Por Paulo Henrique Pinheiro
Um dos temas atuais e que geram dúvidas para todos os profissionais que militam na área do futebol é sobre o licenciamento de clubes, que começou a ter vigência pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) a partir de 2018.
A licença consiste em uma autorização concedida pela CBF ao clube, habilitando-o a disputar determinada competição, desde que observados requisitos mínimos definidos. Trata-se de um processo formal de prestação de informações em cada temporada e submetida a decisão final pelo órgão próprio. No caso, a licença concedida ao clube é personalíssima e intransferível.
No plano internacional, a FIFA incluiu em seu estatuto o licenciamento de clubes desde o ano de 2007 e tem como objetivo elevar o nível das competições e dos clubes no âmbito mundial, podendo cada confederação adaptar o sistema às suas necessidades locais, via regulamento próprio, gerando impacto positivo nas diversas áreas técnicas e administrativas dos clubes e de infraestrutura.
Em uma livre tradução para a língua portuguesa do estatuto da FIFA, lá dispõe que os estatutos das Associações Membro devem obedecer aos princípios de boa governança e devem, em particular, conter, no mínimo, disposições relativas ao licenciamento de clubes.
No futebol sul-americano, a CONMEBOL integrou no estatuto da entidade o licenciamento de clubes no ano de 2016, onde o art. 7°, I, alínea “l”, dispõe que as Associações Membro têm a obrigação, dentre outras, “instaurar um sistema de concessão de licença de clubes que cumpra com os requisitos mínimos estabelecidos pela CONMEBOL e pela FIFA.”
A partir daí, em relação às competições continentais de clubes, como a “Copa Libertadores da América”, “Copa Sul-Americana” e “Recopa”, a CBF reconhece a autoridade da CONMEBOL para estabelecer licenças próprias. Por delegação da CONMEBOL, caberá à CBF atuar diretamente junto aos clubes brasileiros, como ente concedente e de monitoramento das licenças aplicáveis a referidos certames internacionais.
No Brasil, o licenciamento de clubes passou a ser aplicável ao Campeonato Brasileiro da Série A (temporada de 2018 e seguintes), da Série B (temporada de 2019 e seguintes), da Série C (temporada de 2020 e seguintes) e da Série D (temporada de 2021 e seguintes), na forma a ser definida pela CBF.
O procedimento para a concessão do licenciamento de clubes compreende 3 (três) fases. A primeira consiste no protocolo pelo clube de seu requerimento de licença junto à Comissão, instruído com todos os demais documentos necessários. A segunda compreende a avaliação e fiscalização pela CBF de todas as informações e documentos entregues pelo clube, incluindo a possibilidade de prestação de esclarecimentos adicionais em casos de erro ou omissão, elaborando e entregando um parecer final à Comissão. A última fase é a outorga ou denegação da licença, com a aplicação de eventuais sanções.
O órgão decisório de primeira instância é a “Comissão de Licenciamento de Clubes”, com competência para decidir acerca dos requerimentos e informações prestadas pelos clubes e dos relatórios da CBF, devendo atender a requisitos de isenção e independência.
Da decisão proferida pela “Comissão de Licenciamento de Clubes”, cabe recurso no prazo de 5 (cinco) dias para a “Instância de Apelação”. Este órgão recursal é composto por 3 membros titulares e 1 suplente, com atribuição de decidir sobre a apelação protocolada pelo clube requerente ou pela CBF.
Todas as decisões da “Instância de Apelação” serão finais, definitivas e vinculantes sobre a concessão da licença e sobre eventuais sanções aplicáveis, não cabendo qualquer espécie de recurso perante outro órgão ou tribunal.
Os membros dos órgãos decisórios são indicados pela diretoria da CBF, com mandato inicial de 2 (dois) anos, sendo permitida até 2 (duas) novas reconduções consecutivas. As despesas são custeadas pela CBF e as sessões de julgamento serão privadas, não admitindo a presença da parte interessada.
No que concerne às penalidades, a “Comissão de Licenciamento de Clubes”, visando a preservar o bom cumprimento das disposições do Regulamento de Licença de Clubes, notificará o clube infrator que descumprir total ou parcialmente os critérios, prazos, procedimentos ou demais obrigações, fixando-lhe prazo para sanar o descumprimento.
Em caso de inobservância, podem ser aplicadas as seguintes sanções: a) advertência; b) multa pecuniária; c) estabelecimento de uma obrigação de fazer ou não fazer ao clube requerente ou clube licenciado; d) retenção de quaisquer cotas, premiações ou créditos detidos pelo clube requerente ou clube licenciado junto à CBF; e) vedação de registro ou transferência de atletas; f) vedação de registro de novos contratos especiais de trabalho esportivo; g) denegação ou revogação de licença.
As punições podem ser impostas de forma isolada ou cumulativa. Na mensuração da gravidade dos fatos e na dosimetria das multas pecuniárias, deverão ser levados em consideração parâmetros como os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o cumprimento parcial das obrigações, a natureza e a gravidade da infração, os danos resultantes ao licenciamento e a terceiros, a vantagem auferida pelo infrator, a existência de violação anterior e a reincidência. Os recursos financeiros oriundos das multas reverterão ao patrimônio da CBF.
No Brasil, ainda não temos nenhum clube sancionado, pois o licenciamento de clubes passou a viger em 2018. Na Europa, diversas agremiações já foram penalizadas, até porque o sistema de licenças da UEFA vem desde o ano de 2003. Em caráter exemplificativo, cita-se o PSG, que foi punido no fair-play financeiro em 2014, por má conduta financeira, em 60 milhões de euros (à época, R$ 183 milhões). Em 2016, o Galatasaray foi banido de torneios europeus por duas temporadas, devido a prejuízos financeiros, com o destaque de que este clube iria disputar a Liga Europa na temporada seguinte. Em 2020, o Manchester City foi apenado em multa de 10 milhões de euros por não colaborar nas investigações sobre supostas violações ao fair play financeiro.
Para a concessão da licença de clube pela CBF, são observados 5 (cinco) critérios técnicos. São eles: a) Critérios Desportivos; b) Critérios Administrativos e de Capital Humano; c) Critérios de Infraestrutura; d) Critérios Jurídicos; e) Critérios Financeiros.
Nos critérios desportivos, o clube deverá ter um programa de desenvolvimento das categorias de base, com estrutura para treinamentos e jogos, equipes técnica, médica e de administração, recursos financeiros, formação escolar dos atletas, entre outros detalhes, além do certificado de clube formador.
Nas categorias sub-20, sub-17 ou sub-15, os treinadores deverão ter certificação, pelo menos com a licença B da CBF. Já o treinador profissional necessitará ter a licença de mais alto nível recomendada pela CONMEBOL ou CBF, como a Licença Honorária, Pro ou A da CBF ou qualquer diploma estrangeiro equivalente e reconhecido pela CBF.
Os preparadores físicos precisarão ter certificação da sua área e formação em Educação Física. Os médicos do clube carecerão de ter a licença da sua categoria e experiência profissional mínima de três anos. Ainda na área médica, as agremiações deverão ter um arquivo médico de cada atleta, além de fazer exames preventivos em cada um deles.
No tocante ao time feminino, este passa a ser obrigatório, além de categorias de base, ou ao menos ter uma parceria.
Nos critérios administrativos e de capital humano, as entidades esportivas precisarão ter alguns cargos profissionais e delimitados no organograma do clube, como o diretor geral (CEO), diretor financeiro, diretor administrativo, diretor de comunicação, diretor de marketing, oficial de segurança e ouvidor. Recomenda-se que todos estes sejam cargos remunerados, composto por trabalhadores com formação específica e dedicação para o exercício da função, e não integrados por conselheiros da instituição ou por mera indicação política. O currículo de cada profissional, com sua qualificação e titulação, deverá acompanhar o requerimento para a concessão da licença.
Nos critérios de infraestrutura, o estádio que o clube for usar precisa estar certificado pelas autoridades públicas e deve ser atual, o que a CBF classifica como não pode ter mais de um ano de expedição no começo da temporada. A agremiação pode fazer uso de mais de um estádio na temporada, devendo demonstrar os acordos que possui e que cobrem o uso dos estádios durante o prazo da licença. Os clubes já deverão ter os estádios que vai jogar designados dentro da sua licença, isto é, se quiser vender seus mandos de campo, precisará de um contrato de licença para que jogue a qualquer momento do ano naquele estádio.
Em relação aos critérios jurídicos, o clube deverá apresentar seu estatuto e atos societários, registrados nos órgãos devidos e em conformidade com a legislação brasileira e com a regulamentação da FIFA, CONMEBOL e CBF. Deverá, ainda, apresentar uma declaração juridicamente válida, assinada por seus representantes legais, para descrever e confirmar a sua estrutura de propriedade e mecanismo de exercício de controle, como a autonomia do Conselho Fiscal. Por ultimo, a agremiação não poderá ter dívidas perante a administração pública e entes fiscais e sociais, oriundas de procedimentos transitados em julgado ou que não comportem mais a interposição de recursos.
Em relação aos critérios financeiros, os clubes deverão apresentar “Demonstrações financeiras completas, anuais e auditadas” e que deverá ser feita por uma auditoria independente. Os itens incluídos nesta demonstração incluem balanço patrimonial, demonstração do déficit ou superávit do exercício, demonstração dos resultados abrangentes, demonstração das mutações do patrimônio líquido, fluxo de caixa e notas explicativas.
Por fim, o licenciamento propõe que o clube também esclareça outros itens, como as práticas contábeis adotadas, a parte que exerce o controle, o proprietário final, as transações com partes relacionadas, dentre outras informações que demonstrem a transparência e regras de boa governança na instituição.
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PAULO HENRIQUE S. PINHEIRO, é advogado, sócio do escritório Pinheiro Advogados Associados S/S, com atuação para clubes de futebol, recreativos, federações, associações esportivas e atletas profissionais. É mestrando em Direito Desportivo, especialista em Direito Desportivo, Direito do Trabalho e Direito Tributário, gestor de futebol pela CBF, professor da matéria “Direito Desportivo” e “Direito do Trabalho” em cursos de extensões e de pós-graduação. É autor de livros e artigos jurídicos no segmento esportivo e trabalhista, com publicações na revista da LTr, dentre outras. É bacharel em Comunicação Social pela UFG.