Por Renato Gueudeville
No último programa do Futebol S/A (Fim de uma era. Quando os ciclos acabam), nós abordamos sobre a notícia que abalou todo o mundo da bola: a inesperada saída de Messi do Barcelona.
Nascido em Rosário (cidade que deu ao futebol Bielsa, César Menotti, Di Maria, Mascherano e Icardi), Lionel Messi chegou ao futebol aos 7 anos através das divisões de base do Newell’s Old Boys. Os números das primeiras temporadas já davam fortes indícios do tamanho do talento que ali nascia. Em 94, primeiro ano nas categorias infantis, fez 40 gols em 29 partidas. Em 95, 36 gols em 30 partidas e no ano seguinte 36 gols em 27 jogos. Na temporada de 98 foram simplesmente 55 gols em 29 jogos.
Com uma deficiência do hormônio do crescimento, a família tinha alto custo com o tratamento do baixinho de 1,40m e cavou oportunidade numa peneira no River Plate. Fez um teste, jogou somente por 20 minutos, e não teve a chance de mostrar muita coisa com um monte de jogadores bem maiores do que ele. O clube também não tinha condição de assumir seus custos de tratamento. Os 900 dólares mensais das injeções noturnas, mais a crise econômica argentina e um familiar que morava na Catalunha fizeram com que o pai buscasse a sorte do outro lado do atlântico.
Quando os ciclos começam
14 de dezembro de 2000 – Em um papel de guardanapo, Carlos Rexach, diretor esportivo do Barcelona, fecha os termos do negócio para selar aquela que seria a contratação que mudaria a história do clube.
Foto: ESPN
Um artigo indispensável, do respeitado escritor Simon Kuper, no Financial Times, chamado How FC Barcelona blew a fortune — and got worse traz uma linha do tempo em que nos mostra os caminhos percorridos da ascensão e queda do clube catalão. E aproveitei a carona para relacionar esses fatos ao comportamento dos ciclos.
Alguns movimentos do Barça mostram que a jornada de títulos e grande times, desembocando na incompetência na formação de elencos e na quantidade de dinheiro em investimentos de atletas, não são privilégios de terras brasileiras. Aliás, o próprio autor, no excelente Soccernomics, rechaça a política das contratações galáticas afirmando que, em sua grande maioria, tendem a ser insucessos.
A beleza dos ciclos virtuosos
O ápice do clube foi em 2015 quando ganhou sua 4ª Champions League com uma geração de grandes jogadores formados em seus próprios campos. “La Masia”, nome que é dado às categorias de base do Barça, gerou jogadores como Iniesta, Xavi, Piquet, Puyol, Busquets, além do próprio Messi.
O resultado era tão surpreendente que, em 2010, nada menos do que 3 desses jogadores disputaram a Bola de Ouro: Xavi, Iniesta e o vencedor Messi.
Não custa lembrar que o maior técnico do mundo também saiu desse ecossistema harmonioso que são as categorias de base do clube. Pepe Guardiola nasceu lá como jogador e como técnico. La Masia deu a ele “régua e compasso”.
Grandes títulos chegaram e sem grandes investimentos em atletas.
Os ciclos virtuosos se formam quando diversos fatores positivos coexistem em condições favoráveis. Vivemos ondas de prosperidade e crescimento e esse ambiente é retroalimentado por essas mesmas condições levando a grandes ondas de bonanças.
Em algum momento, esse elo se rompe por algum agente (pessoa ou fato) externo (ou interno) que desequilibre o conjunto das forças que davam harmonia ao sistema.
Títulos enfileirados e receitas crescentes, aliados a uma Liga cada vez mais profissionalizada, formaram a química perfeita para o clube virar um dos protagonistas do futebol mundial.
No caso do Barça, a cabeça da gestão desestabilizou a harmonia.
A tormenta dos ciclos viciosos
Ainda em 2015, após a saída conturbada do Presidente Sandro Rosell, a eleição é vencida por Josep Maria Bartomeu no embalo da grande conquista das Ligas dos Campeões. Uma das primeiras providências de Bartomeu foi tirar o Diretor de Futebol; nada menos que o grande Zubizarreta, goleiro com grande história defendendo a Fúria. Ele foi o responsável por trazer Neymar e Luis Suaréz e fazer um dos maiores ataques de um time de futebol. O trio MSN (Messi, Suaréz e Neymar) fez 364 gols, 173 assistências e 9 títulos na bagagem;
Com a saída de Neymar para o PSG, por incríveis 220 milhões de euros, o clube começa a difícil saga de substituir o craque. O autor relembra que, há poucos anos atrás, Mbappé e Haaland foram oferecidos ao Barcelona, mas não passaram pelo crivo dos que tem “tinta na caneta” para aprovar os investimentos. O clube coloca todos seus esforços e contratam Dembelé (145 milhões de euros) e, em seguida, Philippe Coutinho (160 milhões de euros).
Em meados de 2019, Neymar começa uma movimentação para voltar ao Barça e consegue seu amigo Messi como patrocinador da causa, colocando toda a pressão no clube, inclusive através da mídia. Não deu certo.
Como resposta ao público, o Barcelona trouxe Griezmann por 120 milhões de euros. Vale lembrar que é um atleta de 28 anos, quantia pouco observada nas contratações dessa faixa etária.
O autor cita uma “compra estranha” de Matheus Fernandes junto ao Palmeiras. A compra foi de 7 milhões de euros e mais 3 milhões adicionais por metas. Detalhe: o jogador era reserva no clube brasileiro.
Ele traz ainda a manobra contábil feita com a troca de Pjanic (por 60 milhões de euros) e Artur (por 72 milhões de euros). Números teóricos, mas com efeito no caixa somente a diferença dos 12 milhões e um atleta de 30 anos no elenco.
Por último, o autor aborda a saída de Suaréz e o protagonismo deste no Espanhol da última temporada. O jogador foi peça fundamental para o título do Atlético de Madri.
Com todos problemas enfrentados nos últimos anos, o clube segue líder na capacidade de monetizar a paixão de torcedores, da mídia e dos demais agentes da bola. Abaixo, relatório da Deloitte sobre as receitas dos principais clubes europeus nas 2 últimas temporadas.
Foto: Deloitte Football Money League 2021
Ciclos viciosos se formam na sequência de eventos ruins, tratados por pessoas sem a competência necessária para reverterem a tendência e são potencializados se as conjunturas externas não forem favoráveis. Bartomeu e uma série de decisões erradas na concepção e na execução precisavam ainda de um grande agente externo (e imprevisível) para que fechassem a última trinca da combinação adversa: uma pandemia.
Quando os ciclos se encerram
5 de agosto de 2021 – Em um comunicado melancólico, vindo da Catalunha, o clube resume em poucas linhas a sua limitação:
“Apesar de ter chegado a um acordo entre o FC Barcelona e Leo Messi e com a clara intenção de ambas as partes de assinarem hoje um novo contrato, este não pode ser formalizado devido a obstáculos econômicos e estruturais (regulamento espanhol LaLiga).
Diante desta situação, Lionel Messi não continuará vinculado ao FC Barcelona. Ambas as partes lamentam profundamente que os desejos do jogador e do clube não possam ser finalmente atendidos.
O Barça agradece de todo o coração ao jogador a sua contribuição para a valorização da instituição e deseja-lhe o melhor na sua vida pessoal e profissional.”
Após 10 Espanhóis, 4 Champions, 3 Mundiais de Clubes e mais outros títulos de acessório, a comunidade internacional do futebol viu o fim de uma era.
Um clube que nos últimos anos fez tudo de errado no combo formação de elenco e gestão financeira e que perdeu o maior atleta da sua história.
Ciclos se retroalimentam. Eles precisam ser encerrados, faz parte do processo de revitalização do ambiente, da estrutura, das organizações. E é assim também com as pessoas.
Lionel Messi tem a chance de reabrir um novo ciclo na sua vida. Dessa vez, sem os medos de um adolescente de 13 anos que chega em um dos maiores clubes do mundo para provar que pode alcançar o topo do estrelato.
Dessa vez é o PSG que precisa construir um novo ciclo que o tire de uma vez por todas das fronteiras francesas para dar a legitimidade de um dos maiores da Europa.
E assim os ciclos seguem.
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo
Renato Gueudeville é Administrador de Empresas com MBA em Finanças Corporativas. Gestor com sólido conhecimento em reestruturação empresarial e atuação pelas principais instituições financeiras do país. Acredita que no mundo da bola, fora da gestão não há salvação. É sócio do Futebol S/A.