devem tratar (passar, utilizar) os dados pessoais dos atletas entre si, com muita acuidade em relação à confidencialidade das informações, que não podem ser expostas para outras pessoas jurídicas ou naturais não relacionadas ao negócio.
Esse momento de negociação abrange os empregados da parte administrativa das entidades de prática envolvidas que devem orientá-los na conservação sigilosa das informações acessadas e de como transportar esses dados, se possível for até criar métodos tecnológicos que possibilitem a anonimização ou pseudonimização dos dados (art. 5°, XI, da LGPD).
Apenas para localizar o leitor em termos de LGPD, anonimização é quando se utiliza os dados de uma pessoa sem que se possa identificá-la, ou seja, não há relação direta do dado a sua identificação e pseudonimização é quando se consegue realizar uma “camuflagem”, uma identificação duvidosa, não aparente, evidente (ambos se contemplam no art. 5°, III e XI, da LGPD).
Nesse tratamento (processamento, utilização, transmissão) de dados entre clubes empregadores sobre atletas em transferências também não podem ser livremente divulgadas informações com finalidade discriminatória, inclusive aquelas que vedam a efetivação da transferência e nova contratação trabalhista pela entidade de prática desportiva cessionária.
São exemplos a realização de exames aprofundados de manipulação genética que vedem a transferência e a nova contratação laboral do atleta em análise, tais como: exames que detectam tendência a doenças congênitas ou a lesões (densitrometria óssea, muscular, etc.) que excluiriam ou diminuiriam a capacidade do jogador para o exercício profissional em alta rendimento biopsicofísico.
Nos moldes do art. 34, III, da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) é dever dos clubes empregadores realizarem os exames médicos e clínicos admissionais e periódicos para verificar se os seus empregados jogadores estão em condições biopsicofísicas para realizar o objeto principal do contrato sem se expor ou que minore o risco de vida/acidentes, servindo como salvaguarda de algumas responsabilidades do próprio empregador, caso algum acidente acontece.
Porém, já não é dado ao empregador desportivo manipular e cruzar dados em exames médicos e clínicos para desistir ou vedar discriminatoriamente a contratação do atleta em transferência, sob pena de afigurar atitude discriminatória ilícita e abusiva na contratação laboral (art. 6°, IX, da LGPD).
Com efeito, pode o clube cessionário da transferência pedir à entidade de prática cedente a transmissão de dados genéricos de histórico de lesões ou até mesmo exames arquivados, já que o objeto contratual trabalhista principal é o exercício do desporto formal de rendimento profissional.
No entanto, os referidos exames não devem ser relacionados à detecção genética ou de tendência, pois nestes exames haveria um enorme estímulo à discriminação pré-contratual que poderia servir de vedação à viabilidade de contratação trabalhista do atleta.
Por fim, os clubes não devem difundir informações de antecedentes criminais dos atletas em transferência ou contratação, nem mesmo se houver tramitação de processo penal, pois a atividade de jogador profissional é pública e sempre exercida em companhia de diversos empregados do clube.
A entidade de prática desportiva pode até aplicar uma justa causa no atleta empregado que tenha cometido ato de improbidade ou que por sentença penal transitada em julgado ou de forma liminar impeça a continuidade contratual existente ou afete a fidúcia do empregador desportivo, mas estas situações não se enquadram nas transferências e nas pré-contratações, mas sim na constância do próprio contrato especial de trabalho desportivo (é o caso de um ex-goleiro de um grande clube do Estado do Rio de Janeiro).
Os clubes não devem transmitir informações de dados sobre certidões de antecedentes criminais entre si e principalmente para a imprensa, pois no Tema 01 da Tabela de Recursos Repetitivos do Colendo Tribunal Superior do Trabalho (C.TST-RR-243000-58.2013.5.13.0023) já se fixou o precedente de que a atividade dos atletas não se encontra no rol de profissões em que seja permitida a revelação dos arquivos de antecedentes criminais.
Enfim, as entidades de prática desportiva ao realizarem as tratativas de transferência devem evitar ao máximo a transmissão de certidões de antecedentes criminais entre si que vedam aos jogadores o acesso ao emprego desportivo, e ao mesmo tempo sejam expostos na mídia de maneira a manipular a opinião pública de torcedores que pressionem aos clubes empregadores a fecharem as portas do trabalho para atletas que já cumpriram pena ou sequer foram condenados em ação penal transitada em julgado.