Por Paulo Vitor de Oliveira Nunes
A licença-maternidade surgiu no Brasil em 1943 com a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Inicialmente, o afastamento era de 84 dias, e era pago pelo empregador. Com o passar dos anos, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) começou a recomendar que os custos com a licença-maternidade fossem pagos pelos sistemas de previdência social. No Brasil, isso ocorreu em 1973. A licença-maternidade de 120 dias, como é hoje, foi garantida pela Constituição Federal, em 1988, disposto no art. 7º, XVIII.
Já o salário-maternidade é um benefício previdenciário pago à pessoa que fica afastada do trabalho por motivo de nascimento do filho, aborto não criminoso, adoção ou guarda judicial para fins de adoção. O salário-maternidade é pago pelo empregador, no caso das trabalhadoras com carteira assinada, ou pelo INSS, para quem contribui por conta própria. A licença-maternidade é o período de afastamento das atividades profissionais. O salário-maternidade é o valor recebido durante o período de licença. Têm direito a tal benefício as trabalhadoras com carteira assinada, contribuintes individuais (autônomas), facultativas (estudantes, por exemplo) ou MEIs (Microempreendedores individuais), desempregadas, empregadas domésticas, trabalhadoras rurais (seguradas especiais), cônjuge ou companheiro, em caso de morte da segurada. Há algumas características que devem existir em determinada situação para que haja o auxílio: parto, adoção de menor de idade ou guarda judicial em caso de adoção, em caso de natimorto (morte do feto dentro do útero ou no parto), aborto espontâneo ou previsto em lei (estupro ou risco de vida para a mãe) e a critério do médico.
Para iniciar o debate no âmbito esportivo, uma afirmação importante. Em entrevista ao jornal “The New York Times”, a atleta Phoebe Wright, que foi patrocinada pela Nike de 2010 a 2016, resumiu o pensamento de algumas atletas que pensam em engravidar. “Ficar grávida é o beijo da morte para uma atleta mulher. Se eu engravidasse, não contaria para a Nike de jeito nenhum”, disse. Logo de cara verificamos que, assim como em diversos biomas sociais, as mulheres no esporte têm tido um tratamento totalmente de descaso em relação ao tratamento dado a homens, por exemplo, que além de ganharem mais, são bem quistos. Já as atletas do sexo feminino não têm nem o mínimo resguardado: estabilidade e proteção à carreira em caso de gravidez. E esta falta de respeito, desamparo em relação ao mínimo, parte tanto dos clubes, quanto de empresas patrocinadoras, chegando até entidades máximas de um desporto, confederações, federações etc.
Logo, ao pararmos para pesquisar acerca de casos envolvendo qualquer tipo de ente ativo e de grande porte dentro do mercado do desporto mundial, é fácil achar casos de desrespeito. Um exemplo é a Nike, gigante mundial de material esportivo, que teve de mudar o entendimento com as atletas que engravidam enquanto estão sob contrato com a empresa americana. Esta reconheceu que, historicamente, algumas atletas do sexo feminino tiveram pagamentos reduzidos com base no não cumprimento de suas obrigações contratuais de desempenho. Assim, decidiu eliminar por 12 meses as reduções na remuneração relacionada ao desempenho das esportistas que decidirem engravidar.
“A carreira no esporte profissional é curta se compararmos às demais atividades profissionais e exige da atleta um alto desempenho físico que nem sempre é compatível com as mudanças físicas decorrentes da gestação, o que, por si só, impõe dúvida à profissional do esporte sobre o fato de se tornar mãe”, analisa a advogada Luciane Adam, sócia do escritório Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados, especializado em direito do trabalho.
Um dos principais, quiçá o principal, nomes dos saltos ornamentais no Brasil, Juliana Veloso sofreu quando resolveu ser mãe, chegando a ter seu plano de saúde cancelado. O mais comum, porém, é que as atletas tenham seus vínculos encerrados assim que os clubes são comunicados da intenção de uma esportista em engravidar, o que, mais uma vez, é um absurdo do ponto de vista jurídico garantidor de determinados direitos. Por exemplo, a CLT prevê, em seu artigo 391 que “não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o fato de haver contraído matrimônio ou de encontrar-se em estado de gravidez”. E o parágrafo único do artigo 391 assegura que “não serão permitidos em regulamentos de qualquer natureza contratos coletivos ou individuais de trabalho, restrições ao direito da mulher ao seu emprego, por motivo de casamento ou de gravidez”. Pra além, a Constituição Federal assegura estabilidade provisória no emprego e licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Já a Lei Pelé, “Não traz nenhuma previsão sobre o direito à maternidade da atleta”, alerta a advogada Luciane Adam, sócia do escritório Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados, especializado em direito trabalhista.
No Brasil, estudo da Fundação Getúlio Vargas mostra que após 24 meses, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade está fora do mercado de trabalho, um padrão que se perpetua inclusive 47 meses após a licença. A maior parte das saídas do mercado de trabalho se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 65% das mulheres com idade entre 25 e 44 anos estavam empregadas. Mas quando se considera mulheres da mesma faixa etária e com um filho de até um ano, a porcentagem de mulheres que tem um emprego cai para 41%. No caso dos homens, a porcentagem de empregados dessa faixa de idade até aumenta quando há a presença de um filho.
“Como o contrato de trabalho da atleta é por tempo determinado, a punição mais comum para os casos de gravidez da atleta é a ausência de renovação contratual. No entanto, também há casos em que há rompimento de contrato vigente ou até mesmo redução remuneratória, como redução dos valores pagos referentes ao direito de imagem, por exemplo”, explica Luciane Adam.
Outro exemplo latente são as jogadoras de vôlei Tandara e Karine, que não tiveram seus contratos renovados por estarem grávidas e decidiram entrar na justiça contra o Praia Clube, clube com qual tinham vínculo quando engravidaram.
“Especificamente quanto aos contratos por prazo determinado – como são os contratos de atletas – a Súmula 244 do TST assegura que III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado”, explica Luciane Adam, advogada especialista em direito trabalhista.
Na seleção brasileira de futebol feminino que disputou a última Copa do Mundo, apenas a lateral esquerda Tamires é mãe. No time masculino que jogou a Copa da Rússia em 2018, apenas seis jogadores não eram progenitoras.
“Apesar das lutas e conquistas pela igualdade feminina, a área do esporte em alguns momentos parece percorrer o caminho inverso, muitas vezes impondo à atleta escolher entre sua carreira e a maternidade, ao invés de estimular e garantir a conquista destes grandes sonhos”, finalizou a advogada Luciane Adam, sócia do escritório Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados.
É evidente que mudanças devem acontecer. A notícia boa é que o esporte mais assistido no mundo já está se movimentando por meio de sua entidade máxima. A Fédération Internationale de Football Association (FIFA) criará uma licença maternidade para os clubes que será obrigatória, com sanções que preveem banimento de transferência em caso de descumprimento. As regulações são consideradas um passo essencial para o futebol feminino, ao proteger as jogadoras de demissão ou, ao menos, de não renovarem o contrato por terem engravidado. As jogadoras teriam direito a um mínimo de 14 semanas de licença maternidade (três meses e meio), com ao menos dois terços do seu salário garantido. A licença maternidade valeria tanto para jogadoras quanto para técnicas e membros da comissão técnica. “Os clubes não poderão encerrar o contrato de uma jogadora por ela ter ficado grávida. Se isso acontecer, nós iremos impor uma multa, uma compensação à jogadora, mas também uma sanção esportiva. Nós iremos impor um banimento de transferências ao clube. De agora em diante, as jogadoras mulheres estarão melhor protegidas”, afirmou Emilio Garcia Silvero, diretor jurídico e de conformidade da Fifa. “Nós achamos que essas regras são bom senso. Há alguns países em que esses direitos já existem, mas nós estamos tentando regular isso para os 211 diferentes territórios. As condições básicas serão obrigatórias a partir do dia 1º de janeiro de 2021”, continuou o dirigente. Com as regras, os clubes serão obrigados a reintegrar as jogadoras ao clube e providenciar “suporte médico contínuo adequado”.
A Fifpro, associação mundial de jogadores e jogadoras, comemorou a regulação. “Esta é uma mudança impactante e significativa para o nosso esporte”, afirmou a jogadora da seleção inglesa Jodie Taylor, que faz parte do conselho de jogadoras da Fifpro. “As jogadoras de futebol precisam desse tipo de regulamento para garantir que possamos continuar nossas carreiras confiantes de que as provisões adequadas estão em vigor, caso decidamos ter filhos, o que é tanto reconfortante para nós como jogadoras como um reflexo do que o futebol profissional precisa para continuar crescendo”, continuou Taylor. “Espero que este seja o começo de políticas ainda mais progressivas e inclusivas para as jogadoras”. “Este é um passo imensamente importante e essencial para o futebol feminino, para as jogadoras e para o crescimento sustentável do jogo. Nós, como jogadoras, precisamos desse tipo de provisionamento e proteções para que ninguém tenha que escolher entre começar uma família ou continuar a sua carreira no futebol, como algumas tiveram que fazer no passado”, afirmou a goleira Gabriela Garton, da Argentina.
Por fim, é de se esperar que essa mudança influencie outras modalidades a adotarem medidas, através de suas entidades máximas, que normalizem em seus regulamentos direitos amplos e que resguardem o mínimo aceitável para que qualquer mulher possa gerir sua carreira da forma mais segura e confortável possível. Além disso, é necessário fazer como a FIFA e fixar sanções em determinadas situações, pois sabemos que regular é muito diferente de difundir e respeitar, mas punir pode acelerar tal entendimento.
Crédito imagem: Freepik
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