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Messi, Neymar, Cristiano Ronaldo… é dezembro, não esqueçam de agradecer Bosman!

Pelo menos em dezembro – em todos – ele precisa ser lembrado. Afinal, ele transformou o futebolcomo era, deixando como o futebol como é. Ele entrou em uma briga jurídica contra os “donos” do jogo, e quem acabou ganhando foram jogadores como Neymar, Messi, Cristiano Ronaldo, Hulk, Gabigol e companhia.

Ele é Jean-Marc Bosman! Você que trabalha com esporte, atleta, árbitro, intermediário, gestor, até advogado, talvez não conheça um dos jogadores mais famosos no Direito Esportivo. Está duvidando? Dá um Google. São milhões de resultados. E ele merece: o jogador belga revolucionou a organização e regulamentação do futebol mundial

A batalha contra os donos do jogo

Em 1990, Bosman tinha 26 anos quando o contrato dele com o Liège chegou ao fim. O clube belga fez uma proposta de renovação, mas com uma redução grande de salário. O jogador não aceitou e tentou ir para o Dunkerque, da França. O negócio não evoluiu porque, mesmo sem contrato em vigor, o Liège exigiu um valor para liberar Bosman, e o clube francês não tinha como pagar.

Bosman não aceitou a redução imposta pelo clube belga e não conseguiu se transferir para a equipe francesa. E, mais, ele foi suspenso pela federação belga. O atleta ficou “preso’.

Para ter liberdade de trabalho, decidiu comprar uma briga judicial gigante: contra todo o sistema associativo do futebol. A luta não era apenas contra a federação belga, mas também contra UEFA e FIFA.

Advogados do atleta entraram com uma ação na Corte Europeia de Justiça, que fica em Luxemburgo, solicitando liberação, tendo como base o Tratado de Roma, que explicitava o direito do trabalhador à livre circulação na Europa. O Tribunal Europeu precisava resolver esta questão: os artigos 48, 85 e 86 do Tratado de Roma de 25 de março de 1957 deveriam ser usados para impedir que um clube de futebol exigisse e recebesse o pagamento de um montante em dinheiro pela contratação, por um novo clube empregador, de um dos seus jogadores cujo contrato tenha chegado a termo?

A “Lei do Esporte” contra uma Lei Pública

No dia 15 de dezembro de 1995, o Tribunal Europeu aceitou o pedido de Bosman. Todos os argumentos apresentados pela defesa e demais interessados – como exemplos, autonomia do movimento esportivo, caráter não econômico do futebol, liberdade associativa, restrição a intervenção das autoridades públicas em questões esportivas – foram insuficientes.

O Tribunal entendeu que o Tratado de Roma é aplicado ao futebol. Ou seja, a lex publica, nesse entrelaçamento com a lex sportiva, se sobrepôs.

A decisão detonou uma regra básica das relações entre atletas e agremiações na União Europeia, uma espécie de superação sem fronteiras: terminado o contrato, o jogador estava livre para trabalhar em outro clube.

Ou seja, o jogador de futebol passou a ter o direito de circular livremente pela Europa, sem ser mais “mera mercadoria”.

E a revolução não parou por aí. Os jogadores de futebol nascidos em países da UE passaram a ter os mesmos direitos de livre circulação laboral de qualquer outro cidadão comunitário – sem “quotas” de nacionalidade ou o pagamento de qualquer verba quando um jogador chegava ao fim do contrato.

No Brasil, na esteira de Bosman, a legislação também mudou. A Lei 9515, a Lei Pelé, é de 1998, mas o então presidente Fernando Henrique Cardoso concedeu uma carência para a extinção do passe. Somente a partir de 26 de março de 2001, 20 anos atrás, que o “passe” teve um fim no país. Acabava ali uma mal disfarçada “escravidão” no futebol no futebol em pleno século 21.

O legado Bosman

A crítica que surgiu à época, reverberada pelos dirigentes, era de que o “fim do passe” representaria a “falência” dos clubes, uma vez que não encontrariam compensação financeira pela formação dos atletas. Não foi o que se viu.

Pouco depois, a autorregulação protegeu os clubes, criando as “cláusulas penais” e tambémmecanismos internos como o de solidariedade e indenização por formação.  Resumindo, essas regras internas protegeram o investimento do clube.

Com elas, as entidades esportivas se organizaram, passaram a fazer contratos mais longos e continuaram a ganhar receita com o talento dos jogadores Entenda, no futebol um contrato que se cumpra até o fim normalmente deu errado. Os contratos são longos para que o clube ganhe com a rescisão na saída de um jogador. Por isso que quando se quer que um atleta fique, a renovação se dá bem antes do fim do contrato.

O “Caso Bosman” transformou o futebol europeu no primeiro momento, mas sua essência se espalhou pelo mundo. Três anos depois da decisão, no Brasil foi promulgada a Lei 9.615, a Lei Pelé, que, entre outras coisas, acabou com o “passe”. Foi o fim do “trabalho escravo” no futebol brasileiro.

Apesar da vitória no tribunal, o atleta não teve vida fácil no futebol. Bosman só atuou em times pequenos e não ganhou dinheiro. Para alguns, ele foi vítima de um boicote dos principais clubes europeus. Ele jogou futebol até 1996, tendo como último clube o Visé, da Bélgica.

Bem, agora você já sabe quem foi Jean-Marc Bosman, um jogador belga, de histórico apagado, mas que venceu as poderosas federação belga, UEFA e FIFA. Mudou a relação de todos os jogadores na Europa e depois no mundo. Mesmo assim, passados mais de 20 anos da decisão, ele disse em uma entrevista: “Até hoje, nenhum jogador me disse obrigado”.

Já passou da hora de agradecer. Aproveite que é dezembro!

Crédito imagem: imago/VI Images

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