Por Heloisa Schmitdt e Luiza Rosa Moreira
Se há algum tempo, ao se falar sobre futebol de mulheres, era necessário apresentar todo o contexto histórico que causa inquietações no âmbito salarial, político, educacional e de saúde feminina, presentemente essa narrativa já se faz dispensável. O cenário atual é de grandes logros e superação do legado de um longo período de proibição da prática do esporte por elas.
Algumas alterações foram apresentadas pela FIFA em seu Regulamento sobre Status e Transferências de Jogadores para 2021 (RSTP 2021) para atletas mulheres no que concerne a gravidez e amamentação, importante passo para estrutura do Futebol Feminino mundialmente, que assevera o impacto social que possui a modalidade.
No Brasil, apesar de normas presentes na Constituição Federal e na Consolidação das Lei de Trabalho para amparar trabalhadoras gestantes e lactantes, pouco ainda reflete para as atletas. Nesse ponto, é importante recordar a especialidade que rege os contratos de trabalho no esporte.
A Lei Pelé, que traz normas especiais sobre o Contrato Especial de Trabalho Desportivo (CETD), não apresenta nenhuma especificidade em relação as mulheres, em especial ao tratar de gravidez e maternidade. Apesar da aplicação subsidiária da CLT, pouco se vê disposições relativas nos CETD, o que demonstra o claro despreparo e desamparo das entidades de práticas desportivas para com suas jogadoras.
Outro ponto importante ao tratar do esporte para mulheres é o reconhecimento de que muitas atletas não são profissionalizadas, ou seja, não contam com um vínculo empregatício com seus clubes regido pelo Contrato Especial de Trabalho Desportivo, visto que muitas modalidades nem mesmo exigem tal prática. Ora, se não há vínculo empregatício, surge mais um obstáculo para essas atletas garantirem seus direitos, condicionando a sua observância a possíveis Reclamatórias Trabalhistas.
As novidades apresentadas no artigo 18quater do RSTP da FIFA são de grande importância para a perspectiva do esporte para mulheres no Brasil. Isso se dá pelo fato de que a Confederação Brasileira de Futebol deve reproduzir as normas da Federação Internacional e, como esporte mais popular do país, o futebol também reflete muitas vezes na disposição de outras modalidades.
É relevante, por isso, destacar as similaridades entre as disposições da FIFA e da legislação brasileira. De início, a Federação proíbe que o contrato das jogadoras esteja sujeito a gravidez, licença a maternidade ou questões de maternidade no geral.
Além disso, os contratos encerrados unilateralmente pelo clube por esse motivo são passíveis de rescisão sem justa causa e indenização, somado a sanções desportivas de registro de jogadoras.
Nesse aspecto, a Lei nº 9.029/95 proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização para admissão ou permanência da relação jurídica de trabalho, além de tipificar como crime a conduta de exigir “teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez” e promover o controle de natalidade no artigo 2º da mesma Lei.
A interpretação do art. 10, II, ‘b’, do ADCT, que dispõe sobre a vedação da dispensa arbitrária da empregada gestante, revela que não há necessidade de conhecimento das partes a respeito da gravidez, sendo que o termo inicial é, tão somente, a concepção. Cumpre constar que a Súmula 244 do TST traz à baila a hipótese de estabilidade provisória ainda que o contrato seja por tempo determinado.
Para a legislação brasileira, o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório permite a reparação por dano moral e possibilita ao empregado em optar pela “reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento” ou “percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento”.
O RSTP também dispõe sobre a possibilidade da jogadora em atuar e treinar pelo clube durante a gravidez ou fornecer serviços de maneira alternativa quando a prática desportiva deixar de ser segura.
Dessa mesma forma, prevê a legislação trabalhista brasileira ao declarar que é garantida à empregada, durante a gravidez e sem prejuízo de salário, “transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem, assegurada a retomada da função anteriormente exercida, logo após o retorno ao trabalho” (art. 392, § 4º, II, da CLT).
Pela disposição da FIFA, o clube não pode forçar o período de licença das jogadoras e o retorno exigirá confirmação médica. A licença-maternidade, diferente de outras disposições nacionais apontadas, é mais conhecida pela população em geral e permite a licença de 120 dias a partir do oitavo mês de gestação sem alterações salariais (art. 392, caput, CLT).
Nesse ponto, a norma presente no RSTP parece fazer mais sentido, já que se depara com uma profissão com características especiais em relação às outras, em que a atleta precisa de uma atenção médica ainda maior pelo esforço físico realizado e para garantir a prática esportiva em alto rendimento.
Sem contar a possibilidade excepcional que é concedida ao clube de registrar nova jogadora, através de um contrato temporário e fora da janela de transferência, para substituir a atleta que está afastada das atividades regulares em razão da maternidade.
As novidades do regulamento também não poderiam deixar de constar que é direito da atleta a oportunidade de amamentar e/ou extrair de leite materno durante a prestação de serviços ao clube e que esse deve garantir instalações adequadas de acordo com as determinações de cada país.
A legislação brasileira também prevê o período de amamentação de maneira mais específica, permitindo descanso especial de 30 minutos por duas vezes ao dia para amamentar bebê de até 6 meses e determina como deverão ser os locais em que as crianças devem aguardar (art. 396 e 400 da CLT, respectivamente).
Esse paralelo entre as normas da FIFA e a legislação trabalhista nacional deixam claro que a proteção para atletas mulheres sempre esteve presente nas normas brasileiras, mas o esporte, como um ambiente predominantemente machista e com o discurso de “trabalhos especiais” afastou determinações legais da realidade das atletas.
Neste sentido, cabe frisar que as garotas e mulheres não são um problema a ser resolvido, compactuar com tal pensamento é garantir um discurso infundado e injusto, que as arranca de seu lugar no esporte. O que se vê é a criação de táticas que visam priorizar o desenvolvimento das equipes femininas, através de um olhar individual para essas atletas, endossando a igualdade de acesso e permanência nos campos ao longo de suas carreiras.
Espera-se que as novidades da Federação Internacional do Futebol possam amparar não só jogadoras deste esporte, mas sejam um avanço para mulheres em todas as modalidades. Atitudes que não são e nem serão um fim em si mesmas, mas um convite para intensificar esforços e exortar as entidades a delinearem uma operação conjunta com finalidades comuns.
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo
Heloisa Schmidt, Fundadora e Coordenadora do Grupo de Estudos em Direito Desportivo – GEDD Ibmec RJ. Graduanda em Direto pelo Ibmec RJ.
Luiza Rosa Moreira de Castilho, advogada, especialista em Governança e Compliance no Futebol, pós graduanda em Compliance e Gestão de Riscos diplomanda em Gênero e Esporte. Auditora no TDJ/PR de Motociclismo. Membro do IBDD, membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/PR.