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Manifestações culturais e práticas desportivas lícitas não podem ser proibidas

Ao contrário do que ocorre na “farra do boi” e na briga de galos, onde há cruel prática contra os animais em flagrante violação de normas de proteção do meio ambiente, as vaquejadas e as provas de laços são genuínas manifestações culturais onde não há crueldade contra animais.

Recente notícia publicada no site do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) na última semana, trouxe decisão proferida pela 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do TJSP que confirmou sentença que determinou que a Prefeitura Municipal de Avaré e a Associação Brasileira de Criadores de Cavalo Quarto de Milha se abstenham de realizar provas laçada de bezerro e laço em dupla na cidade, sob pena de multa de R$ 10 mil por evento[1].

De acordo com as informações veiculadas pelo site do Tribunal, a ação foi proposta pelo Ministério Público sob a alegação de que as “provas geram maus tratos, sofrimento e exploração dos animais”. Em contestação, as rés afirmaram que a prática é permitida por lei, tida como expressão artística e esportiva, bem como manifestação cultural nacional.

Nos autos da Apelação nº 1001847-68.2018.8.26.0073, o relator do recurso, desembargador Ruy Alberto Leme Cavalheiro, afirmou que “no conflito entre normas de direitos fundamentais – manifestação cultural e proteção aos animais/ao meio ambiente – deve-se interpretar de maneira mais favorável à proteção ao meio ambiente”.

No intuito de embasar essa assertiva, o acórdão mencionou o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que “provas que impliquem em laçada, derrubada ou interrupção abrupta da corrida dos animais configuram maus tratos e não fornecem a segurança necessária”.

Desta forma, de acordo com o entendimento firmado nos autos, restou exposto que nem todas as práticas advindas de eventos com animais, como a prova de laço, devem ser preservadas simplesmente por tradição, na medida em que o evoluir da humanidade estaria justamente no aprimoramento de comportamento, ideias, hábitos, partindo para a melhoria da vida e para a preservação do meio ambiente.

Todavia, virar os olhos para uma prática cultural e lícita de determinado segmento da sociedade importa em medida discriminatória que despreza a origem e história de parte da população.

Além disso, os argumentos utilizados na decisão estão ultrapassados e defasados, na medida em que houve superação legislativa, ainda pendente de julgamento perante o STF.

Com efeito, deixou de ser observado que a Lei n. 13.364/16, elevou os rodeios, as vaquejadas e outras expressões artísticas à condição de manifestação cultural e de patrimônio cultural imaterial.

Deixou de ser observado no acórdão que a Emenda constitucional n. 96/2017, alterou o art. 225 da Constituição Federal, para prever que não se consideram cruéis práticas desportivas que utilizam animais, desde que sejam manifestações culturais. Não se pode perder de vista que as leis, as emendas constitucionais e os atos normativos gozam de presunção de constitucionalidade até que sejam revogadas ou declaradas inconstitucionais, razão pela qual os instrumentos normativos posteriores à decisão do STF nos autos da ADIn 4.983/CE são válidos e não podem ser adjetivados de inconstitucionais até que o devido processo legal seja concluído.

Por outro lado, não pode ser ignorado o fenômeno da superação legislativa, devendo ser ressaltado que tal procedimento não fere nenhum ato normativo ou manifestação prévia da Suprema Corte, conforme se extrai dos arts. 2º e 102, § 2º da Constituição Federal, que tratam da separação dos poderes e da redação literal do outro dispositivo em que nenhuma passagem versa explicitamente acerca do Poder Legislativo.

De acordo com o jurista Celso Fiorillo, o termo “crueldade” tem sido empregado de forma equivocada, na medida em que “cruel” é quem obtém satisfação com o sofrimento alheio. Nestas provas de laço e vaquejada, o objetivo é a demonstração da destreza do peão como desportista.

 A Lei n.º 10.220/2001, popularmente conhecida como “Lei Geral do Peão de Rodeio”, criou normas especiais para essa categoria e equiparou o peão de rodeio ao atleta profissional, razão pela qual foi o próprio legislador brasileiro declarou a licitude do rodeio ao legislar acerca do peão e seu regime jurídico.

De acordo com a referida lei, é obrigatória a celebração de contrato de trabalho por escrito, no qual deverá conter a (i) qualificação das partes contratantes; (ii) o prazo de vigência, que será, no mínimo, de quatro dias e, no máximo, de dois anos; (iii) o modo e a forma de remuneração, especificados o valor básico, os prêmios, as gratificações, e, quando houver, as bonificações, bem como o valor das luvas, se previamente convencionadas, bem como (iv) cláusula penal para as hipóteses de descumprimento ou rompimento unilateral do contrato. Além disso, é obrigatória a contratação de seguro de vida e de acidentes em favor do peão pelas entidades promotoras do espetáculo e o atraso no pagamento de salários, por período superior a três meses, acarreta sanções para o empregador que promove o evento.[2]

É importante destacar que a definição de “peão de rodeio” é abrangente e explicitada pelo legislador, na medida em que as provas de rodeios são consideradas “as montarias em bovinos e eqüinos, as vaquejadas e provas de laço, promovidas por entidades públicas ou privadas, além de outras atividades profissionais da modalidade organizadas pelos atletas e entidades dessa prática esportiva.”[3]

O peão de rodeio, portanto, é um atleta profissional e sua atividade está regulamentada em lei federal no território brasileiro, razão pela qual a decisão proferida pelo TJSP importa em cerceamento de uma atividade cultural e desportiva em desrespeito aos dispositivos que regulam a matéria na Constituição da República Federativa do Brasil.

……….

[1] Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=63358. Acesso realizado em 19.02.2021.

[2] Disposição contida no artigo 2º, parágrafos primeiro e segundo da Lei n.º 10.220/2001.

[3] Art. 1º, parágrafo único da Lei n.º 10.220/2001.

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