A primeira rodada das competições nacionais de futebol confirmou o temor de todos: a saúde dos envolvidos no jogo está em risco. E, depois de tudo que aconteceu, ficou evidente que além de aprimorar o protocolo, é preciso discutir uma nova fórmula do campeonato. E os atletas não podem ficar de fora dessa discussão.
Muitos estão assustados com o retorno. Eu conversei com 3 atletas nesta segunda-feira (10/08), dois da série A e um que disputa a série B. Todos disseram que existe um clima de insegurança, e que o protocolo não tem dado a tranquilidade que eles imaginavam que seria possível.
Foi notícia aqui que o Ministério Público do Trabalho vai apurar possíveis falhas na segurança aos jogadores antes do jogo entre Treze e Imperatriz pela série C. O caso pode se espalhar pelo resto do Brasil.
No primeiro fim de semana de jogos pelo Brasileiro, surgiram vários problemas. Jogadores testando positivo instantes antes dos jogos, partidas canceladas, quebra de protocolo e sensação de insegurança.
Eu participei de um programa do Lei em Campo com Paulo Schmitt e Luiz Marcondes, dois advogados que estudam muito o direito esportivo, e que analisaram o protocolo e os regulamentos dos campeonatos. A conclusão do programa foi: o protocolo é bom, mas o problema da pandemia ainda é gigante no Brasil e a realidade continental do nosso país exige outras mudanças além das apresentadas nesta segunda (10/08).
Algumas ideias que surgiram dessa reflexão.
1 – os testes precisam ser feitos em dois momentos.
Antes da viagem, que seria uma responsabilidade do clube com seus atletas e com todas as pessoas que terão contato com a delegação; e também depois da chegada na concentração, uma responsabilidade da CBF com todos os envolvidos na partida;
2 – o protocolo precisa trazer sanções contra clube que não o respeitar. .
Não adianta apenas recomendações sem punições. A letra do protocolo até tem eficácia, mas fica faltando efetividade. Sem punição, se o clube não respeitar o que está escrito, nada acontece.
3 – é preciso mudar o formato do campeonato, e acabar com os deslocamentos permanentes.
Num país continental, e com viagens semanais, o risco de contaminação é muito grande como se tem visto nesse início de campeonatos. É preciso definir sedes e colocar atletas em “bolhas”, assim como foi feito na Champions League e na NBA, por exemplo. Para não privá-los do convívio familiar por tanto tempo, poderia se estipular visitas periódicas dos familiares que seguiriam também um protocolo. Deslocamentos entre cidades que possam ser feitos de ônibus é algo que também pode ser estudado.
São ideias.
E todas pensando na saúde dos atletas, sem entrar em questões caras ao esporte mas que se tornaram menores em função dessa realidade inimaginável, como a isonomia entre os competidores (essa já sofreu danos em todos os lugares do planeta).
A CBF já disse que manterá um diálogo permanente para aperfeiçoar o protocolo. E que irá ouvir a todos. Os atletas precisam falar.
E é importante que CBF e também os clubes os escutem, afinal eles têm o dever legal de proteger a saúde dos atletas.
Já escrevi aqui Lei em Campo que é um erro achar que o atleta é obrigado a jogar no meio de uma pandemia como a que estamos vivendo. Não é. Se o atleta se sentir inseguro, os protocolos não forem claros e as autoridades de saúde indicarem a necessidade de manter o isolamento, ou houver risco claro a saúde dele, o jogador tem respaldo jurídico para não voltar a trabalhar.
A Constituição Federal, no art. 7º, XXII, prevê como direito do trabalhador a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Além disso, a legislação é transparente ao determinar que o empregador (clube) é responsável pela saúde e integridade de seus empregados (atletas). Isso está previsto também na Lei Pelé e na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
A responsabilidade é gigante. Dos clubes, e também da CBF, que organiza as competições nacionais.
O direito não é refém de questões materiais, sendo acionado só quando houver um prejuízo financeiro. A sua essência precisa sempre estar no sentimento de justiça. Como escreveu Ihering, “a faculdade de sentir a dor causada pela violação do direito e a energia – coragem – de repelir o ataque os dois critérios do vigor do sentimento jurídico”.
A pandemia é um assunto grave, e discutir protocolos sem a participação do principal afetado por ele me parece ser um erro que precisa ser corrigido.
O diálogo é indispensável.
A equação é realmente complicada. Organizar um campeonato em um país continental com uma pandemia em alta.
Mas é fundamental não esquecer que a prioridade número 1 será sempre a saúde de todos, como já disse Gianni Infantino, presidente da FIFA, e também Rogério Caboclo, presidente da CBF.
Eu estou cada vez mais convencido. A saúde de todos, até de quem não tem nada a ver com o jogo mas pode indiretamente conviver com alguém de uma delegação, passa por um isolamento, por um campeonato em “bolhas”, evitando deslocamentos. Quem sabe agora o Brasil olha para os exemplos de fora e toma o caminho certo.
Não seria o campeonato dos sonhos. Verdade. Mas o risco de se viver um pesadelo seria muito menor.
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