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Mercado vs Federações – análise da carta aberta

Hoje os players do mercado de esporte eletrônico, que inclui desenvolvedoras, organizadores de eventos, clubes e atletas assinaram endereçada aos Deputados Estaduais.

A carta aberta pode ser encontrada na íntegra no link: https://drive.google.com/file/d/1xYIT8PpcTOc1qZ_ATHeo0TKXapk24feI/view

Além disso, foi criado um abaixo-assinado pelos assinantes para que a comunidade possa apoiá-los na plataforma Avaaz: https://bit.ly/3fMkiur

O objetivo da carta aberta são três:

  1. Reivindicar a sua participação nas iniciativas legislativas que buscam regulamentar o esporte eletrônico;
  2. Mais uma vez pontuar que as confederações que almejam ser entidades de administração do desporto no esporte eletrônico e que estão a frente dos projetos de lei são enxergadas como oportunistas e não são representam o eSport no Brasil;
  3. Garantir que o esporte eletrônico não seja confundido com os “esportes tradicionais”.

No entanto, ao apresentar os seus argumentos, a carta aberta pode ter cometido um grave erro que colocará todo o mercado em risco.

Neste eSport Legal extraordinário iremos relembrar as polêmicas que causaram o afastamento das confederações do mercado legítimo, bem como analisaremos os argumentos apresentados na carta aberta.

Por que confederações são consideradas oportunistas?

Um dos primeiros artigos que publicamos na seção eSport Legal, lá em 2018, também foi motivada por uma carta aberta assinada por clubes e desenvolvedoras dizendo que a CBDEL, uma das confederações que busca administrar o eSport não os representavam (https://leiemcampo.com.br/o-direito-por-tras-do-fracasso-da-cbdel/).

Naquela oportunidade já explicávamos que modelo pelo qual se administra o esporte eletrônico não é compatível com o sistema associativo-federativo. Além disso, as próprias ações da CBDEL, que incluem ingerência e incompetência, seriam por si só suficientes para que ela não tivesse legitimidade para representar a modalidade.

A CBDEL não é a única confederação que busca administrar o desporto eletrônico, outras confederações existem, dentre elas a CBDEL e a CBGE é a que têm ganhado mais notoriedade, além de mais repulsa dos players do mercado. Além de não contribuírem para o mercado de forma concreta, episódios negativos deixam as federações em débito.

Lembramos do caso da desorganização da CBDEL ter gerado a perda de uma vaga em um campeonato mundial em Jacarta; ou do episódio da Dreamhack no Rio de Janeiro, evento que contou com utilização da lei de incentivo ao esporte requerida pela FERJEE (cujo presidente naquele episódio é atualmente presidente da CBGE), e foi um fracasso.

Qual o problema dos projetos de lei?

O ponto central da carta publicada hoje são os projetos de lei que foram escritos pela CBDEL. A mesma redação deu origem ao projeto de lei do senado 383/2017 e a vários projetos de lei estaduais.

O ponto central do descontentamento é o seguinte dispositivo: “reconhece como fomentadora da atividade esportiva a Confederação, Federação, Liga e entidades associativas, que normatizam e difundem a prática do esporte eletrônico”.

A redação deste dispositivo erra propositalmente ao não se referir a qualquer entidade de administração do desporto como “entidade de administração do desporto”, deixando limitada quais os tipos de entidades (associativas) serão reconhecidas como competentes para normatizar e difundir a prática do desporto eletrônico.

Lembramos que limitar a forma como podem se organizar as entidades esportivas é inconstitucional, diante da autonomia garantida a essas entidades pelo artigo 217 da Constituição Federal.

Industria de games e de esports não são a mesma coisa

Ao analisarmos o veto do projeto de lei do estado de São Paulo aqui no esport legal (https://leiemcampo.com.br/o-veto-do-projeto-de-lei-de-sao-paulo-nova-derrota-da-cbdel/), chamamos a atenção a um ponto vital da discussão da regulamentação do esporte eletrônico no Brasil: a indústria dos games e dos esportes eletrônicos são dois mercados diferentes e que se complementam.

A principal diferença entre as duas indústrias é que a indústria dos games explora o jogo em si, enquanto a outra explora o espetáculo esportivo gerado nas competições. Os direitos de transmissão de uma competição de esports obtidos por uma emissora, por exemplo, nada terão a ver com os direitos/propriedade do jogo. Estes foram negociados entre a desenvolvedora e a organizadora da competição antes mesmo da competição existir (https://leiemcampo.com.br/inaplicabilidade-da-legislacao-de-propriedade-intelectual-no-esporte-eletronico/).

Por conta disso a regulamentação de uma atividade será diferente da outra, sendo incabível, por exemplo, a discussão sobre violência no jogo em uma regulamentação dos esportes eletrônicos.

A carta é controversa

Embora concordemos que as regras do jogo não precisam de atenção de qualquer entidade, uma vez que elas estão presentes no próprio código do jogo, a função de uma entidade de administração do desporto vai muito além disso.

Criar e fazer valer as regras da competição e de disciplina são os principais objetos de trabalho de uma entidade de administração do desporto e isso já é feito no esporte eletrônico.

Quem organiza a competição de esporte eletrônico irá criar o regulamento, filiar os clubes, inscrever atletas e aplicar punições a quem desrespeite o regulamento, todas essas condutas são típicas de uma entidade de administração do desporto.

Ao dizer “Não há nos esportes a necessidade de entidades de administração do desporto que garantam regras comuns já que as publicadoras as garantem – e com sucesso”, significa assumir que as publicadoras (ou quem faça suas vezes ao organizar competições) são entidades de administração do desporto.

Mais uma vez se reforça: a entidade de administração do desporto é definida por suas condutas, direitos e deveres, não pela forma como é constituída.

Só não será entidade de administração do desporto caso se afaste completamente a aplicação da legislação desportiva, o que é proposto na carta de forma irresponsável, como veremos a seguir.

A carta pode representar um perigo a todo mercado

A carta vai ainda mais longe! Diz que o esporte eletrônico não deve ser submetido ao sistema nacional de esportes.

Ora, o próprio mercado já utiliza ferramentas da lei geral do esporte (Lei Pelé), como o contrato especial de trabalho desportivo e a premiação esportiva (em detrimento do concurso cultural da caixa).

É necessário lembrar que nosso ordenamento jurídico é composto por leis gerais, como o Código Civil e Consolidação das Leis Trabalhistas. No entanto, diante de atividades que apresentam peculiaridades, são criadas leis especiais, que garantem direitos e deveres específicos. E os direitos e deveres virão sempre juntos.

O mercado do esporte eletrônico utiliza as ferramentas da legislação desportiva quando convém, mas quando não convém basta dizer que não é esporte? As coisas não funcionam assim.

A submissão ao sistema nacional de esportes é apenas um dos deveres que garantem que possam ser aproveitados os direitos e instrumentos presentes no conjunto legislativo esportivo.

Será considerado irregular os contratos especiais de trabalho desportivo entre entidade de prática desportiva (clube) e atleta, se aquele não se considera em uma atividade esportiva e não assume as obrigações que vem com isso. Isso geraria dívidas impagáveis aos clubes.

Serão cobrados com multas e correção monetária a regularização das premiações que foram pagas a título de premiação esportiva, se a atividade não é esportiva.

Quais os pontos que devemos estar atentos sobre a regulamentação do esporte eletrônico

O ponto mais sensível de qualquer esporte é garantir a lisura das competições e confiança nos resultados.

Para o esporte eletrônico, soma-se a esse ponto o interesse da desenvolvedora, pois se a regulamentação fizer com que a operação da desenvolvedora no Brasil não seja lucrativo ou tenha custo muito mais elevado, as desenvolvedoras podem simplesmente decidir não haverá esporte eletrônico em solo nacional.

É necessário que o debate evolua para que o esporte eletrônico seja regulado da forma correta, mas até lá é necessário agir de acordo com a lei que melhor garante a continuidade da atividade.

A legislação esportiva brasileira é futebolizada e guarda muitas incongruências com o esporte eletrônico, uma legislação própria que faça sentido é importante. No entanto, a atividade já está em pleno funcionamento, garantindo empregos e movimentando altas quantias.

Os conflitos que ocorrem na atividade já estão sendo judicializados e, em regra, a aplicação da legislação esportiva já está sendo feita, se o discurso dos players do mercado continuar sendo de conveniência e afastamento, o mercado irá colapsar cedo ou tarde.

Crédito imagem: CBDEL

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