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Máquinas de pelúcia: jogos de habilidade ou jogos de azar?

Você certamente já se deparou com uma. Seja no shopping, na padaria ou no mercado, há grande chance de haver uma máquina para capturar pelúcias. As gruas de agarrar, como também são conhecidas, surgiram nos Estados Unidos e se tornaram uma febre nas décadas de 1990 e início de 2000 no Brasil. A onda passou, mas retornou agora, décadas depois, com muita intensidade.

Os primeiros registros dessas máquinas datam de 1951, quando os Estados Unidos as regularam como jogos de azar. Em 1974, a legislação foi relaxada e as máquinas deixaram de ter essa classificação, o que gerou uma popularização na América do Norte. A retomada do crescimento da procura por esse tipo de entretenimento em todo o mundo e também no Brasil está muito associada às redes sociais, que têm popularizado vídeos em que pessoas registram suas vitórias, passando a falsas percepção de que as máquinas de pelúcia são mais fáceis de serem batidas, do que realmente são.

No Youtube, criadores de conteúdo acumulam milhões de visualizações em que contam suas proezas e compartilham tutoriais de como conseguir pegar as pelúcias.

As máquinas de captura de pelúcia, em inglês chamadas de “claw machines”, são aquelas nas quais as pessoas, após comprarem fichas ou colocarem dinheiro, passam a ter o direito a uma jogada e, portanto, a uma tentativa de ganhar um prêmio dentre os expostos na máquina. Após inserir a ficha ou dinheiro, deverá, dentro de um intervalo de tempo limitado, manipular o controle, posicionando a garra sobre o prêmio que se pretende pegar, e acionar o botão para que a garra se desloque para baixo, a fim de agarrar o respectivo prêmio, subindo automaticamente após pegá-lo ou não.

Essas máquinas são inseridas no mercado brasileiro como jogos eletrônicos recreativos que disponibilizam um tempo de jogo para o cliente, podendo ele ser premiado ou não com a pelúcia (ou outra mercadoria), a depender exclusivamente da sua habilidade na operação da máquina. Mas será que é realmente isso? Fomos investigar.

Ao examinar como se dá a configuração das placas das gruas de agarrar pelúcia[1], nos deparamos com importantes informações. O proprietário de cada máquina tem a seu livre arbítrio, a possibilidade de ajustar uma série de variáveis.

Essas variáveis partem de elementos mais simples, como a velocidade com que a garra se move, a quantidade de moedas/dinheiro necessário para cada jogada e o tempo que cada jogador tem para concluir uma tentativa.

E os ajustes chegam a pontos mais sensíveis, como se a garra fecha automaticamente após se esgotar o tempo previsto, de modo a concluir uma tentativa, ou não. Os comandos também tratam da quantidade de vezes para se cumprir o modo aleatório (?).

Modo aleatório para se concluir uma tentativa… vejamos. O próprio manual cuida de explicar isso melhor, mais adiante. Trata-se, na verdade, da escolha da pressão com que ocorre o fechamento da garra que segura o prêmio, podendo ser mais forte ou mais fraca. Mas mais do que isso, defini-se a frequência de ganho.

A frequência entre as pegadas com a garra em baixa pressão e com a garra com alta pressão, podem ser ainda mais espaçadas, como indica o manual de configuração do painel das máquinas. Podem chegar a apenas 1 pegada com pressão (forte) a cada 50 pegadas, a depender do interesse do proprietário da máquina.

Nesse ponto algumas ponderações devem ser feitas. Se a opção do proprietário da máquina for pelo 1:1, ou seja, toda pegada a máquina vai com pressão máxima, em condições de agarrar a pelúcia, aí o jogo dependerá exclusivamente da habilidade do jogador e a distribuição das máquinas de pelúcia, será razoável, pois o acerto ou o erro dependerá somente da capacidade de cada jogador.

Agora, se a opção for outra: 2:1 (a cada 2 jogadas, em 1 a garra tem pressão suficiente), 3:1 (a cada 3 jogadas, em 1 a garra tem pressão suficiente); 10:1 (a cada 10 jogadas, em 1 a garra tem pressão suficiente); 15:1 (a cada 15 jogadas, em 1 a garra tem pressão suficiente) ou até 50:1 (a cada 50 jogadas, em 1 a garra tem pressão suficiente), aí jogo muda de configuração, o fator habilidade deixa de ser determinante no resultado e a prevalência passa a ser da sorte.

Nessa análise o manual mostra que, através da variável “força de fechamento da garra”, há a regulagem da voltagem liberada para a garra, que impõe quanto de pressão haverá no fechamento dela, determinando se a pinça consegue segurar o prêmio, ou se o prêmio desliza por entre as garras, sem que seja capturado, ainda que um jogador com a habilidade necessária consiga posicionar a pinça precisamente na direção do prêmio.

Para se passar a falsa percepção de controle sobre o jogo, há máquinas que permitem inclusive que a garra seja liberada com uma força de fechamento mediana, que permite que a pelúcia seja pega, mas faz com que ela, na sequência, escape entre as garras, sem que o jogador consiga levar o prêmio para casa, fomentando a adição de quem joga o jogo.[2] A máquina permite ao seu proprietário estabelecer a voltagem de cada tentativa, se fraca, média ou forte.

Percebe-se, assim, que enquanto o parâmetro de ajuste do número de jogadas mínimo não for atingido, os movimentos dos jogadores que foram direcionados corretamente à pelúcia – que em tese deveriam estar aptos a pegar o prêmio – não terão força suficiente na garra para segurá-lo e o jogador perde o jogo e o prêmio que disputava. Somente após o número de jogadas mínimo ajustado ser atingido, o jogador pode realmente ter a chance de ganhar o prêmio, desde que faça a jogada certa, dependendo então, a partir de determinado número de jogadas, somente de sua habilidade para ganhar.

Há máquinas que inclusive permitem ainda mais restrições às chances de ganho do jogador, sendo possível ajustar o programa para probabilidade de uma premiação a cada 5 mil jogadas; e, acreditem, para a máquina jamais dar prejuízo ao proprietário, liberando prêmios em conformidade com a margem de lucro previamente definida pelo explorador da máquina.[3]

Devido à existência desses parâmetros ajustáveis no aplicativo eletrônico que controla a máquina, manipulando o resultado do jogo de acordo com a vontade do proprietário, sem que o jogador tenha conhecimento prévio disso, não há outra conclusão que não seja se tratar de um jogo predominantemente da “sorte” ou “azar” do jogador para que se possa ganhar os prêmios.

No Brasil, falta claramente uma certificação desses equipamentos por laboratório habilitado para isso, para se ter certeza que a garra tem pressão suficiente para capturar a pelúcia em todas as tentativas. Somente assim estaremos diante de um jogo de habilidade autorizado pelo ordenamento nacional. Do contrário, estaremos diante de uma contravenção penal, nos termos do artigo 50, §3º, do Decreto-Lei nº 3.688/41, na medida em que o ganho e a perda irão depender exclusiva ou principalmente da sorte. E ainda que assim não o fosse, o produto pecaria pela falta de transparência com o jogador, por não informar de forma clara quais são as chances de êxito em cada jogada.

A necessidade de controle e fiscalização desse tipo de produto é urgente. Não apenas pela possibilidade de caracterização de contravenção penal, mas principalmente pelo fato das máquinas de pelúcia serem manuseadas, majoritariamente, por crianças e jovens menores de 18 anos.

O bichinho de pelúcia é um atrativo para esse público, que passa a ter uma falsa percepção de que o sucesso e a sua chance de ganho estão vinculados à habilidade e à técnica, quando, na verdade, na grande parte das vezes, não estão, pois os proprietários dos equipamentos os manipulam para ter lucro, de modo que apenas uma pequena parte dos jogadores consegue conquistar o prêmio.

A percepção enganosa de que se tem o controle da atividade, aliada ao fato dessa imagem falsa ser disseminada nas redes sociais, é extremamente preocupante e até nociva pois atinge um público infantil que não está preparado para lidar com esse tipo de situação e pode acabar se viciando no jogo. A solução é uma só, fiscalização rigorosa e a exigência de que as máquinas sejam certificadas para que a habilidade de cada jogador possa prevalecer. Do contrário, se está abrindo uma janela que pode expor milhares de crianças e jovens menores de 18 anos a uma atividade com potencial de causar dependência e desvios comportamentais.

Crédito imagem: Getty Images

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] https://pt.scribd.com/document/649352566/CONFIGURACAO-DIP-PLACA-GRUAS-2, acesso em 1.2.2023.

[2] https://www.vox.com/2015/4/3/8339999/claw-machines-rigged, acesso em 1.2.2023.

[3]http://www.hominggame.com/UploadFile/Download/Why%20%20Most%20of%20customers%20like%20buying%20Key%20Master%20%20Us(HomingGame).pdf e https://www.vox.com/2015/4/3/8339999/claw-machines-rigged, acessados em 1.2.2023.

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