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Messi, um dirigente palestino e a liberdade de expressão em um julgamento

Muito embora os gritos e atitudes nos estádios mostrem o contrário, o esporte começa a entender que a proteção de direitos humanos é inafastável do movimento esportivo. Cada vez mais os próprios órgãos privados do movimento jurídico do esporte têm utilizado de regras estatais de defesa da dignidade humana em casos de governança esportiva.

O Tribunal Arbitral do esporte (TAS/CAS) – última instância do movimento jurídico privado do esporte – tem apresentado decisões que contrariam um entendimento anterior de prevalência das regras de governança, mesmo em questões que envolvessem a proteção de direitos humanos. Uma posição tão estrita sobre a aplicabilidade dos princípios de direitos humanos, que são norteadores das atividades legislativas e interpretativas no direito, vai contra a função e operação peculiares do esporte movimento esportivo.

Trago hoje um caso envolvendo um diretor da Associação Palestina de Futebol, Messi e liberdade de expressão, analisado dentro da instância maior do movimento privado do esporte, o TAS.

Messi, liberdade de expressão e o dirigente esportivo

Tudo aconteceu em 2018 por conta de um amistoso marcado pela Argentina contra a seleção de Israel em Jerusalém, o que provocou uma forte reação da comunidade islâmica em função da disputa histórica entre os povos pelo cidade.

O presidente da Associação Palestina de Futebol, Jibril Rajoub, foi além da reclamação. Ele pediu aos torcedores do país que queimassem camisetas de Lionel Messi, em função do jogo que seria realizado. O dirigente acabou sendo punido pela FIFA, em processo disciplinar em função dos registros feitos pela imprensa.

Acontece que dentro do painel, um processo privado, foi invocada a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) sobre liberdade de expressão para contestar a sanção da FIFA. Portanto, um caso disciplinar, que envolvia a FIFA e o presidente de uma Federação Nacional, acabou trazendo regras estatais de direitos humanos para um tribunal privado.

A sentença do TAS distinguiu esta situação da jurisprudência do TEDH invocada pelo dirigente afirmando que os casos citados envolviam equilibrar “interesses de direito penal (estatais/públicos) contra a liberdade de expressão de um indivíduo”, ao contrário do assunto em questão que dizia respeito “aos interesses privados da FIFA”.

Em vez disso, seguiu a decisão, “o equilíbrio a ser feito pelo Painel é, portanto, entre o interesse da FIFA em suprimir ações que incitam o ódio, às quais o dirigente se submeteu voluntariamente, mesmo que essas contrariassem o exercício de sua liberdade de expressão”.

A esse respeito, o Painel concluiu “que uma associação – com base na relação jurídica contratual especial – pode impor deveres mais rígidos aos seus membros do que os deveres impostos aos cidadãos pela lei penal”. Isso ocorre porque as associações “têm grande liberdade para administrar seus próprios assuntos e o dirigente poderia livremente optar por não cumprir suas obrigações como funcionário da FIFA, renunciando a qualquer função que o sujeite às regras e regulamentos da FIFA”.

A conclusão final do Painel é que “o equilíbrio oscila a favor da FIFA”, pois determina que o dirigente “excedeu os limites legítimos da liberdade de expressão ao visar pessoas que não têm qualquer envolvimento direto nas questões políticas entre Israel e Palestina.

Além disso, o Painel considerou que a declaração do dirigente não foi proporcional, pois “pediu a ‘todo mundo’ que queimasse camisas de Messi, em países árabes e islâmicos, usando a mídia de massa para transmitir sua mensagem”. Além disso, à luz de sua “alta posição política”, suas “declarações tiveram um impacto muito maior do que um indivíduo ‘anônimo’ fazendo parte de uma manifestação maior queimando uma camiseta”.

Para terminar, o jogo acabou sendo cancelado em função da grande pressão internacional. Os palestinos comemoraram muito o cancelamento do amistoso, ao mesmo tempo que o governo israelense lamentou que os argentinos tenham cedido “aos que pregam o ódio contra Israel”. Para o presidente da Federação Palestina de Futebol, “o que aconteceu é um cartão vermelho do resto do mundo aos israelenses, para que compreendam que têm o direito apenas de organizar, ou jogar futebol, dentro de suas fronteiras reconhecidas internacionalmente”, disse, em referência ao status diplomático contestado de Jerusalém.

Um caminho necessário

O caso é antigo mas merece ser citado para chamar atenção ao objeto dessas linhas. O crescente reconhecimento da aplicabilidade ‘indireta’ da Convenção Europeia de Direitos Humanos e de decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos pelos painéis do CAS

E este, por estar no centro do movimento esportivo mundial, mostra um caminho que deve ser replicado em todos os lugares em que esporte e direito se encontram. Cada vez mais autoridades na literatura jurídica estão defendendo que a CEDH também se aplica diretamente às associações esportivas. E, mais, que direitos humanos são base fundadora das regras esportivas.

Este caminho é necessário, mas talvez ele tenha até menos força lá na frente. Explico. Muitas entidades esportivas, ou por entender que não pode se afastar da proteção de direitos humanos ou por decisões de tribunais estatais, estão alterando estatutos e regras internas reforçando o compromisso inafastável com a proteção de direitos humanos, se integrando ainda mais ao compromisso expresso com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, fonte de todo processo legislativo, seja na esfera pública ou privada.

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