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Mais uma vez, o calendário do futebol mundial

Não é de hoje que o tema do calendário do futebol mundial volta à tona de tempos em tempos. Desta vez, a partir do anúncio pela FIFA, no fim de 2023, do novo formato do Mundial de Clubes, a ser realizado entre junho e julho de 2025 nos Estados Unidos, com 32 equipes e contando com a participação dos campeões continentais entre os anos de 2021 e 2024 e de outros times por meio de um sistema de ranking (dentre eles Flamengo, Fluminense e Palmeiras), o assunto voltou à pauta de discussões. Isto porque o torneio, agora inchado e longo, prejudicaria em demasia o calendário das equipes e ligas nacionais mundo afora.

É inegável que o torneio Mundial de Clubes organizado pela FIFA ainda “não pegou” e a entidade vem agora buscando, via incremento da premiação e um novo formato, despertar maior interesse e engajamento da comunidade internacional do futebol. A grande verdade é que o Mundial permanece uma obsessão apenas para os clubes brasileiros, ao passo que, especialmente para os europeus, o torneio é disputado cada vez mais de maneira protocolar. A título ilustrativo, vale lembrar que o técnico Carlo Ancelotti, logo após vencer mais uma Champions League com o Real Madrid, chegou a afirmar que sua equipe não disputaria o torneio por conta de valores de premiação e que a FIFA poderia “esquecer isso”. Logo após, certamente movidas por interesses políticos e procurando preservar o bom relacionamento com a entidade máxima do futebol, fontes do clube desmentiram o treinador e confirmaram participação no novo torneio. Mas fica claro que o descontentamento é latente.

A questão é que, fora a disputa da competição intercontinental em si, o grande pano de fundo é que o calendário do futebol em quase todos os cantos do mundo veio se expandindo de tal maneira nas últimas décadas a ponto de agora chegar ao ponto máximo de saturação, seja no futebol doméstico seja no calendário internacional de seleções da FIFA.

No Brasil, é antigo o problema do inchaço dos campeonatos estaduais e o fato de os principais campeonatos do país ficarem espremidos de maio a dezembro, juntamente com as competições continentais da CONMEBOL e as datas FIFA, que historicamente não são respeitadas. Mesmo nas janelas internacionais, os torneios domésticos continuam e é imenso prejuízo causado às equipes que cedem seus atletas às seleções. Vale a lembrança da recém-finalizada Copa América, que desfalcou vários clubes por cerca de 40 dias. Já passou da hora de a FIFA incluir em seus estatutos punições para as federações nacionais que não adequarem seus calendários às datas internacionais.

O calendário do futebol brasileiro é tão apertado que não contempla nenhum espaço vazio para eventuais imprevistos (como acomodar a tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul, por exemplo) nem para os compromissos obrigatórios dos clubes. Para se ter uma ideia, o calendário nacional deste ano não previa datas para os playoffs da Copa Sulamericana, fazendo com que Internacional, Athletico-PR e Cuiabá tivessem que ter seus compromissos adiados no Campeonato Brasileiro (sabe-se lá para quando!) para a referida disputa. Como se não bastasse, calendário brasileiro é anual, ao contrário do que se pratica na maior parte do mundo, o que, por si, já traz inúmeros problemas de coordenação. Como será a disputa do Mundial da FIFA pelos clubes brasileiros com o Brasileirão 2025 em andamento? Mais jogos adiados (por 30 dias!)? Para quando?

Na Europa, o problema de calendário é de menor proporção, mas também é grave. As datas FIFA são devidamente respeitadas (embora em parte, como será explicado adiante), com as competições nacionais paralisadas neste intervalo. Mas ainda assim há prejuízos aos clubes, que investem altas somas na formação de seus elencos. Em primeiro lugar, o calendário internacional de seleções é excessivamente inchado. São muitas paralisações ao longo do ano, muitos amistosos, eliminatórias para a Eurocopa e para a Copa do Mundo, Nations League, fora a Eurocopa e a Copa do Mundo em si. Tal calendário internacional da FIFA poderia ser otimizado e reduzido, por exemplo, com a utilização das Copas Continentais também para efeito de classificação para a Copa do Mundo. Mesmo com a paralisação dos torneios domésticos, muitas vezes os atletas precisam fazer longas viagens internacionais para atuar por suas seleções. Isto inviabiliza muitas vezes sua participação pelo clube na partida imediatamente posterior à data FIFA, quando uma peleja é disputada na América do Sul numa terça-feira à noite e o clube europeu atua no sábado pela manhã seguinte, por exemplo. Os clubes é que precisam dosar a minutagem dos atletas, pois as seleções só se preocupam com aquele curto prazo de 2 ou 3 partidas.

Além do mais, o calendário doméstico europeu de clubes também é bastante saturado, o que é agravado em algumas ligas, com a Inglesa. Normalmente, o calendário europeu de cada país, que vai de agosto de um ano até maio do seguinte, contempla 2 ou 3 competições, quais sejam, o campeonato nacional, a respectiva copa nacional e a competição continental da UEFA para as equipes classificadas (Champions, Europa e Conference League). Na Inglaterra, são 4 competições, pois há 2 copas nacionais.  Além da Copa da Inglaterra (FA Cup), também é disputada a Copa da Liga Inglesa (atualmente Carabao Cup), fazendo com que a fase mais aguda da temporada seja disputada exatamente no período festivo de final de ano. Não se pode olvidar ainda, que as Copas Africana e Asiática de seleções são disputadas em janeiro e as competições domésticas não são paralisadas, o que significa ainda mais prejuízo às equipes europeias.

O grande pano de fundo de toda a discussão envolvendo o calendário do futebol deveria ser a saúde física e mental dos atletas, o que, no final das contas, resvala na qualidade do espetáculo. Como inserir a disputa do Mundial de Clubes no meio do calendário brasileiro ou ao final do calendário europeu, o qual deveria ser destinado às férias e ao descanso dos jogadores? Vale lembrar que os atletas europeus já perdem grande parte de seus momentos de descanso com a disputa da Eurocopa e da Copa do Mundo, de 2 em 2 anos. A sobrecarga é nítida. A título representativo, a temporada 2024-2025 começa daqui a 15 dias e vários atletas sequer iniciaram a pré-temporada com seus clubes por conta da Eurocopa 2024. Começarão a temporada sem descanso e sem a devida base física, o que aumenta o risco de lesões. O mesmo acontecerá em 2025 por conta do novo Mundial da FIFA e em 2026 em razão da Copa do Mundo. Para vários atletas, serão 3 temporadas non stop!  O atleta Van Dijk, capitão do Liverpool e da seleção holandesa, chegou a afirmar ao final da recente Eurocopa que precisará considerar se valera à pena seguir com o futebol de seleções, após uma temporada tão longa e desgastante (o jogador disputou mais de 60 partidas no ano, sendo ele um dos que mais atuou no mundo na última temporada).

Por mais que os jogadores atuais possam ser considerados super atletas, há limites para o corpo humano. Ainda que suportem atuar “domingo, quarta e domingo”, isto é humanamente impossível por várias semanas e meses seguidos. Um atleta precisa no mínimo de 4 dias para se recuperar completamente de uma partida para outra, fazendo com que o intervalo mínimo de 66 horas previsto nos regulamentos da FIFA seja claramente insuficiente.

            As reações já começaram. Na última semana, foi divulgado que as principais ligas europeias se uniram à FIFPro (sindicato dos jogadores profissionais) em uma ação contra a FIFA na Comissão Europeia contra o congestionamento do calendário do futebol, pois as decisões tomadas pela entidade máxima nos últimos anos, especialmente a ampliação do Mundial de Clubes e da Copa do Mundo, negligenciaram suas responsabilidades como órgão dirigente, prejudicando o bem-estar dos atletas e os interesses das ligas nacionais, com a saturação do calendário internacional operada com a consideração apenas de suas competições e de seus interesses comerciais.

Com a pandemia da COVID-19, em 2020, as regras do futebol foram alteradas para permitir 5 substituições por partida. Mas a mudança salutar infelizmente acabou servindo para relaxar as preocupações com o calendário, pois seria mais fácil para as comissões técnicas “rodar os elencos”. É momento de reflexão. Em nome da saúde dos artistas do espetáculo já passou a hora de repensar o calendário do futebol mundial. Entretanto, reconhecemos que esta não é uma tarefa simples. O eventual enxugamento de datas fará com a indústria gere menos dinheiro. Será preciso que os próprios atletas, detentores de direitos televisivos e demais operadores da cadeia esportiva abram mão de parte de seus rendimentos.  Estarão dispostos a isso?

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