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Marcas do rock n´ roll, moral, ordem pública e bons costumes

Os principais impulsos de surgimento da música rock n´roll, como uma espécie musical irreverente, que representava não somente a evolução acelerada das melodias do jazz e do blues, mas também toda uma contraposição às tendências culturais de lazer, de comportamento social, de costumes, de estilo de vestimentas, facilmente atraiu o público jovem.

A atitude agressiva dos instrumentos musicais e a capacidade de autocontestação dentro do próprio estilo musical, representado por um universo de inúmeras vertentes, como decorreu na origem do punk rock[1] que contestava os tipos de rock até então conhecidos, continuaram a atrair ao longo das décadas um significativo número de apreciadores jovens deste gênero de música. Hodiernamente, por mais que se propague o rock n´ roll em declínio no apreço do público, fato é que ainda permanece com muita força na indústria da música, conquistando boa parte do gosto da juventude.[2]

Diante dessa realidade que a modalidade musical possui, de penetrar regularmente no consumo dos mais jovens e menores de idade, propõe-se a sadia discussão se as excêntricas e grandes marcas da indústria do rock n´ roll não violariam a moral, a ordem pública e os bons costumes das sociedades onde mais costumam fluir.

Em Portugal, de maneira explícita, o registro de uma marca pode ser recusado quando se constitua por “expressões ou figuras contrárias à lei, moral, ordem pública e bons costumes” (art. 231°, n. 3, c), do Código da Propriedade Industrial). No Brasil sucede, estruturalmente, a mesma regulamentação legal: “expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia e sentimento dignos de respeito e veneração;” (art. 124, III, da Lei n. 9.279/96-Lei da Propriedade Industrial).

O questionamento pode ser acentuado quando se identifica, consoante muitos casos da indústria do rock, que os desenhos e as letras que compõem as marcas das bandas são escuras e com desígnios impactantes, no limiar da violência social cotidiana. São exemplos, nomes de bandas como Pennywise, um codinome de um falecido sociopata que assassinou várias crianças vestido de palhaço, com alusão também em filme de terror hollywoodiano, o conhecido It (a coisa). Não exatamente no mesmo sentido são os epítetos designativos: Social Distortion, Bad Religion, Suicidal Tendencies, Xutos e Pontapés, dentre outros.

Em conformidade com o delineado no art. 231°, n. 3, c), do CPI português, “expressões” ou “figuras” que infrinjam a lei e a ordem pública estão dispostas em seu sentido mais técnico-jurídico. Uma marca representativa de uma banda de rock n´ roll e de seus produtos associados não devem transgredir um comando legal que resulte enquadramento em uma tipificação legal ou represente uma infração às normas de organização coletiva, normas de caráter inafastável, que cause lesão a interesses gerais dos organismos do Estado ou de interesse comum da sociedade.

Nessas nuances, por mais que as nominações das marcas do rock n´ roll sejam realmente ásperas e nos liames da violência urbana, raramente sua simples manifestação ou registro pode ter o condão de violar esse perímetro de proteção jurídica que a norma pretende ao vedar denominações ou figurações de defronta à ordem pública e à lei. Contudo, se acontecer, logicamente, sofrerá os controles de impedimento no prosseguimento registral. Seria a situação de uma banda que aspirasse o registro de sua marca com uma configuração de apologia a discriminações diversas.

O eternizado e conhecido slogan: “sexo, drogas e rock n´ roll” tem mais dificuldades de se estabelecer como marca registrada, mormente em determinados países de tradições mais religiosas e com conceitos de moralidade mais distantes da aceitação da prática do sexo sem amor e ainda tendo o consumidor de drogas como praticante de ilícito, equiparado aos traficantes.

No atinente às drogas, Portugal já despenalizou o consumidor de drogas, a depender da quantidade que porte não é mais considerado como infrator da lei, equiparado ao traficante, desde o ano de 2002. Já no Brasil, os usuários ainda continuam sob uma interpretação nebulosa do Poder Público (agentes policiais, promotores, juízes) de poderem ser ou não equivalentes a traficantes de drogas. A legislação penal brasileira abre este obscuro espaço, sem distinções rígidas do ponto de vista legal (art. 28, § 2°, da Lei n. 11.343/06).

Caso bastante emblemático no Brasil, é a banda de rock brasileiro de renome internacional, nomeada “Planet Hemp”, os seus componentes foram presos antes de uma apresentação no ano de mil novecentos e noventa e sete (1997), pelo juiz sentenciante entender que havia em suas marcas e cânticos uma apologia às drogas, sendo vedada também a venda de produtos do grupo.[3]

Anos mais tarde o Supremo Tribunal Federal entendeu que a marcha em favor da legalização e descriminalização da maconha não se revelava infração à Lei penal, mas somente um direito de liberdade de expressão e livre reunião para manifestação do pensamento.[4]

Em que pese a referida banda Planet Hemp, principalmente no primeiro álbum, se concentrar muito nas letras sobre a cultura e história da maconha, o direito serve à sociedade (ubi societas ibi ius). Na época, em termos de sociedade brasileira, a banda passava a sua mensagem irreverente, por canal de manifestação artística. Nas letras não há estímulo e indução ao fumo da cannabis sativa, existem questionamentos e afirmações de entendimentos do porquê deveria ser legalizada, nada mais do que isso na criação nuclear da arte rock n´ roll. Nessa esteira, coerentemente, a banda brasileira nunca permaneceu proibida de atuar e mais tarde o Supremo Tribunal Federal, implicitamente, julgou constitucional o seu livre exercício profissional no julgamento da marcha em favor do uso recreativo e medicinal da maconha.

Por outra face, em relação as possíveis infrações aos bons costumes e à moral, já é um ponto mais delicado, posto que a expressão máxima do rock n´ roll sempre foi no sentido de criticar, se contrapor a tudo aquilo que se entende predominantemente costumeiro, de grande moralidade em uma determinada época de uma certa sociedade.

A postura política subversiva deste ramo musical geralmente não se curva àquilo que se entende prejudicial para a evolução de uma sociedade, nem que para isso as manifestações por sinais e letras distintivas se consubstanciem certas agressividades.

Com efeito, as letras e imagens constitutivas dos sinais distintivos das marcas do rock n´ roll, em muitos casos, pretendem passar uma mensagem chocante de crítica quanto a uma espécie de política, religião, moral ou costume que dominam os rumos das relações humanas.

Nessa medida, a liberdade de criação e o atendimento ao critério da especialidade do segmento para o qual a marca é realizada não deve envolver a desintegração moral direcionada a algum grupo ou pessoa.

Dentro da validade constitucional da liberdade de expressão, livre manifestação do pensamento cultural e artístico não pode haver excessos, perseguição, direcionamento, distinção estigmatizante, justificativas desqualificantes de certo grupo, classe social ou indivíduo (arts. 37°, 42°, da CRP). Portanto, a depender do público receptor, pode-se manifestar que a religião é ruim por se acreditar no ateísmo, mas não afirmar categoricamente qual ou quais religião(ões), particularmente, é(são) ruim(ins).[5]

Bandas como “Bad Religion” não criticam concentradamente uma única religião, nem mesmo explanam em suas letras somente aspectos da religião, mas sim, preponderantemente, diversos temas sociais e políticos.

Nessa esteira, por mais que seja uma marca mista, composta de um nome “Bad Religion” acompanhado de uma cruz cortada (figura), esta nem se encontra associada a críticas de religiões, se refere mais a um impulso de atitude da espécie rock: hardcore punk.

No mesmo rumo, é aquela marca de rock n´roll que, atualmente, talvez seja a mais forte do mundo, a da banda “Iron Maiden”. Esta costuma usar o número seiscentos e sessenta e seis (666) integrado em vários de seus produtos licenciados. O próprio site oficial de vendas do grupo descreve o número[6].

Esta marca é tão robusta no segmento, que criou um boneco modelo representativo da banda, denominado “eddie”, origem da aeronave de propriedade da banda, o “Ed Force One”. Esses sinais distintivos configuram uma identificação da banda, através do seu estilo “heavy metal”, que se reflete muito por manifestações semelhantes ao obscurantismo (ocultismo). O próprio vocalista da banda, formado em história, já chegou a afirmar que é uma atitude comercial.

Porém, mesmo que não fosse, em um Estado de Direito Laico há o direito das minorias religiosas se manifestarem, bem como ao cristianismo é legítimo se manifestar por produção de músicas, formação de suas próprias bandas, venda de seus produtos, etc. As marcas associadas ao “Iron Maiden” são atitudes que não “sacrilejam” o cristianismo detidamente ou qualquer religião específica, mas enaltecem de certa forma o obscurantismo, não necessariamente revelador de uma violação à moral e aos bons costumes. A respeito, vale a ilustração:

                 

Com o advento da nomeada indústria do sexo, através do entretenimento por venda de produtos eróticos, filmes, shows e as marcas de motéis, se mitiga intensamente a questionável apologia da prática do sexo sem amor em sinais do rock. Fato este que também é raro, se se entender que o sinal distintivo da língua exposta para fora representa estímulo ao sexo e não à identificação dos produtos musicais de uma banda: serviços de shows, venda de músicas, produtos associados. Estar-se a referir ao principal sinal distintivo da banda “Rolling Stones”, detentora da maior revista no segmento musical com a mesma denominação de marca.

Mesmo no tocante às drogas, doutrina brasileira de renome destaca que, por via de exceções, a cultura ocidental vinha permitindo certos registros da substância do opium em marcas de perfumes e da cannabis sativa para artigos de moda.[7]

Em vários países republicanos e democráticos, a tendência é cada vez maior de combater o consumo de drogas através da informação e educação, não apenas da repressão, que deve ser também usada na contenção do tráfico ilícito de entorpecentes. Neste aspecto, a natureza internacionalizante das marcas do rock, por transitarem em boa parte do mundo, também não podem representar infração aos bons costumes das normas dos tratados internacionais e da União Europeia.

Nesses termos, dificilmente, uma simples marca de rock conseguiria afrontar valores morais e de bons costumes em seus contornos jurídicos.

Além dos aspectos de controle da maioridade civil da pessoa para o consumo, compra de produtos e serviços, já que o rock n´ roll é atração de um grande público jovem, o mais razoável e proporcional é a adoção de marcas dotadas de uma criatividade maior, não adstritas apenas a nominações com configurações aterrorizantes, chocantes ou agressivas, muitas vezes utilizadas no meio deste tipo de entretenimento. Ilustre-se alguns exemplos de marcas criativas por identificação:

         

Por outra face, se a marca denominativa Pennywise é instrumentalizada como crítica social, política e econômica em uma “sociedade tida como doente”, de não veneração da figura aterrorizante de um serial killar, então, dentro do contexto da especialidade do mercado do rock hard core é válido e não transgride a moral e os bons costumes. Contudo, é bom que se informe, explique, eduque-se os menores ouvintes das músicas a respeito do sinal distintivo e não apenas censure, pois inexiste no caso apologia de um assassino de pessoas (crianças), mas se a retratação de como a sociedade moderna é doentia, cheia de contradições inexplicáveis.

As marcas da indústria musical rock n´ roll não estão impedidas de manifestar os seus principais elementos culturais, costumeiros, arrojados, enérgicos, agressivos, pois são critérios próprios que caracterizam a especialidade deste ramo econômico da música, exceto naquilo que extrapola o proporcional, o razoável dentro do segmento de consumo daqueles produtos e serviços (reforça-se o princípio da especialidade das marcas). Neste ponto, também se realiza os sustentáculos da livre iniciativa privada, da liberdade de concorrência no exercício profissional e econômico da arte da música, muitas vezes promovidas pelas suas grandes marcas.

Conclui-se sobre a parte sexual, seria não razoável vedar um motel de registrar sua marca com contornos eróticos, simplesmente porque naquela sociedade ou cidade onde se instalou afronta a moral e os bons costumes de apenas se presumir a exigência da prática do sexo com amor. Isto seria demasiado rígido.

No inerente à ordem pública e à proteção legal, reproduz-se o relatado acima, que em raros casos, há efetiva violação destes preceitos, principalmente se tratando de registros de marcas do segmento do rock, mas se houver extrapolações, claro que deve sofrer também as contenções da ordem jurídica.

……….

[1] Incumbe registrar: MCKAY, George; ARNOLD, Gina. Danger, ager, and noise: the women punks of the late 1970s and their music. The Oxford handbook of punk rock. Disponível em: <https://www.oxfordhandbooks.com/view/10.1093/oxfordhb/9780190859565.001.0001/oxfordhb-9780190859565-e-5>. Acesso em 01 set. 2020.

[2] Acerca da história e evolução do gênero musical indica-se uma breve leitura de confirmação em Rock and roll. Wikipédia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Rock_and_roll>. Acesso em: 25 ago. 2020. Wikipédia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Rock_and_roll>. Acesso em: 25 ago. 2020

[3] Interessante informar: o magistrado que sentenciou a prisão dos membros da banda em 1997 foi afastado compulsoriamente do cargo por suposto envolvimento com tráfico de drogas. Verifica-se em Diário do nordeste. Disponível em: <https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/pais/juiz-que-mandou-prender-membros-do-planet-hemp-e-afastado-por-suposto-envolvimento-com-o-trafico-1.1251664>. Acesso em 01 set. 2020.

[4] Atesta-se em SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INFORMATIVO N. 649/2011. PLENÁRIO. Art. 33, § 2º, da Lei 11.343/2006 e criminalização da “Marcha da Maconha” – 1. ADI 4274/DF, rel. Min. Ayres Britto, 23.11.2011. (ADI-4274). Informativo STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo649.htm>. Acesso em: 01 set. 2020.

[5] Entendimento consubstanciado em: CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. CRP Constituição da república portuguesa anotada. 4. ed. vol I. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 569-623.

[6] Iron 666 Maiden. Disponível em: <http://www.ironmaiden666.com.br/2020/05/iron-maiden-lanca-produtos-licenciados.html>. Acesso em: 31 ago. 2020.

[7] Sustentação em BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 640.

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