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Mesmo com proibição da Fifa, Copa ajuda mulheres iranianas na busca por direitos

Por mais que a Fifa esteja se esforçando, ela não tem conseguido calar jogadores, técnicos, torcedores e ativistas que aproveitam a Copa do Mundo para levantar a bandeira da proteção de direitos humanos. Além do movimento em defesa da causa LGBTQIA + e do combate ao racismo, outra questão importante tem ganhado espaço no principal evento esportivo do planeta: a dos direitos das mulheres no Irã.

Antes do jogo contra a Inglaterra, torcedoras iranianas se manifestaram a favor dos direitos das mulheres, proibidas de irem a estádios e praticar futebol no país. As imagens da transmissão mostraram uma mulher chorando durante o hino do Irã e os jogadores da seleção não cantaram o hino, o que foi interpretado como uma forma de protesto também.

A Fifa, em nome de uma utópica “neutralidade” esportiva, usa de mecanismos coercitivos dos seus regulamentos para proibir “manifestações políticas” nas arenas esportivas.

A Copa é só mais um capítulo de uma longa batalha das mulheres pelo direito futebol no país.

O futebol e as mulheres no Irã

Em agosto deste ano, uma vitória importante dos direitos humanos no país foi conquistada em ambiente esportivo. Depois de mais de 40 anos, mulheres puderam assistir a uma partida de futebol do Campeonato Iraniano em Teerã. A conquista está longe de ser definitiva, mas mostra como instrumentos de pressão ajudam dentro desse processo.

O esporte, ao lado de coletivos globais de direitos humanos, tem exercido pressão para que o Irã afrouxe as determinações religiosas que limitam direitos das mulheres, entre eles o de frequentar ambientes esportivos. Esta determinação veio a partir da Revolução Islâmica, de 1979.

O esporte não pode exigir mudanças das leis estatais, mas ele cria regras que determinam quem pode participar desse movimento. E, a partir daí, pressionar países a rever e refletir sobre regras que violam a proteção de direitos humanos, protegido inclusive pelo estatuto da entidade.

No caso das mulheres em estádios do Irã, a pressão tem provocado irritações, diálogos e alguns avanços.

O futebol e as mulheres no Irã

Em outubro de 2019, o Irã goleou o Comboja pelas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2022. E não foi uma goleada qualquer, 14 a 0! Mas a maior conquista estava nas arquibancadas. Depois de 38 anos, um estádio iraniano recebeu a presença de mulheres.

Foi uma vitória de um movimento global que luta pelo direito das mulheres de poder escolher entre ir ou não a um jogo de futebol, mas que imediatamente apresentou novos desafios.

As mulheres ainda querem poder comprar ingressos (o que só é permitido para homens) e escolher onde sentar (elas ainda têm que ficar em lugares isolados). Além disso, tanto nesse jogo da semana passada, quanto naquele de 2019, foram destinados poucos lugares para as mulheres. Elas não querem uma limitação de presença.

Essas restrições deixam claro que, mesmo com a presença das mulheres no jogo de agosto, o Irã ainda contraria o estatuto da FIFA, que proíbe qualquer tipo de discriminação no futebol. Os artigos 3 e 4 do estatuto apontam o compromisso da entidade com os direitos humanos e a luta contra discriminação de qualquer tipo – explicitando a questão de gênero -, pela igualdade e neutralidade. Até em função disso, dois pedidos de expulsão do Irã da Copa foram entregues à Fifa que ainda não analisou a questão.

Por mais que o Estatuto se refira a assuntos relacionados ao jogo, a imagem do esporte também se vê prejudicada nessa grande discussão, e por isso a FIFA trabalha com diplomacia, mas usando instrumentos de pressão para garantir o acesso das mulheres.

Apesar disso e da força que a pressão da Fifa exerceu para o jogo de agosto, a conquista das mulheres continua sendo uma concessão dos homens. Sobre a presença feminina no jogo com a presença feminina, as autoridades do país destacaram que “era excepcional”.

Entenda a situação

No Irã existia uma tradição das mulheres nos estádios.

Elas sempre se interessarem pelo jogo e fizeram parte dele. Torciam, praticavam e até jogavam profissionalmente. Mas a revolução islâmica de 1979 transformou essa realidade e o comportamento imposto às mulheres. Vestuário, trabalho, práticas esportivas, passeios de bicicleta, quase tudo mudou.

Quase tudo passou a ser proibido!

Apesar de o país contar com uma Constituição, o comportamento das pessoas é ditado pela sharia, o conjunto de normas do Alcorão. As ideias islâmicas acabam retirando direitos das mulheres, como a ida aos estádios. Sob o ponto de vista dessa corrente do islã, o ambiente do futebol causa muita exposição às mulheres, e seria um território “pecaminoso” para elas.

Mas a pressão por mudanças é grande. As mulheres não aceitam passivas essa restrição. Mesmo proibidas, algumas torcedoras vão aos estádios disfarçadas. Esse movimento foi retratado em 2006 num filme muito importante, do cineasta Jafar Panahi: “Fora de jogo”.

Outras mulheres participam ativamente de movimentos no exterior pedindo a presença feminina nos estádios, como o coletivo “Open Stadiums”, criado em 2005.

A situação voltou a chocar e provocar debate no mundo depois que a torcedora Sahar Khodayari morreu em setembro de 2019. Ela colocou fogo no próprio corpo enquanto aguardava julgamento por tentar assistir a uma partida de futebol.

O caso repercutiu mundialmente e colocou ainda mais pressão na FIFA. A entidade – que passou a ser ainda mais cobrada depois da morte de Sahar – se posicionou de maneira mais forte com relação à proibição.

O futebol no Irã

Mesmo com tantas limitações, o futebol feminino está organizado no país islâmico inclusive na base, com seleções montadas desde o sub-14 até a adulta. A estrutura ainda é difícil, já que existem poucos campos e clubes para atender o interesse.

Além disso, o futebol feminino não pode ter técnicos homens, e ainda são poucas as mulheres habilitadas para ser treinadoras.

Mas são muitos os exemplos de como pressão podem provocar transformações. Ela provoca diálogos entre Estado e movimentos privados, como o futebol.

Com bom senso e flexibilidade, é possível conciliar questões religiosas com o esporte, encontrando boas soluções para a sociedade. E esse diálogo só se torna possível com a mobilização de todos, das mulheres do Irã, dos movimentos sociais e das entidades esportivas.

A Copa do Qatar traz mais um episódio, mais uma batalha, um grito que foi ouvido para que o mundo olhe para as mulheres iranianas. O jogo ainda não terminou, mas apesar da forte marcação adversária, as mulheres iranianas fizeram um gol.

Crédito imagem: Francisco Seco/AP

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