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Marketplace e os clubes de futebol no Brasil – Responsabilidade tributária do ICMS

Os clubes de futebol no Brasil e no mundo vêm buscando há algum tempo novas fontes de receita com o avançar da tecnologia. Uma vez que o alcance junto à seus adeptos se tornou cada vez mais viável através dos meios digitais, seja visando aproximar os torcedores do cotidiano dos clubes ou para comercializar seus produtos.

Afim de aumentar o alcance para comercialização dos seus produtos, os clubes de futebol no Brasil têm negociado acordos comerciais com alguns Marketplaces, que nada mais são no linguajar popular que Shoppings Centers virtuais.

Nesse sentido é possível observar à titulo de exemplo o Clube de Regatas do Flamengo que atualmente comercializa seus produtos em um dos maiores Marketplaces atuantes no mercado brasileiro, o Mercado Livre. Nessa situação temos uma relação tripartite, qual seja,  Flamengo, clientes e Mercado Livre, surgindo assim obrigações tributárias principais e acessórias.

A Lei 2.657/1996, vigente no estado do Rio de Janeiro, sofreu inúmeras modificações, algumas destas promovidas pela Lei 8.795/2020 que atribuiu responsabilidade de fiscalizar e cobrar o recolhimento do ICMS nas respectivas operações aos marketplaces. No supracitado exemplo, o Mercado Livre seria o responsável tributário por fiscalizar e cobrar o recolhimento do ICMS nas aquisições dos produtos do Clube de Regatas do Flamengo adquiridos por seus Adeptos/Clientes.

A respectiva alteração legislativa motivou o Parlamentar Chicão Bulhôes do Partido Novo a ingressar com a ADIN nº 0040214-33.2020.8.19.0000 sob alegação de afronta à Constituição do Estado do Rio de Janeiro. No julgamento da ação, a Desembargadora Relatora Leila Albuquerque, refutou a alegação de Inconstitucionalidade, entendendo pela possibilidade de responsabilidade tributária dos Marketplaces.

A respeitosa decisão fundamentou-se no artigo 128 do Código Tributário Nacional (CTN) esclarecendo que a norma por força do artigo 128 teria o condão de atribuir responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou a atribuindo ao mesmo em caráter supletivo do comprimento total ou parcial da referida obrigação.

Alguns pontos da estimada decisão precisam de maior atenção, como a motivação do Parlamentar Chicão Bulhos em tirar a inércia do Poder Judiciário com base na provável afronta ao texto Constitucional do Estado do Rio de Janeiro, embora me pareça que a afronta seja ainda mais ampla, visto que colide com o texto Constitucional Federal e inúmeros precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive em sede de repercussão geral sobre a matéria que iremos analisar em seguir.

Quanto à Constituição Federal do Brasil há uma clara colisão com o artigo 146, III, alínea b, que traz que cabe à Lei Complementar estalecer normas gerais em matéria de legislação tributária, como podemos extrair da leitura a seguir:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

A Lei do Estado do Rio de Janeiro ao definir obrigação dos Marketplaces em fiscalizar e cobrar o recolhimento do ICMS, data máxima vênia, acaba violando a Constituição Federal em seus aspectos formal e material. Material uma vez que a Lei não pode criar uma nova espécie de obrigação e formal pois se ainda assim o fizesse teria que ser através de Lei complementar, já que a matéria é reservada por via diversa.

Em relação aos precendente julgados pela Suprema Corte, temos inúmeros em relação a responsabilidade tributária de terceiros, como o recente  julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.284 de Goiás que questionava os arts. 45, XIII-A e §2º, da lei nº 11.651 de 13 de setembro de 1991 do Estado de Goiás e 36, XII-A, do Decreto nº 4.852, de 29 de dezembro de 1997, do mesmo Estado. A controvérsia consistia em definir se os atos normativos estaduais foram editados em contrariedade com as regras constituiconais de competência tributária, notadamente o art. 146, III, b da CF.

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos questionados, em seu voto o Relator, Ministro Luís Roberto Barroso, de forma maestral lembrou que normas gerais em matéria tributária somente podem ser criadas via Lei Complementar, explicitando ainda que os Estados não possuem competência concorrente com a União para legislar sobre direito tributário, sendo tal competência exclusiva do legislador federal.

A ADI foi julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos artigos e fixar a seguinte tese: “É inconstitucional lei estadual que verse sobre a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa das regras gerais estabelecidas pelo Código Tributário Nacional.”

Ainda assim outros estados além do Rio de Janeiro tenham legislações que atribuem a responsabilidade tributária para fiscalizar e cobrar o recolhimento do ICMS aos Marketplaces, por isso, o tema requer uma maior atenção.

De fato, ao incumbir essa responsabilidade aos Marketplaces com a implementação das ferramentas necessárias para fiscalização e cobrança do recolhimento do ICMS, por óbvio, irá acarretar vasto ônus financeiro que recairá sobre os clubes no momento das negociações e vínculos contratuais bem como sobre seus adeptos quando da aquisição dos produtos.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. [Constituição de 1988]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 28 de fevereiro de 2023.

BRASIL. Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União: pág. 12452, Brasília, DF, 27 de out. de 1966. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm Acesso em 1 de março de 2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Ação direta de Inconstitucionalidade 6.284 Goiás. Arts. 45, XIII-A e §2º, da lei nº 11.651 de 13 de setembro de 1991 do Estado de Goiás e 36, XII-A, do Decreto nº 4.852, de 29 de dezembro de 1997, do mesmo Estado. A controvérsia consiste em definir se os atos normativos estaduais foram editados em contrariedade com as regras constituiconais de competência tributária, notadamente o art. 146, III, b da CF. Julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade dos artigos e fixar a seguinte tese: “É inconstitucional lei estadual que verse sobre a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa das regras gerais estabelecidas pelo Código Tributário Nacional.” Requerente: Partido Progressita. Relator: Min. Roberto Barroso. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/1287180770/inteiro-teor-1287180776 Acesso em 26 de fevereiro de 2023.

GOIÁS (Estado). Lei n 11.651, de 16 de dezembro de 1991. Institui o Código Tributário do Estado de Goiás. Goiânia, Goiás, 26 de dez. de 1991. Diário Oficial do Estado. Disponível em: https://leisestaduais.com.br/go/lei-ordinaria-n-11651-1991-goias-institui-o-codigo-tributario-do-estado-de-goias. Acesso em 27 de fevereiro de 2023.

RIO DE JANEIRO (Estado). Lei nº 2.567, de 26 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços e dá outras providências. Diário Oficial do Estado. Rio de Janeiro, RJ, 27 de dez. de 1996. Disponível em: http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/faces/oracle/webcenter/portalapp/pages/navigation-renderer.jspx;jsessionid=KvWioPjcOYc19LD9oZjw6_S19WW-GcICN9a8GZvXr41Nl1flM3zS!1354136165?datasource=UCMServer%23dDocName%3A98875&_adf.ctrl-state=15mn22sno_1&_afrLoop=96834538477231960&_afrWindowMode=0&_afrWindowId=null Acesso em 01 de março de 2023.

RIO DE JANEIRO (Estado). SEFAZ. Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços – ICMS. 2020. Disponível em: http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/faces/oracle/webcenter/portalapp/pages/navigation-renderer.jspx?datasource=UCMServer%23dDocName%3AWCC42000005032&_adf.ctrl-state=15mn22sno_47&_afrLoop=96835457622109310&_afrWindowMode=0&_afrWindowId=null Acesso em 28 de fevereiro de 2023.

RIO DE JANEIRO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0040214-33.2020.8.19.0000.         Impugnação à Lei Estadual nº 8.795 de 2020. Ajuizada pelo Deputado Federal Francisco Siemsen Bulhões Carvalho da Fonseca. Relatora: Desembargadora Leila Alburquerque. Sessão de julgamento de 8 de agosto de 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/tj-anula-cobranca-icms-vendas-internet1.pdf Acesso em 28 de fevereiro de 2023.

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