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Manipulação de resultados nos eSports

Manipulação de resultados é a pauta da vez. Com a operação deflagrada pelo GAECO e pelo Ministério Público de Goiás apontando atletas da série A do futebol brasileiro, o tema ganhou os noticiários e as rodas de conversa em todo o país.

Entretanto, manipular resultados (ou incentivar a sua manipulação) para assegurar lucros em apostas desportivas – literalmente quebrando a banca – é algo mais antigo que o próprio futebol. Declan Hill, em matéria de 2013, afirma:

A corrupção nos esportes remonta a pelo menos 2,8 mil anos, e sempre haverá algum tipo de corrupção enquanto houver esportes de competição. É simplesmente parte da natureza humana.[1]

A verdade é que a manipulação de resultados é atemporal. Enquanto houver aposta, haverá alguém pensando em como vencer o sistema (desenhado para te fazer perder) e lucrar com aquilo. Decorre do prazer de promessa de dinheiro fácil, da eldorado enraizada na psique humana.

Inúmeros foram os casos, por sinal, que saltaram à mídia nos últimos anos, como o Campeonato Brasileiro de 2005, o escândalo de Tim Dogherty, árbitro da NBA, em 2007, a Operação Game Over de 2016 e a prisão da tenista Yana Sizikova em 2021. Há uma baita matéria de Andrei Kampff a respeito, por sinal, publicada aqui no Lei em Campo em janeiro de 2020.[2]

Os eSports, evidentemente, não estão ilesos.

Com a crescente popularidade dos jogos e esportes eletrônicos, as casas de apostas notaram neles um mercado interessante a oferecer a seus clientes. Competições de jogos como Counter Strike, LOL, Valorant, DOTA, Starcraft II, entre outros, são assistidas aos montes por fãs e jogadores. Se há audiência, há quem se interesse por apostar naquilo.

Logo, não tardou para que os gatilhos comportamentais humanos fossem acionados e, consequentemente, surgissem escândalos de manipulação de resultados no cenário de eSports, voltados a beneficiar apostadores e jogadores sedentos por dinheiro fácil, a qualquer preço.

Ainda em 2020, o portal TechTudo[3] relembrou casos que remontam a 2014 e 2015, por vezes arquitetados pelos próprios jogadores e respectivos treinadores. Um deles, ocorrido nas principais ligas sul-coreanas de Starcraft II (por lá, um fenômeno de audiência), culminou na prisão e no banimento de ao menos 5 (cinco) envolvidos. Na mesma matéria, noticia-se a suspensão de 18 (dezoito) meses do atleta Condi, do cenário competitivo de League of Legends, por forçar a derrota de sua equipe em conluio com um manager do time.

Os casos se sucedem a ponto de o GE[4] ter noticiado, em março de 2022, que os eSports seriam “a 2ª modalidade com mais manipulação de resultados”, apenas atrás do futebol, algo que teria sido relatado pela empresa Sportradar à proporção de uma fraude a cada 384 resultados.

É evidente que essas manchetes são absolutamente nefastas para os organizadores, para as equipes e para o público consumidor em geral, pois colocam em descrédito a lisura da competição, prejudicam o valor do produto e são capazes de lhe tornar, simplesmente, desinteressante.

Além de uma sanção que aparente eficácia, reunindo caráter punitivo e pedagógico, os organizadores e stakeholders precisam agir rápido a demonstrar aos fãs e consumidores que prevenir e repreender a manipulação de resultados é algo prioritário e que sempre estará em pauta, objeto de constante monitoramento e disciplina regulamentar, em cooperação com as autoridades públicas.

Não obstante, vários dos regulamentos de eSports, como os do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL) e da Liga Brasileira de FreeFire (LBFF), não se limitam a disciplinar a conduta dos atletas e treinadores, mas estendem as disposições à publicidade relacionada a apostas, proibindo ou restringindo-a. Se, por um lado, a restrição publicitária retira recursos muito interessantes (por vezes, indispensáveis ao sustento das equipes e competições), por outro lado reduz o combustível que impulsiona o hábito de apostar (ao menos naquela modalidade).

Mesmo assim, casos de violações regulamentares continuarão ocorrendo. Em 2021, a mídia noticiou que o atleta Leonardo “Gragolândia” teria sido punido pela Riot Games, Publisher e organizadora do CBLOL, com pena de suspensão por 10 (dez) partidas, ao ser flagrado fazendo apostas e incentivando o hábito de apostar numa live[5]. Embora não se caracterize como manipulação de resultados, o que seria certamente mais grave, a punição lhe foi aplicável porque naquele momento, Gragolândia se encontrava inscrito pela equipe INTZ como um dos atletas do CBLOL, portanto, sujeito às regras nacionais e internacionais da modalidade.

Ilustrando, eis o que dispõem os artigos 10.3 e 10.4 do Regulamento do CBLOL da época, base à penalidade aplicada ao Gragolândia, consoante comunicado publicado pela própria Riot Games em seu site oficial[6]:

REGRAS RELEVANTES

“10.3 Associação com Apostas: nenhum membro de uma equipe ou oficial da Temporada 2021 pode participar, tanto de forma direta quanto indireta, em apostas com os resultados de qualquer jogo ou partida da Temporada 2021.”

“10.4 Sujeição a Penalidades: qualquer pessoa envolvida ou com tentativa de envolvimento em qualquer ação que a organização da Temporada 2021 acredite, a seu critério exclusivo e absoluto, que constitua uma vantagem desigual, será sujeita a uma punição imposta devido a esses atos. A natureza e extensão das punições impostas devido a essas operações obedecerão a critérios exclusivos e absolutos da organização da Temporada 2021.”

LISTA DE PENALIDADES

Decisão: O jogador Gragolandia violou o item 10.3 do Regulamento da Temporada 2021 e será enquadrado nas penalidades previstas pela Tabela de Penalidades do CBLoL 2021.

Penalidade: Suspensão por 10 rodadas de cada liga. O atleta poderá retornar a partir da Rodada 17 do CBLOL. No CB Academy o seu retorno será a partir da Rodada 15.

Nota-se que a penalidade foi aplicada pela própria Publisher (não há, nos regulamentos do cenário de LOL brasileiro, Justiça Desportiva tradicional, tratando-se de liga privada, cf. artigo 50 da Lei n.º 9.615/98).

Ainda no cenário de LOL, 12 jogadores da liga de base da Turquia foram suspensos em novembro de 2022 pela Riot Games “por envolvimento em atividades de manipulação de resultados e apostas durante as edições Spring e Summer do campeonato turco”, com penas que variam de 10 meses a 5 anos, segundo o GE.[7] Vale relembrar que os regulamentos editados pela Riot tendem a ser mundialmente padronizados, de modo que é possível estimar que penas parecidas seriam aplicadas em casos similares, pela publisher, por aqui.

Portanto, é extremamente relevante que os trabalhos voltados à prevenção e repressão de match-fixing não fiquem exclusivamente orientados ao futebol, cabendo às autoridades públicas e aos entes privados dos eSports (organizadores, equipes, atletas, patrocinadores, operadores) cooperar e atuar em conjunto para o cada vez mais necessário aprimoramento legislativo e efetivação dos mecanismos de identificação, combate e punição dos partícipes de esquemas de manipulação.

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[1] https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/02/130205_futebol_manipulacao_analise_ac

[2] https://leiemcampo.com.br/a-manipulacao-de-resultados-e-um-inimigo-historico-do-esporte-como-evitar/

[3] https://www.techtudo.com.br/listas/2020/03/lol-e-csgo-relembre-escandalos-de-manipulacao-de-resultados-no-esports.ghtml

[4] https://ge.globo.com/esports/noticia/2022/03/08/esport-e-2a-modalidade-com-mais-manipulacao-de-resultados-diz-empresa.ghtml

[5] https://ge.globo.com/esports/lol/noticia/cblol-2021-gragolandia-e-suspenso-por-10-jogos-por-associacao-a-apostas.ghtml.

[6] https://lolesports.com/article/comunicado-de-penalidade-gragolandia/bltb2ecfef269569c09

[7] https://ge.globo.com/esports/lol/noticia/2022/11/22/lol-12-jogadores-da-turquia-sao-banidos-por-manipulacao-de-resultados.ghtml.

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