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Mbappé: um atleta ou uma marca?

O direito de imagem é assegurado no Brasil como direitos fundamentais, disposto no art. 5º, inciso V, X, XXVIII, alínea “a”, Constituição Federal. A Lei Geral do Desporto (Lei nº 9.615/98) também dispõe sobre direito de imagem, em seu art. 87-A), já que atletas podem tornar-se figuras públicas pela sua notoriedade esportiva e ante às célebres competições que participam.

Ainda no aspecto infraconstitucional, o direito de imagem é tutelado pela Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98, art. 90, incisos I, II, III, IV e V, §§1º e 2º), no Código Civil (arts. 11 e 20 CC), inserido no rol de direitos da personalidade, o qual proíbe a exposição ou utilização da imagem sem a permissão de seu titular, prevendo indenização caso haja ofensa à honra, além de tipificar o uso indevido de imagem em determinadas hipóteses como o crime (art. 218-C Código Penal). Nesse contexto, o direito à honra e à imagem agrupam os direitos da personalidade, mas detém conceitos jurídicos distintos.

Os direitos da personalidade são ínsitos à pessoa, caracterizados como extrapatrimoniais (podendo ser aferíveis de forma indireta), absolutos, impenhoráveis, oponíveis erga omnes, permanentes e indisponíveis.

Por tratar-se de um direito indisponível, não há cessão de imagem, mas, diante da autonomia privada, é possível a autorização da exploração do uso da imagem.

Dispensa-se a citada autorização em prol do interesse público, seja para administração da justiça ou para manutenção da ordem pública. Da mesma forma, se a imagem de um indivíduo é captada em um local público, sem que haja um enfoque neste, como ao fundo de uma reportagem, por exemplo, não se exige a autorização, em defesa do amplo acesso à informação e a liberdade de imprensa, igualmente amparados pela Constituição Federal, sendo unanime o posicionamento do STF nesse sentido, desde que observados o contexto em que o indivíduo se encontra inserido, e a preservação da honra do sujeito cuja imagem fora exposta.

Além dos citados casos de interesse público, para fins didáticos, científicos, culturais, ou de saúde pública, a legislação possibilita exceções que dispensam o consentimento para exploração da imagem, como no caso de pessoa notória, reconhecida por sua importância artística, esportiva, política, intelectual, cargo público, contanto que a divulgação da imagem se limite à sua atividade e tenha cunho informativo, respeitando, em todos os casos, a honra e a privacidade do sujeito.

Apesar das reservas legislativas citadas que permitem o uso da imagem sem consentimento de seu titular, vale citar que a exceção não se opera para divulgação de imagem em publicidade ou fins comerciais.

O que leva à discussão sobre a matéria recentemente veiculada envolvendo o atleta do PSG, Kylian Mbappé, que se recusou a participar da foto coletiva com os demais atletas do elenco, por não querer associar a sua imagem a determinadas marcas patrocinadoras da seleção francesa.

De modo semelhante, o ordenamento jurídico francês conceitua o direito a imagem como a possibilidade de autorizar ou recusar a reprodução e distribuição da imagem em qualquer meio ou veículo, referindo-se também ao “direito pela vida privada”. Tal como impõe na legislação brasileira, na França, se exige a autorização para o uso da imagem onde o indivíduo é reconhecível e encontra-se em local privado, interpretando como local privado atos da vida pessoal do sujeito. Sendo a imagem extraída em local público, exige-se a autorização do indivíduo titular da imagem apenas se este estiver isolado e for reconhecível.

Portanto, guardada a dignidade da pessoa, e, desde que não tenha finalidade comercial, não se exige a autorização. Ainda que seja no exercício das funções do atleta, a imagem pode ser divulgada apenas em caráter informativo, assim como em um contexto histórico.

Por outro lado, para que a imagem possa ser atrelada a campanhas publicitárias, ativações de marketing etc., a proteção jurídica do indivíduo deve ocorrer por meio de autorização, a qual deve contar com informações de local, finalidade, meios e condições de divulgação, prazo e extensão da exploração da imagem, incidência de exclusividade, quantidade, e eventuais contrapartidas.

A divulgação da imagem abrange gravação de áudio e vídeo, produção, imagens e vídeos eletrônicos por quaisquer meios, fotografias, publicidade, uso do nome, autógrafo, história e direito autoral ou propriedade intelectual, características específicas capazes de identificar o sujeito, singularidades do indivíduo.

No esporte, a autorização da exploração da imagem ocorre por meio de contrato de imagem, cuja natureza civil dos ajustes pode contemplar cláusulas de moralidade, como forma de tutelar os interesses comerciais das partes envolvidas, estabelecendo restrições quanto à comportamentos contrários à ética, integridade, valores morais, ordem jurídica etc.

Considerando, ainda, o valor econômico gerado com a identidade de um reconhecido atleta, é razoável que o atleta também se preocupe com os ideais a marca patrocinadora representa, já que associarão à sua figura.

Afinal, a imagem não se refere apenas ao retrato da pessoa, mas a marca, a personalidade desta, a alusão não apenas aos aspectos constitutivos da imagem físicos, gestos, aparência, traços, fisionomia, referindo-se também à credibilidade ou respeitabilidade da honra do indivíduo.

É tamanha a importância jurídica do tema, que a exploração indevida da imagem pode culminar em indenização à pessoa que teve sua imagem indevidamente explorada, não obstante a efetiva comprovação de dano à intimidade ou honra, e independentemente de prova do prejuízo, conforme infere a súmula 403 do Supremo Tribunal de Justiça.

A autorização para a exploração do uso da imagem pode ocorrer de forma expressa ou tácita, podendo envolver contraprestação pecuniária ou de outra natureza. Quanto aos atletas, é comum que a exploração da imagem não esteja apenas relacionada à atividade esportiva, incluindo especificamente a possibilidade de a entidade desportiva inserir o atleta em campanhas publicitárias e ativações comerciais. Apesar disso, o voto do Ministro Raúl Araújo, da 04º Turma do STJ (REsp 794586 RJ), se posicionou no sentido de que ao formalizar o seu consentimento a autorização, o atleta estaria permitindo a entidade desportiva a explorar a sua imagem em atividades que ocorrem “em paralelo a prestação de trabalho”.

Ainda, cumpre esclarecer que a exibição da imagem do atleta nos jogos em que participa ocorre por meio do direito de transmissão cujo valor é destinado como direito de arena, instituto esse diverso do direito de imagem.

No caso citado, o Mbappé se valeu de seu direito de imagem e com o suporte e anuência de seus colegas de equipe para mobilizar a Federação Francesa de Futebol a repensar as parcerias comerciais futuras, algo tão notável e valoroso quanto a contribuição das empresas patrocinadoras para o esporte. Esta, por seu turno, após apresentar certa resistência quanto ao assunto, se manifestou no sentido de estabelecer novos contornos, considerando “legítimas as preocupações dos atletas quanto às marcas que associam a sua imagem”.

A despeito de todo aspecto jurídico trazido neste texto, muito embora válida e importante a manifestação do atleta francês para conciliar a preservação de sua imagem e de seus respectivos direitos, impõe-se a razoabilidade e o bom senso quanto às relações comerciais das competições esportivas, sobretudo porque trata-se de uma modalidade coletiva, onde importa a cooperação de todos para que funcione, em todos os seus aspectos.

Conciliar o conjunto de interesses em prol da competição, e entender a importância da participação de empresas patrocinadoras, que divulgam suas marcas como apoiadoras do esporte, sem que necessariamente vincule individualmente um atleta ao que essa marca representa, traduz o espírito de equipe, que assim com a vida em sociedade, deve sobrepor o interesse coletivo.

Crédito imagem: França

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