Apesar do lockdown imposto pelo governo do Reino Unido (embora esta semana tenha sido aliviado um pouco) no dia 23 de março de 2020, medida sem precedentes para tentar limitar a disseminação do coronavírus, o judiciário do Reino Unido vem adotando um modelo de negócio (tanto quanto possível) como de costume. Os tribunais do Reino Unido estão “trabalhando duro para manter nosso sistema de justiça funcionando”, de acordo com as orientações oficiais atualizadas em 11 de maio de 2020.
Depois de trabalhar em um julgamento de quatro dias na semana passada, posso prestar testemunho da forma como os tribunais e praticantes do direito podem ajudar a manter o judiciário em funcionamento durante a pandemia. Atuando pelos réus em um caso de mais de 10 anos, o caso dos meus clientes foi considerado um caso “prioritário”, conforme as orientações dos Serviços de Tribunais de Sua Majestade (o chamado HMCTS). Não porque fosse uma questão de vida ou morte, mas porque a audiência de julgamento havia sido marcada em agosto de 2019. Embora a equipe do Reclamante tentasse adiar o julgamento com base nas restrições impostas pelo coronavírus, o tribunal em questão respondeu simplesmente dizendo que tinha toda a infraestrutura necessária para conduzir a audiência remotamente em sua totalidade e que o juiz do processo foi mais do que encorajado (pelo judiciário) a prosseguir com o julgamento, pois era do interesse público que o sistema de justiça não parasse durante esses tempos difíceis. O julgamento seria realizado via Skype for Business (o antecessor do Microsoft Teams).
Como essa resposta do tribunal foi dada um mês antes do julgamento, houve uma súbita pressa entre os advogados das partes em adotar rapidamente as orientações mais atualizadas sobre audiências remotas, preparação de documentos eletrônicos e os aspectos tecnológicos para que todas as partes relevantes fossem capazes de participar da audiência de julgamento.
Apesar das orientações muito úteis do tribunal sobre as formalidades anteriores ao julgamento, os advogados das partes concordaram com procedimentos de troca de documentos de forma muito prática (muita leniência foi oferecida por ambos os lados), devido ao grande volume de documentos utilizados durante a audiência. O método de comunicação desses documentos foi adaptado para permitir a transmissão efetiva dos vários documentos eletrônicos entre os advogados das partes.
Além disso, foram realizadas várias videoconferências para testar o sistema. Incialmente entre os advogados e seus clientes e, posteriormente com todos que participariam do julgamento. Um dia antes do início do julgamento, a secretária do juiz realizou uma videoconferência por uma hora durante a qual todas as partes, seus advogados e testemunhas participaram para testar o sistema. Ficou claro que o tribunal estava pronto para ouvir o caso. Ele possuía todas as ferramentas necessárias para prosseguir, mas, o mais importante, possuía a atitude e a motivação corretas para conduzir remotamente com o julgamento.
Uma hora antes do julgamento, a secretária do juiz realizou outra videoconferência para testar os microfones e webcams de todos os que participariam da audiência. Precisamente no horário marcado para o início do julgamento (pontualidade britânica), o juiz se conectou à vídeoconferência e, a partir daí, definitivamente foi “business as usual” (como de costume).
Participar de uma audiência por meio de vídeoconferência é muito mais focado do que estar presencialmente em uma sala de audiência e, portanto, tivemos vários intervalos de dez minutos. São realmente necessárias mais pausas quando se olha constantemente para a tela do seu laptop ou desktop. Embora alguns dos participantes tenham preferido cópias impressas dos documentos utilizados durante o julgamento, a maioria usou a versão eletrônica. Isso ajudou a diminuir o tempo do julgamento porque as testemunhas podiam acessar tais documentos (e não, não usamos apenas alguns documentos durante o julgamento… usamos muitos documentos diferentes e constantes dos vários volumes de pastas). As testemunhas não precisaram navegar pelos vários volumes, reduzindo assim o tempo usual para localizar o documento correto. Um simples comando “Ctrl F” mais o número da página do documento foram suficientes. Os advogados e o próprio juiz foram muito prestativos para ajudar as testemunhas na faixa dos 60 anos sobre como usar o sistema eletrônico. Então, suponho que nesse sentido todos tenham ido além do que é esperado de praxe. Mesmo assim, as regras do tribunal não foram relaxadas. O decoro e as regras do processo civil foram seguidas à risca.
Tendo vivenciado o potencial que as audiências remotas têm, acredito que essa modalidade pode e deve ser usada no futuro para uma variedade de casos após o fim do lockdown (embora não seja adequado para todos os casos). É indiscutivelmente mais barato para os clientes, pois não há custos envolvidos em viagens e tempos de espera, e o fato de que, como advogado, você pode acessar a a videoconferência cinco minutos antes do início da audiência, permitindo flexibilidade para lidar com outras questões (assuntos urgentes para outros clientes – uma situação comum para advogados nos dias de audiência) até o ponto de ingressar na videoconferência.
Do ponto de vista de um praticante do direito, estou convencido de que esta experiência foi muito bem-sucedida e que deve ser repetida durante esses tempos difíceis e pós-lockdown. Apesar do método da audiência, ainda são esperadas as mesmas competências para os advogados: preparação, atenção aos detalhes (incluindo certificar que você tem bons equipamentos e software apropriados) e, particularmente importante para advogados, qualidade no atendimento ao cliente.
Não surpreende que minha experiência tenha sido muito positiva. Por muitos anos, o nosso escritório tem todo o aparato tecnológico necessário para esse tipo de julgamento, a distância.