Há dois instrumentos importantes no movimento esportivo relativos à formação de jovens atletas: o mecanismo de solidariedade e a indenização por formação.
O mecanismo de solidariedade é uma ferramenta de redistribuição das receitas provenientes das transferências de um atleta, em favor dos clubes que contribuíram para a sua formação.
Há duas modalidades de mecanismo de solidariedade: o internacional, quando há transferência de atletas entre clubes de nacionalidades distintas, e a nacional, quando a transferência é realizada entre clubes brasileiros.
O mecanismo de solidariedade internacional é disciplinado pela FIFA, no documento intitulado “Regulamento de Status e Transferência de Atletas”. O documento prevê que 5% dos valores da transferência devem ser distribuídos pelo novo clube a todos os clubes que estiveram envolvidos no treinamento e na educação do atleta ao longo dos anos, dos 12 aos 23 anos; de 12 a 15 anos de idade a proporção é a de 5% do montante original de 5% e dos 16 aos 23 anos de idade a proporção é a de 10% do montante original de 5%.
É, portanto, responsabilidade do clube que adquire os direitos econômicos e federativos do atleta realizar a distribuição do percentual correspondente a cada ano de formação. Caso não ocorra, os clubes que participaram da formação do atleta dos 12 aos 23 anos devem procurar a FIFA e demandar o recebimento de tais valores.
O mecanismo de solidariedade nacional funciona de forma similar, com algumas pequenas diferenças: a primeira delas está no percentual que deve ser distribuído: 6%. Outra diferença é o intervalo de idade dos jovens sobre o qual deve ser calculado o valor a ser distribuído: dos 12 aos 19 anos, na seguinte proporção:
- 0,5% para cada ano de formação, dos 12 aos 13 anos de idade;
- 1% para cada ano de formação, dos 14 aos 17 anos de idade, inclusive; e
- 0,5% para cada ano de formação, dos 18 aos 19 anos de idade, inclusive.
Atualmente, o mecanismo de solidariedade é disciplinado pela lei 14.597/2023, a Lei Geral do Esporte, no artigo 102.
Assim como no mecanismo de solidariedade internacional, no Brasil cabe ao clube que adquiriu os direitos econômicos e federativos realizar o repasse correspondente aos clubes que contribuíram para a formação do atleta.
A única exceção a esta regra ocorre quando o atleta se desvincula do clube de forma unilateral. Neste caso, o clube que recebeu os valores relativos à clausula indenizatória (devida ao clube em que o atleta estava vinculado) a distribuição dos valores devidos aos demais clubes que contribuíram para a formação do atleta.
Caso os clubes que contribuíram para a formação do atleta não recebam os valores referentes ao mecanismo de solidariedade, estes devem buscar a CBF, por meio da Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) e demandar o recebimento de tais valores.
Ressalta-se que o Certificado de Clube Formador (CCF) não é necessário para que os clubes recebam valores devidos à título de mecanismo de solidariedade. O direito ao mecanismo de solidariedade se baseia no passaporte desportivo do atleta.
A CNRD já se manifestou neste sentido, afirmando que “O art. 29-A da Lei n° 9.615/1998 não exige que um clube seja titular de CCF para ter direito ao mecanismo de solidariedade nacional. Dever de provar períodos de registro do atleta com base no passaporte desportivo.”
Por outro lado, o CCF é necessário para fins de recebimento da indenização por formação.
A indenização por formação tem a função de compensar os investimentos realizados pelo clube na formação do atleta e deve ser paga, nas transferências nacionais, ao clube portador de Certificado de Clube Formador.
A indenização é devida em duas situações: a) Quando o atleta sob Contrato de Formação se recusa a assinar o 1º contrato profissional com o clube certificado como Formador. b) Quando o clube certificado como Formador não consegue exercer o seu direito de preferência na renovação do 1º contrato profissional de atleta por ele profissionalizado.
Relevante destacar que o 1º contrato profissional pode ser assinado quando o atleta completar 16 anos de idade.
Há algumas condições para que o clube formador receba a indenização por formação:
- O atleta deverá estar regularmente registrado e não pode ter sido desligado do clube formador.
- A indenização será limitada a 200 vezes os gastos efetuados com a formação do atleta, especificados no Contrato de Formação.
- O pagamento da indenização somente poderá ser efetuado por outro clube, no prazo máximo de 15 dias da vinculação do atleta ao novo clube, a fim de permitir o novo registro.
A Indenização por Formação é devida somente em caso de transferência nacional. Caso o atleta se transfira para o exterior, o clube terá direito ao FIFA Training Compensation, na forma do “Regulamento de Status e Transferência de Atletas”
A fundamentação da referida decisão da CNRD sobre o tema do mecanismo de solidariedade e da indenização por formação traz um ponto muito interessante: a indenização por formação trata de uma “relação existente entre CLUBE e ATLETA, no momento da sua formação e da sua profissionalização, atribuindo proteção jurídica ao clube desde que ele disponibilize ao atleta a estrutura adequada para promover sua formação”
Já no mecanismo de solidariedade “a relação é entre CLUBES, e não se cria direitos ou deveres ao atleta. Os direitos e deveres são dos clubes em receber e pagar um percentual calculado “sempre de acordo com a certidão fornecida pela entidade nacional de administração do desporto” – certidão essa que corresponde ao passaporte esportivo emitido pela CBF.”
A decisão da CNRD traz entendimento do TAS nesse mesmo sentido[1]:
“A letra do Art. 29-A da Lei Pelé não faz qualquer referência a ‘entidade de prática desportiva certificada’ ou a ‘entidade de prática desportiva formadora’. A expressão ‘contribuíram’ parece abranger, de forma ampla, todas as entidades desportivas […] que […] desempenharam uma contribuição na formação do atleta – independentemente de serem ou não entidades certificadas ou entidades de formação. Parece evidente que ao optar pela expressão ‘contribuíram’, o Legislador do artigo 29-A da Lei Pelé pretendeu tornar o acesso ao Mecanismo de Solidariedade aberto a uma ampla gama de entidades desportivas ao invés de restringir o acesso ao mesmo. A lógica que subjaz ao artigo 29-A nesta matéria está igualmente em consonância com o espírito condutor da regulamentação FIFA quanto ao Mecanismo de Solidariedade […], o qual dispõe que esta compensação deve ser distribuída ‘ao(s) clube(s) envolvidos no seu treino e educação ao longo dos anos’ […], sem fazer referência a quaisquer requisitos quanto às entidades envolvidas nesse treino e formação.”
É importante que os clubes fiquem atentos aos requisitos e condições estabelecidos pelo artigo 99 da Lei Geral do Esporte para que tenham direito ao recebimento da Indenização por Formação.
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[1] Proc. CAS 2015/A/4012, Santos F.C. x Tuna Luso Brasileira, v.u., j. 30.11.2015.