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Presidente do COB diz que Carol Solberg “tinha direito de se expressar” e que eleição teve “interferências externas”

“Por todas as mudanças que fiz, não me considero da ‘velha política’, me sinto das novas práticas da política antiga.” Paulo Wanderley Teixeira, de 70 anos, foi reeleito para a presidência do Comitê Olímpico Brasileiro. Há muitos anos na política esportiva nacional, ele conversou com o Lei em Campo sobre o processo eleitoral histórico para a entidade, a primeira gestão “herdada” após prisão e renúncia do ex-presidente Carlos Arthur Nuzman, além dos desafios para os próximos quatro anos com os Jogos de Tóquio 2020 e Paris 2024.

“Sempre há a possibilidade de diálogo com todos. O esporte olímpico passou nessa eleição por um processo diferente.” Pela primeira vez, o COB teve um colégio eleitoral maior: 49 membros com direito a voto. Entre eles, 12 integrantes da Comissão de Atletas da entidade (CACOB). O que só foi possível graças as alterações na Lei Pelé, nos artigos 18 e 18-A. As exigências de novas práticas de gestão criaram a base necessária para as profundas mudanças na estrutura de governança do COB. Sem isso, a eleição teria sido outra.

Três chapas concorreram ao pleito. Hélio Meirelles Cardoso e Robson Caetano pela chapa “Vem Ser”, Rafael Westrupp e Emanuel Rego, pela “COB + Forte”, e Paulo Wanderley e Marco Antônio La Porta, pela “Força É União” que acabou reeleita.

Todo esse cenário mais democrático trouxe também algumas divergências. No entanto, a situação venceu em primeiro turno, com maioria dos votos. “O Emanuel deu a opinião dele e tem que arcar com as consequências dessa opinião”.

O voto na eleição do COB é secreto. Mas os bastidores apontam para uma votação em bloco dos atletas na situação. A expectativa era que Emanuel Rego, medalhista olímpico do vôlei de praia, obtivesse esse apoio para a chapa concorrente. A postura de pedir uma punição severa à atleta Carol Solberg, que vai a julgamento nesta terça-feira pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Vôlei por manifestação política contrária ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), teria mudado o rumo dessa história. “Os esportistas, ao final, dão as mãos.”

Paulo Wanderley falou ao Lei em Campo como vai retomar a relação com as confederações que votaram nas outras chapas e como vai lidar com as divergências para a continuidade de sua gestão. Confira a entrevista na íntegra no canal do Lei em Campo no YouTube.

Ivana Negrão: Você foi eleito com 26 dos 48 votos, ainda no primeiro turno, em uma eleição muito disputada. Como é assumir um novo mandato e a diferença de quando assumiu em 2017?

Paulo Wanderley: Eu assumi em 2017 a convite do ex-presidente Nuzman em função de um trabalho que eu exerci na Confederação Brasileira de Judô. Ao longo do meu mandato no CBJ, eu construí uma história de sucesso com a minha equipe. Tornamos o judô o esporte brasileiro com o maior número de medalhas olímpicas. Além das 22 medalhas olímpicas, também conquistamos 30 medalhas em Mundiais. Isso consolidou minha posição dentro do movimento olímpico e me fez ser escolhido para o cargo. Não esperava, não era minha expectativa. Essa trajetória dentro da gestão esportiva me deu muita paciência e entendimento. É a 16ª eleição que eu participo, e isso me dá uma certa paciência.

IN: Em seu primeiro discurso após a eleição, você falou de ouvir as confederações e os atletas. As confederações de vôlei, basquete, futebol e tênis se declararam oposição à sua eleição, qual será seu primeiro objetivo? Buscar um diálogo e aproximação?

PW: Sempre há a possibilidade de diálogo com todos. O esporte olímpico passou nessa eleição por um processo diferente. Houve interferências externas, que não acreditamos terem vindo do próprio movimento olímpico. Vieram de fora para dentro. Tenho claros motivos para essas três confederações não terem me acompanhado. O voleibol teve o Emanuel como candidato, é de se esperar que a federação apoie o seu atleta. O basquete estava à beira da falência ainda neste ano, e nós fizemos um aporto de recursos suficientes que deram um suspiro para eles. No futebol, talvez há uma necessidade de protagonismo, eles não tiveram a oportunidade de ouvirem meu programa. Mas isso tudo será conversado e acertado com o tempo, porque os esportistas ao final dão as mãos.

IN: Que interferências externas seriam essas?

PW: Interferências de ex-políticos e ministros brasileiros que passaram a viajar pelo Brasil fazendo campanha, visitando confederações, conversando…
Mas poderá ser um aliado da sua gestão? Quem sabe um diálogo com esse movimento externo que tem interesse em ajudar o esporte… Nós nunca fechamos as portas para ninguém, ela tem que estar sempre aberta. Nós temos um ótimo relacionamento com o governo atual e suas secretarias, como tivemos com os últimos três ministros (Jorge Ildo, Leonardo Piciane, Leandro Cruz).

IN: Nessa eleição tivemos, pela primeira vez, a participação dos atletas com poder de voto. Eles votaram em bloco e em você. A que se deve essa escolha?

PW: Temos que fazer um breve histórico sobre a participação dos atletas. Quando eu cheguei no COB, havia um estatuto que permitia que um atleta (presidente da comissão) votasse em Assembleia no Comitê Olímpico. Na minha gestão, nós aumentamos esse número de um para 12. Foi um aumento exponencial. Agora fizemos outro aumento, de 12 para 25, dos quais os 19 mais votados terão direito a participar da nossa Assembleia Geral. Mas não tenho certeza que todos votaram em mim (a partir das próximas eleições, a participação dos atletas sobre de 12 para 25 no Comitê Olímpico Brasileiro).

IN: Durante as eleições, as outras chapas falavam em remuneração dos membros da Comissão de Atletas, você defende que não. Haverá uma mudança nesse sentido? Ou você mantém sua posição?

PW: Eu não prometo o que não posso cumprir. O que eu comentei com os atletas é que não há possibilidade nesse momento atual de fazer essa remuneração. Como eles se enquadrariam? Receberiam por RPA? A lei trabalhista brasileira é muito complexa nesse sentido. Por outro lado, haveria um efeito cascata pernicioso para o esporte brasileiro. Hoje estamos passando por uma fase de retomada de patrocínio, praticamente ninguém está sendo remunerado. Uma remuneração justa, uma diária, isso sim é possível e será feito.

IN: Como está a situação dos recursos do Comitê? Haverá um aumento dos repasses para 2021? Houve uma redução por conta da falta de eventos neste ano?

PW: A gestão financeira do COB é fundamentada na verba do repasse da loteria e a transferência de recurso tem crescido ano a ano. 2020 é um ano atípico. Em um primeiro momento houve uma redução abrupta, mas nos últimos três meses observamos que equiparou e até se igualou a 2019. Os nossos pilares (austeridade, meritocracia e transparência) foram importantes para nos permitir um contingenciamento. Nenhum funcionário, programa ou confederação deixou de receber o que estava programado. A tendência real é um aumento do repasse de verbas para as confederações e atletas.

IN: Como fica a gestão do Parque Olímpico? Como está a situação?

PW: A administração do Parque Olímpico não é responsabilidade do COB, é do Governo Federal, da Prefeitura do Rio de Janeiro e de uma empresa terceirizada. É uma administração complexa por serem três donos (três condomínios). Nós teríamos interesse, mas há esse problema de gestão e uma série de outras questões estruturais e legais. Quem vai assumir isso? O Parque Olimpíco tem que se tornar privado ou uma situação de Estado e não de Governo Federal. Muitas trocas de ministros prejudicaram bastante. Enquanto isso não se consolidar, não há solução. A solução é o nosso equipamento, do Time Brasil, no parque aquático Maria Lenk, que já retornou gradualmente em razão da pandemia. Mais de 30 modalidades e quase mil atletas passaram por lá e foram beneficiados com essa estrutura. Agora temos um grande problema. Temos o projeto de mudança da sede administrativa para o Maria Lenk. O programa está preparado, projeto elaborado e a verba contingenciada, mas a concessão da prefeitura do Rio no local termina em 2027. E não dá pra fazer investimento de milhões com a concessão que termina em 2027. A gente precisa da compreensão da Prefeitura para nos atender nesse sentido. O projeto é todo o COB funcionar no mesmo lugar, no Maria Lenk. Não há possibilidade de arrendar o parque olímpico, é muito caro, precisa de uma política de estado, se tornar mais consolidado. Temos a intenção de fazer uma parceria com o velódromo e a Confederação Brasileira de Ciclismo e com o Parque Olímpico de Deodoro.

IN: Como será o suporte do COB às confederações nesse ano de 2021 com a retomada das seletivas olímpicas?

PW: No que diz respeito ao Comitê Olímpico, as providências estão sendo tomadas. Desde agosto estamos enviando atletas para nossa ‘Missão Europa’. Todos que possuem chances de classificação para os jogos estão em treinamentos. A questão das competições é de responsabilidade das confederações no âmbito nacional e no internacional às federações. O COB não se envolve nesse procedimento.

IN: Qual o motivo desses atletas viajarem para treinar em outros países e não aqui no Brasil?

PW: Por motivos óbvios. Nós não tínhamos segurança que nossos atletas poderiam treinar aqui no Brasil. É uma situação de indecisão. Quando a situação (da pandemia) melhora em São Paulo, piora no Rio. Então decidimos tomar essa decisão. Mais do que a busca da medalha é a saúde e integridade física de nossos atletas.

IN: Como vai ficar essa situação dos cuidados para as Olimpíadas de Tóquio? Você é favorável à punição aos atletas que não cumprirem os protocolos para o evento? Como é que o COB entende e irá trabalhar para garantir que as regras sejam cumpridas? Há alguma punição do COI caso aconteça algum surto na delegação brasileira?

PW: Não existe nenhuma sanção a respeito. Os atletas são liberados a aceitar ou não a convocação. Nós vamos adotar o que o COI e o Comitê Organizador preveem, após a decisão deles que tomaremos a nossa posição. Tenho uma convicção que ambas não colocarão em risco os atletas. Se o atleta aceitar participar do evento, será obrigatório cumprir as regras.

IN: Qual a sua posição no ‘Caso Carol Solberg’?

PW: Existe uma regra básica a respeito disso, que é a 50 [da Carta Olímpica] do COI. Ela inclusive já está sendo reavaliada porque o ambiente e a sociedade mudaram. A Carol se expressou em um momento que ela tinha que se expressar, não era um evento do COB, mas na minha opinião ela tinha o direito de se expressar sim.

IN: Você acha que isso influenciou de alguma forma na votação?

PW: O Emanuel deu a opinião dele e tem que arcar com as consequências dessa opinião.

IN: Como você avalia as questões da investigação da auditoria Kroll sobre as licitações? Ainda há um processo de auditoria?

PW: Em relação à fiscalização do COB, isso é um assunto superado. Aqui nós temos uma espécie de TCU, é muito atuante. Temos nossos controles internos, foi criado a área de compliance. Nós seguimos tudo o que a KROLL sugeriu, todas as orientações (sem exceções) foram seguidas.

IN: Os novos contratos serão todos trabalhados nessa questão da transparência e disponibilidade no site?

PW: Logo que eu assumi, a primeira coisa que eu fiz foi a redução de custos. Reduzimos e cortamos. Essa é a filosofia que eu sigo desde o começo. Com a implantação do compliance isso ficou muito mais acentuado. Esses contratos que passaram pela área que foi indicada como atenção estão sendo minuciosamente analisados.

IN: Ainda há alguma investigação do Ministério Público a respeito de fraudes em licitações do COB?

PW: Que eu tenha conhecimento não. Tudo já foi superado.

Pergunta Ana Paula Terra, colunista do Lei em Campo: Você pode comparar o momento de 2017 após a renúncia do Nuzman com o momento atual.

PW: As mudanças foram substanciais. A questão da governança é básica, um dos orgulhos que eu tenho. Se eu pudesse citar duas situações que eu pudesse ficar orgulhoso da minha administração são duas: a questão da governança, que melhorou 100%, e o resultado esportivo, que foram os melhores nas últimas décadas.

IN: Você acha que por toda essa mudança na gestão, governança, isso te desvincula da velha política por justamente não adotar essas modernizações? Como você enxerga?

PW: Acredito que velha política não quer dizer tempo na política. Fui convidado a ser vice-presidente e por isso não tinha participação na gestão. Eu não trouxe a velha política para dentro, mas sim novas maneiras. Por todas essas mudanças que eu fiz, não me considero da velha política, me sinto das novas práticas da política antiga.

IN: Dará continuidade a isso nesse novo mandato? Como lidar com as divergências?

PW: Acredito que haverá algumas ranhuras nesse primeiro momento. É igual família, briga, discute, mas depois de um tempo volta a se falar e se entender, voltando as coisas para a normalidade.

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