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Menina de 15 anos pode mudar futebol feminino e esporte nos EUA

Uma vitória de uma menina de 15 anos pode mudar a história do futebol para as mulheres e o esporte nos Estados Unidos. A justiça federal do país determinou – ainda que provisoriamente – que ela já pode jogar profissionalmente. A decisão contraria regras da Liga, ataca atitudes anticoncorrenciais e iguala homens e mulheres no esporte.

Olivia Moultrie é uma das maiores promessas do futebol feminino norte-americano. Ela tinha 14 anos quando apareceu no Portland Thorns, uma equipe profissional da liga feminina Sub-19, em 2020. Ela também se tornou a jogadora mais jovem a participar do campo de treinamento com a Seleção Feminina Sub-17 dos Estados Unidos, em janeiro desse ano.

Pelo talento que tem, ela poderia jogar profissionalmente, assinar com um grande clube e avançar na carreira. Poderia, não fosse a Regra da Idade da NWSL – a principal liga que organiza o futebol feminino nos Estados Unidos – que proíbe que jogadoras menores de 18 anos assinem um contrato profissional.

Incomodada com a regra, Olivia entrou na justiça e ganhou a primeira batalha.

“Sempre foi um sonho meu jogar profissionalmente nos EUA”, disse Moultrie em nota oficial. “Eu sei que garotas da minha idade estão competindo ao redor do mundo e eu só quero entrar em campo e competir oficialmente.”

Para entender essa história é preciso conhecer a Regra da Idade, os entendimentos das partes e depois analisar a decisão da juíza.

Regra da Idade

A NWLS tem uma regra que proíbe jogadoras com menos de 18 anos de assinarem contrato como atleta profissional. Diferentemente entre os homens, a MLS, principal liga masculina, não traz essa proibição para menores de idade.

Olivia também não pode jogar em um time de fora dos Estados Unidos em função das regras de transferência internacional determinadas pela Fifa, o que significa que a NWSL é a única liga profissional disponível para ela.

Inclusive, já há conversas dentro da NWSL sobre como preparar a nova geração do futebol feminino. Um dos temas discutidos é justamente uma mudança nessa regra. Não só em função do caso de Olivia, mas também como uma necessária adequação a nova realidade do esporte e aos entendimentos judiciais,

O que dizem os advogados da atleta

No processo aberto em Portland, os advogados alegam que a “Regra de Idade” viola a lei antitruste e impede o desenvolvimento da carreira de Olivia Moultrie. Além disso, eles provocam uma discussão sobre a diferença do esporte no tratamento de gêneros.

Eles afirmam que a “Regra da Idade” é considerada “altamente incomum no futebol mundial, masculino ou feminino”, reforçando que a MLS não tem um limite de idade e tem jogadores menores de 18 anos competindo – da mesma forma que as principais ligas masculinas e femininas em todo o mundo.

A defesa alega ainda que as 10 equipes que compõem a liga concordaram em impedir a entrada de jogadores menores de 18 anos, “independentemente de seus talentos ou capacidade de competir na liga”.

Os advogados colocam que a idade mínima prejudicará seu desenvolvimento e atrasará as chances de Olivia ser convocada para jogar em uma equipe olímpica ou na Seleção Feminina dos Estados Unidos.

A defesa da NWLS

A Liga colocou na defesa que os termos e condições de emprego devem ser tratados durante as negociações em andamento para um acordo coletivo de trabalho. Ou seja, ela quer discutir a questão internamente.

“Como dissemos quando esta ação foi movida, a NWSL está no meio de negociações coletivas com a NWSL Players Association sobre todos os termos de emprego, incluindo a regra de idade”, disse o porta-voz da liga Kirsten Brierley em um comunicado. “Continuamos a acreditar que é o local apropriado para uma decisão sobre este assunto e estamos avaliando nossas opções em relação à ordem do tribunal distrital.”

No processo, os advogados da Liga argumentaram que o limite de idade está em vigor desde 2013 e que ele não viola a lei porque a liga é uma “entidade única”, portanto, ela não poderia conspirar contra si mesma para fins antitruste.

A Liga também alega que o objetivo da idade mínima para jogar decorre de preocupações com a segurança de menores em ambientes esportivos, horas jogadas, salários ganhos e restrições de trabalho que variam em cada estado, dependendo de para onde as equipes viajam jogar. Providências especiais para viagens e aulas particulares também teriam que ser feitas para um menor.

A decisão

A juíza concordou com o pedido da atleta.

Karin J. Immergut entendeu que Olivia Moultrie pode, sim, jogar profissionalmente e que a “Regra de Idade” viola direito concorrencial e princípios universais de igualdade.

Immergut afirmou que os membros da Liga são “competidores no mercado de jogadores” e não uma entidade única. Ela afirmou que a regra que proíbe 18 anos “parece ser mais direcionada para reduzir os custos indiretos do Réu do que para beneficiar a competição”.

Mas a juíza também colocou que a decisão não interfere na capacidade da Liga de negociar os termos ou condições de emprego com a associação de jogadores da liga, nem impede a Liga de incluir uma regra de idade em um contrato futuro.

Importante destacar que a “Regra de Idade” atual nunca foi negociada como parte de um acordo coletivo de trabalho.

A questão seria então sobre a capacidade técnica para a profissionalização. .

Com base nas declarações de jogadoras da Seleção Feminina dos Estados Unidos e treinadoras universitárias de futebol e no testemunho de Moultrie, a juíza entendeu que a atleta tem “as habilidades necessárias e está pronta para jogar futebol profissional, que a Regra da Idade está impedindo seu desenvolvimento como jogadora de futebol de forma irreversível maneira, que a carreira de um jogador de futebol profissional é curta e que não há substitutos para a competição profissional real para ajudá-la a realizar todo o seu potencial”.

A decisão liminar se justifica pela urgência.

Segundo a juíza, o dano causado pela restrição de idade é “particularmente agudo”, visto que os Jogos Olímpicos serão realizados em poucos meses, o que abrirá vagas na escalação da Liga Nacional de Futebol Feminino, aumentando a probabilidade de Moultrie “receber um tempo mais adequado de jogo “para se habilitar a uma vaga”.

E, muito importante, a decisão preserva a “competição livre e aberta” e também promove a igualdade de gênero.

E traz dados, já que mais da metade das equipes masculinas da MLS tiveram um ou mais jogadores em suas escalações com menos de 18 anos.

“Em outras palavras, a única coisa que está atualmente entre a requerente e sua aspiração de ser uma jogadora de futebol profissional no país é seu gênero”, escreveu Immergut.

Conclusão

A decisão traz três entendimentos importantes.

Ela preserva as regras concorrenciais, ataca uma regra da Liga sem negociação com atletas e protege a igualdade entre homens e mulheres.

Cada vez mais tribunais estatais têm se posicionado contra as regras rígidas de elegibilidade das entidades esportivas. E esse caso promete ser mais um daqueles a mudar caminhos no esporte.

Como a “Lei Bosman”, que acabou com o “passe” no futebol. Ou a ‘Lei Spencer Haywood”, que acabou com a antiga regra da NBA que obrigava atleta a cursar “quatro anos de basquete estudantil”.

Outros esportes têm regras parecidas com a da NWLS, como o basquete feminino nos EUA. E todos estão de olho no que a justiça decidirá.

Uma vitória de Moultrie não significa apenas uma mudança na forma como a NWSL faz negócios e determina a vida das jovens atletas. Ela pode mudar a forma como o esporte se relaciona com menores, acabando com a diferença de tratamento que ainda existe entre gêneros, num ambiente que precisa ser sempre de igualdade.

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