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Limites da responsabilidade do clube sobre ato de torcedor

Na segunda-feira, dia 11 de setembro, a  Procuradoria do STJD determinou o arquivamento de uma Notícia de Infração contra o Botafogo. De acordo com o site do STJD, “a Notícia de Infração apresentada pela ABI sustenta, em suas razões e fundamentos, que uma publicação feita pela torcida do Botafogo na rede social “X”, anteriormente chamada de “Twitter”, tratou de uma adaptação de um “slogan anticomunista utilizado pelos nazistas”. A mensagem foi publicada no perfil “Loucos pelo Botafogo” no dia 1º de setembro de 2023, um dia antes da partida envolvendo Botafogo e Flamengo, e continha a seguinte mensagem: “Antes morto que vermelho”.

Sem entrar no mérito da questão, a Procuradoria determinou o arquivamento da Notícia de Infração sob o argumento de que “não há previsão legal para estender a responsabilidade da entidade de prática desportiva pelas condutas praticadas pelos seus torcedores em ambiente virtual”.

Perfeito o posicionamento da Procuradoria.

A responsabilidade objetiva do clube sobre o comportamento dos seus torcedores é expressa no artigo 8 do Código Disciplinar da FIFA[1], artigo 78[2] do Regulamento Geral de Competições da CBF, no artigo 152 da Lei Geral do Esporte[3] e em diversos artigos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

Cabe pontuar que também o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou algumas vezes sobre a responsabilidade do clube mandante pela segurança dos seus torcedores. O STJ tem entendimento no sentido de responsabilizar o mandante da partida e a entidade de administração do desporto (CBF, no caso do futebol) pela segurança dos torcedores.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp 1.924.527, ressaltou que “o clube mandante deve promover a segurança dos torcedores na chegada do evento, organizando a logística no entorno do estádio, de modo a proporcionar a entrada e a saída de torcedores com celeridade e segurança“.

Além de reafirmar a responsabilidade do mandante e da CBF sobre a segurança dos torcedores, o STJ deixa claro que o local do evento esportivo não se restringe ao estádio, mas abrange também o seu entorno. Essa posição foi observada tanto no REsp 1.924.527 quanto no REsp 1.773.885, este como relator o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Ocorre que, quando as normas do ordenamento jurídico desportivo apontam para a punição do clube por comportamento do seu torcedor, o fazem de forma explícita; não há qualquer previsão jus-desportiva que permita a interpretação extensiva de que todo e qualquer comportamento do torcedor resulta diretamente em punição ao clube.

Quando há previsão de punição ao clube por comportamento do torcedor, a norma é dirigida diretamente ao clube, deixando claro a quem deve ser aplicada a sanção.

Cita-se como exemplo o artigo 213 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva que pune aquele que “deixa de tomar providências capazes de prevenir e reprimir: I — desordens em sua praça de desporto; II — invasão do campo ou local da disputa do evento desportivo; III — lançamento de objetos no campo ou local da disputa do evento desportivo.”

A sanção de multa e, quando a infração é de elevada gravidade, a perda de mando de campo, é destinada ao clube, não àquele que efetivamente realizou desordens, invadiu o campo ou lançou objetos.

A norma é clara.

É dizer: se um torcedor comete quaisquer das três infrações tipificadas no artigo 213 (desordem, invasão ou lançamento de objetos), a previsão é a de que haja punição ao clube, não ao torcedor que efetivamente praticou a desordem, a invasão e/ou o lançamento de objetos.

Quando a norma quer punir o agressor (e não o clube), esta também é explícita. É o que acontece com o artigo 254-A, também do Código Brasileiro de Justiça Desportiva; o artigo pune aquele que pratica agressão física. Exemplos de aplicação dos artigos 213 e 254-A deixam bastante clara a diferença na aplicação destas normas para fins do debate sobre a responsabilidade do clube por ato dos seus torcedores:

  • Aplicação do artigo 213: em 24 de agosto de 2023, o Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do futebol manteve a pena de perda de quatro mandos de campo ao Vasco da Gama por desordens provocadas por seus torcedores em São Januário na derrota para o Goiás, em junho, pelo Campeonato Brasileiro Série A[4]. Ação de torcedores, que resultou em punição para o clube. Responsabilidade objetiva de forma explícita no artigo 213.
  • Aplicação do artigo 254-A: Guilherme Arana, atleta do Atlético Mineiro, julgado por agressão (infração ao artigo 254-A) por atingir com uma cotovelada o rosto do atleta do Goiás[5]. Ação de atleta, punição aplicada ao próprio atleta, não ao clube. Não há responsabilidade do clube em casos de agressão; o punido sempre será o próprio agressor.

Como bem afirmou a Procuradoria do STJD ao determinar o arquivamento da Notícia de Infração contra o Botafogo, não há previsão legal que permita punir o clube por conduta dos seus torcedores em ambiente virtual.

De fato, não seria possível a aplicação de sanção ao clube utilizando uma interpretação extensiva de normas do CBJD que preveem punição ao clube por comportamento do torcedor durante a partida. Normas que restrinjam os direitos e garantias fundamentais reconhecidos e estabelecidos constitucionalmente devem ser interpretadas restritivamente.

Por qualquer ângulo que se analise, portanto, é claro o acerto da Procuradoria do STJD nesta questão.

Crédito imagem: STJD/Divulgação

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[1] Unless otherwise specified in this Code, infringements are punishable regardless of whether they have been committed deliberately or negligently. In particular, associations and clubs may be responsible for the behaviour of their members, players, officials or supporters or any other person carrying out a function on their behalf even if the association or club concerned can prove the absence of any fault or negligence.

[2] Art. 78 – Os clubes, sejam mandantes ou visitantes, são responsáveis por qualquer conduta imprópria do seu respectivo grupo de torcedores nos termos do Código Disciplinar da FIFA e do CBJD. Parágrafo único – A conduta imprópria inclui, particularmente, tumulto, desordem, invasão de campo, violência contra pessoas ou objetos, uso de laser ou de artefatos incendiários, lançamento de objetos, exibição de slogans ofensivos ou com conteúdo político, ou a utilização, sob qualquer forma, de palavras, gestos ou músicas ofensivas, incluindo manifestações racistas, xenófobas, sexistas, homofóbicas, transfóbicas ou relativas a qualquer outra forma de discriminação que afronte a dignidade humana.

[3] Art. 152. As organizações esportivas regionais responsáveis diretamente pela realização da prova ou da partida, bem como seus dirigentes, responderão solidariamente com as organizações esportivas que disputarão a prova ou a partida e seus dirigentes, independentemente de culpa, pelos prejuízos causados ao espectador decorrentes de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste Capítulo.

[4] https://www.stjd.org.br/noticias/pleno-mantem-perda-de-quatro-mandos-de-campo-e-multa-ao-vasco?csrt=10916416665076502943

[5] https://ge.globo.com/futebol/times/atletico-mg/noticia/2023/08/29/atletico-mg-guilherme-arana-e-punido-em-dois-jogos-no-stjd-por-ato-hostil-contra-o-goias.ghtml

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