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Mais do que uma errata olímpica: o fator ético das cerimônias de realocação de medalhas

Nesta semana ocorreu mais uma reunião virtual do Conselho Executivo do Comitê Olímpico Internacional, tendo sido esta realizada de forma conjunta com a Comissão de Atletas Olímpicos. Além de temas ligados à aplicação da Regra 50, cujo conteúdo já abordamos nesta coluna, medidas de prevenção e enfrentamento à Covid-19 necessárias à realização dos Jogos Olímpicos de Tóquio foram objeto da reunião. Ao lado desses temas, cuja importância e cabimento parecem óbvios, constava da pauta ainda uma atualização quanto à realização das cerimônias de realocação de medalhas no ano de 2020.

Uma cerimônia de realocação de medalhas ocorre sempre que há a perda de uma medalha por atleta penalizado, o que exige que aquele resultado passe a ser atribuído a outro atleta, que receberá a medalha em um evento próprio. Ocorrido um erro em um resultado olímpico declarado, a simples revisão daquele resultado não seria suficiente? Algo como uma “errata olímpica” não supriria o ocorrido?

Pois, interrogo a você, leitor: já notou em algum jornal ou revista uma seção chamada “errata”? Não se sinta culpado caso nunca tenha visto, pois, realmente, quase ninguém nota. Apesar de não se notar, muitos veículos impressos e mesmo os que circulam através da internet, contam com esses espaços que servem às correções necessárias em seu conteúdo.

Do mesmo modo como a errata é necessária quando um autor verifica uma falha detectada depois do material já impresso ou publicado via internet, uma medalha olímpica, inicialmente concedida a quem não deveria recebê-la, também merece ser destinada a quem de direito. E o Comitê Olímpico Internacional entendeu que a simples publicação do que seria uma “errata olímpica”, apenas uma revisão do resultado oficial, não seria bastante a recompensar o atleta e o público, merecendo receber o destaque necessário a tornar esse momento especial.

Para tentar corrigir essa situação, em 2018, o COI decidiu que os atletas que recebessem medalhas realocadas mereciam o benefício exclusivo de escolher o tipo e o local de cerimônia onde gostariam de receber a medalha olímpica, de forma que seus resultados fossem reconhecidos publicamente. Para tanto, desde então, são outorgadas seis opções para livre escolha dos atletas: receber a medalha nos Jogos Olímpicos seguintes à revisão do resultado, nos Jogos Olímpicos da Juventude seguintes, na sede do COI ou no Museu Olímpico, em um evento realizado pelo Comitê Olímpico Nacional, em um evento da Federação Internacional de sua modalidade ou ainda em uma cerimônia privada.

Quando penso na frustração causada ao atleta que não sobe ao pódio no dia da competição, penso que nenhuma outra forma de cerimônia supre a frustração inicial, mas os depoimentos dos atletas que encontramos na internet demonstram que a intenção do Comitê Olímpico Internacional foi realmente alcançada. Das 28 cerimônias dessa natureza, realizadas até hoje, 13 ocorreram em um evento do Comitê Olímpico de origem dos atletas, 12 ocorreram em um evento da Federação Internacional da modalidade esportiva, 2 delas, em um evento privado e 1 no Museu Olímpico, o que demonstra que, em sua maioria, os novos medalhistas olímpicos escolhem levar seu momento às suas próprias comunidades, dando à cerimônia a dimensão humanitária esperada pelo COI.

Assim como o jornalismo é uma atividade social que se apoia no compromisso de informar as pessoas quanto aos principais acontecimentos da sociedade, o movimento olímpico se ampara na certeza dos resultados esportivos. É daí que advém o coeficiente de confiabilidade, que deve ser proporcional ao nível de segurança do público em relação ao evento esportivo que consome.

A cerimônia realizada, portanto, assegura mais do que medalhas aos vencedores. Aponta que o esporte olímpico é capaz de criar uma autossuficiência ética, construída através da disposição de se discutir e de exercer autocrítica. A cerimônia é uma conquista de atletas para a atletas, pois o Conselho Executivo o fez em atendimento à Comissão de Atletas da entidade.

Obviamente, o procedimento para revisão de qualquer resultado olímpico declarado não pode ser tão simples quanto a realização da errata de um jornal, pois a retificação de um equívoco não pode gerar mais equívocos. O processo é longo, mas tem resultados que corrigem e acolhem. Vamos avaliá-lo em detalhes na próxima edição da coluna.

Relatos dos atletas demonstram que se sentiram acolhidos e recompensados com as cerimônias. Portanto, a medida se torna um importante instrumento de correção histórica, com função restaurativa e orientada pela criatividade e por um desejo que vai além de penalizar e corrigir, pelo desejo de acolher.

……….

Para saber mais:

https://www.olympic.org/athlete365/voice/olympic-medal-reallocation-principles-by-the-international-olympic-committee/

https://globoesporte.globo.com/olympicchannel/noticia/da-depressao-a-gloria-medalha-herdada-por-doping-leva-atleta-do-levantamento-ao-hall-da-fama.ghtml

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