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Mente sã, corpo são

Cercados de expectativa, os Jogos Olímpicos Tóquio 2020 suscitavam questionamentos, antes do seu início, sobre quem seria o(a) principal atleta do evento. Órfão de Michael Phelps e Usain Bolt, dois fenômenos contemporâneos nas modalidades mais tradicionais da competição olímpica, o meio esportivo se indagava quem seriam seus sucessores e sucessoras na condição de atletas a fazer história no Japão.

Um nome figurava em todos os debates: Simone Biles. E não por acaso. Uma atleta fenomenal, em “outro patamar” em relação a todas as adversárias, candidata (ou melhor, favorita!) a medalha em todos os aparelhos da ginástica artística feminina. Mais do que isso, um símbolo da excelência esportiva feminina e do combate à discriminação – aqui remetemos à recente fala de Daiane dos Santos[1]: “Até pouco tempo os negros não podiam competir em alguns esportes”.

Para surpresa de todos, Biles não teve o desempenho habitual na etapa classificatória. Deixou a competição da final por equipes e abdicou de disputar todas as demais finais para as quais havia se classificado, exceto uma (sim, de tão fora da curva, ela seguiu com resultados excepcionais mesmo com desempenho abaixo de sua média). Em suas redes sociais, declarou: “Às vezes sinto como se tivesse o peso do mundo sobre as minhas costas”. Uma fala que provavelmente tem relação direta com outra fase de sua autoria, cunhada em 2016: “Não sou a próxima Usain Bolt ou Michael Phelps. Sou a primeira Simone Biles.[2]

Dificilmente haveria atitude mais corajosa. Sob o prisma jurídico-financeiro, ao decidir não competir no momento de maior visibilidade para a sua atuação, arriscando possíveis novos contratos de patrocínio – e possivelmente até mesmo dando causa à rescisão de outros já vigentes. E, sobretudo, sob a perspectiva pessoal, no sentido de reconhecer os limites do binômio corpo-mente e tomar a decisão necessária para não o ultrapassar, independentemente das expectativas que o mundo (literalmente!) tivesse sobre ela.

O binômio corpo-mente também nos leva a Rebeca Andrade. Também negra, também histórica: dona das primeiras medalhas da ginástica artística feminina brasileira.

É público e notório que Rebeca, antes de dar o seu baile em Tóquio, sofreu por anos com sérias contusões. Com apenas 22 anos, já passou por três grandes cirurgias – uma no pé, duas no joelho – que a fizeram perder a chance de disputar diversas competições e chegar em outras fora das condições ideais. Diante de tantas intercorrências, sua vaga olímpica foi conquistada somente na última chance, em junho, nos Jogos Pan-Americanos de Ginástica Artística.

Certamente, o resultado histórico obtido no Japão somente foi possível pelo equilíbrio no binômio mente-corpo. Não bastaria estar recuperada das lesões e em plena forma física; era fundamental estar mentalmente preparada para a expectativa criada ao seu redor e, principalmente, para confiar no seu corpo. As duas medalhas falam por si.

Aqui cabe um importante adendo. Como advogado do Comitê Olímpico do Brasil de 2010 a 2016, pude testemunhar o trabalho realizado pela entidade no suporte às seleções masculina e feminina de ginástica artística – a ponto de se montar um centro de treinamento da modalidade no Rio de Janeiro (parte do Centro de Treinamento Time Brasil). As instalações oferecem as melhores condições para o desenvolvimento dos atletas, com equipamentos idênticos aos utilizados nas principais competições e toda uma estrutura multidisciplinar de apoio (equipe técnica, fisioterapia, nutrição, medicina especializada…). Muito trabalho de toda a equipe do COB; muitos contratos, processos de aquisição de materiais e respostas a consultas envolvendo questões jurídicas. Todas essas iniciativas nos bastidores, muitas vezes invisíveis aos olhos do público (que se aliam, claro, a projetos também bem-sucedidos desenvolvidos pela própria Confederação Brasileira de Ginástica), são extremamente importantes para se alcançar o pódio.

Com incrível força mental, Rebeca soube usufruir dessas condições, cuidar de seu corpo e com muito suor desenvolver o seu talento, alcançando o topo do esporte mundial com todos os méritos. O mesmo topo ocupado por Simone Biles, que, cada vez mais protagonista, traz ao mundo o alerta sobre a necessidade de preservação da saúde mental – brilho mais forte que o de ouro, prata ou bronze.

Duas histórias absolutamente diferentes contadas em Tóquio, que se encontram na ginástica artística feminina. E que, de formas distintas, nos lembram a importância do equilíbrio no binômio mente-corpo. Mente sã, corpo são.

……….

[1] https://www.uol.com.br/esporte/olimpiadas/ultimas-noticias/2021/07/29/daiane-do-santos-se-emociona-com-rebeca-andrade.htm

[2] https://saude.abril.com.br/blog/saude-e-pop/a-saida-de-simone-biles-das-olimpiadas-e-a-saude-mental-no-esporte/

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