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“Meu querido basquetebol brasileiro”

Por Ricardo Garcia Horta

Apesar do excelente desempenho da seleção masculina adulta na Americup 2022 (competição sediada em Recife/PE e organizada pela Confederação Brasileira de Basketball – CBB, que além de demonstrar a solidez da equipe, trouxe a todos que assistiram, o sentimento de confiança em relação à recém renovação do grupo de atletas e comissão técnica), no último mês, o basquete nacional adentrou em cenário repleto de incertezas e inseguranças.

Um conflito político entre as duas maiores entidades do basquete no Brasil (ao lado da LBF – Liga de Basquete Feminino), hoje, ameaça toda a cadeia associativa do esporte, construída às duras penas ao longo de quase 60 anos. O imbróglio teve início após a indicação realizada pela Confederação Brasileira de Basketball – CBB (entidade nacional de administração desportiva) do time da Liga Sorocabana de Basquete à disputa do Campeonato Sul-Americano de Basquete, organizado pela FIBA, ao invés do Club Athletico Paulistano, oitavo colocado no Novo Basquete Brasil – NBB de 2021 e, em tese, detentor da vaga. A partir disso, a Liga Nacional de Basquete – LNB, organizadora do NBB, questionou a indicação e requereu, em pedido liminar perante a Justiça Comum, a indicação do clube da capital paulista, ao alegar que a LSB, que hoje disputa a segunda-divisão do basquete nacional (CBC), estaria passando a frente de outras 11 equipes, as quais disputam a primeira divisão (NBB). Em resposta, a CBB ameaçou romper o Termo de Compromisso que autoriza desde 2009 a LNB a organizar o campeonato nacional, em assembleia a ser realizada em 14 de outubro.

Ainda que o termo original detivesse plena validade, em 2018 o documento assinado pelos presidentes das duas entidades – LNB e CBB – foi ratificado, confirmando e aprimorando pontos do documento original, em especial seu artigo 14, ao estabelecer que:

É prerrogativa da CBB, aqui reconhecida e acatada pela LNB, a indicação dos Clubes que representarão o Brasil em Campeonatos, Torneios ou Copas Internacionais. As indicações da CBB atenderão sempre aos critérios de meritocracia das equipes baseada em suas colocações exclusivamente nos campeonatos que a LNB realizar. A CBB observará ainda, para indicação de Clubes que representarão o Brasil em Campeonatos, Torneios ou Copas Internacionais, o estipulado nos Regulamentos e Estatuto da LNB: “em hipótese alguma uma equipe filiada à LNB pode participar de competição internacional oficial sem a indicação da LNB à CBB.”

Ora, em momento algum questiona-se a delegabilidade da CBB como entidade nacional de administração do desporto (ENAD), ao indicar as equipes a disputa de competições internacionais, porém não é de se estranhar a dúvida da LNB acerca do critério determinado pela entidade nacional de administração do desporto, ao oferecer a quarta vaga do campeonato sul-americano a equipe do São José Basketball, que a recusou e, então, à Liga Sorocabana de Basketball. Sob a ótica da LNB, isso seria uma ofensa direta ao princípio da prevalência, continuidade e estabilidade das competições (pro competitione), que contempla, acima de tudo, a valorização da competição. Tal princípio visa prevenir que a aplicação de sanções desportivas seja utilizada como meio para manipular as competições, valorizando e priorizando o resultado obtido em jogo.

A CBB argumenta também que a LNB vem reiteradamente desrespeitando suas obrigações e deveres previstos no Termo de Compromisso e em seus aditivos, bem como descumprindo seus deveres e obrigações estatutárias enquanto membro da CBB.

Ainda, em outra discussão, referente à governança das decisões jurídicas, no que se refere ao basquete brasileiro, foi suscitada uma vez que a LNB criou seu próprio STJD, o qual em tese, compete à CBB. O Clube de Regatas Flamengo foi o pivô da desavença, uma vez que provocou o tribunal da CBB para, ainda que subsidiariamente, julgar a legalidade do tribunal da LNB, que desde 2018 era uma comissão do STJD da CBB, mas em dezembro de 2021, foi recriado como órgão independente e passou a julgar demandas em instância recursal da sua própria Comissão Disciplinar.

No contexto do litígio, a CBB expôs o seu entendimento de que a criação do STJD da LNB, compromete a estrutura jurídica piramidal hierárquica prevista na Lei 9.615/98, argumento consubstancial a justificar a ruptura do Termo de Compromisso firmado em 2009 entre as entidades.

Por sua vez, a CBB entende que a Liga até poderia criar uma comissão disciplinar apta a realizar os julgamentos em um primeiro momento, mas os julgamentos em segunda instância precisam ser obrigatoriamente realizados pelo SJTD da CBB, reconhecida como ENAD, e que por ser filiada à CBB, a Liga não poderia entrar na Justiça Comum antes de esgotarem todos os recursos no STJD da Confederação. Além disto, antes do NBB começar, o Flamengo assinou ata da assembleia da Liga reconhecendo o tribunal da LNB como órgão disciplinar do torneio, o que gerou ainda mais incertezas.

Mas afinal, o que são a CBB e a LNB/NBB? O que as instituições representam ao basquete brasileiro?

A Confederação Brasileira de Basketball (CBB) é o órgão responsável pela organização e chancela dos eventos de basquete em âmbito nacional, representação e registros dos atletas profissionais de basquete no Brasil. É filiada à Federação Internacional de Basquete (FIBA) e ao Comitê Olímpico do Brasil (COB). Seu atual presidente é Guy Peixoto Jr, com a ex-jogadora Magic Paula como vice-presidente e Marcelo Sousa, diretor executivo da entidade.

A Federação Brasileira de Basketball, foi fundada em 25 de dezembro de 1933, no Rio de Janeiro e em assembleia, aprovada dia 26 de dezembro de 1941, passou ao nome atual: Confederação Brasileira de Basketball. Esta promoveu a Taça Brasil de Basquete Masculino (1965-89) disputada entre atletas da geração de ouro do basquete brasileiro bicampeão da FIBA World Cup e, posteriormente, o Campeonato Nacional de Basquete (1990-2008), sendo estas as principais competições basquetebolísticas do país.

Hoje, encontra-se em processo de reestruturação econômica e plena recuperação de sua credibilidade, em resposta às gestões anteriores péssimas – “destacando-se” a do ex-presidente Carlos Nunes. Entretanto, mesmo após a severa punição da FIBA em 2016, reúne plenas condições para a direção, promoção, organização e realização de Campeonatos Nacionais de Basquetebol, referentes às categorias masculinas e femininas de base (sub13 a sub23), 3×3, bem como no profissional masculino (CBC). Para tanto, em 2019, foi extinta a Liga Ouro, competição organizada pela LNB, reconhecida até então como a divisão de acesso ao NBB e criou-se o Campeonato Brasileiro de Clubes, organizado integralmente pela CBB.

A Liga Nacional de Basquete (LNB) foi fundada em dezembro de 2008, reunindo as principais lideranças e os mais representativos clubes do basquete brasileiro, com o objetivo de reconduzir o esporte ao posto de segundo mais popular do Brasil – e tem conseguido.

Atualmente a LNB conta com 22 clubes associados de sete Estados, incluindo-se o Distrito Federal, dos quais 18 participam do NBB. Tem como Presidente Delano Franco e como Vice-Presidente, Carlos Renato Donzelli.

O NBB, como já dito, necessita da chancela da Confederação Brasileira de Basketball (CBB) para ser realizado. Por outro lado, a LNB possui parcerias com a NBA (National Basketball Association), firmada em dezembro de 2014, sendo a primeira liga no mundo a ter a NBA como parceira e em 2017, ao seguir as mesmas expertises, a LNB realizou uma parceria com a Nike – patrocinadora oficial da CBB desde 2010, permitindo a possibilidade de fazer intercâmbios com centros de treinamento nos EUA, especialmente para os atletas jovens, dentre inúmeros outros benefícios.

Ademais, a obrigatoriedade de se comprovar o vínculo contratual entre a entidade de prática desportiva e o atleta, ou seja, a formalização do vínculo trabalhista e desportivo, por força da inclusão do art. 63, ao Regulamento Geral NBB 2016-17, foi uma grande conquista – ainda que, em tese, os atletas estivessem devidamente amparados pelo art. 28, parágrafo 5, da Lei Pelé. Além do referido dispositivo, houve a inclusão da Seção 2 – Certidão de Situação Regular de Valores Contratuais, instrumento desde então utilizado como garantia à comprovação de que técnicos, assistentes técnicos e atletas das equipes participantes do campeonato, estejam com seus contratos em devido cumprimento com a equipe contratante. No mesmo sentido, tem-se o art. 54, do Regulamento Geral do CBC de 2021, ainda que de certa forma omisso em relação à obrigatoriedade de comprovação do vínculo contratual, conclui-se que a preocupação com a segurança contratual se mostra atualizada, em ambas as entidades.

Destaca-se, também, a inclusão do art. 68, ao Regulamento NBB 2022-23, o qual descreve a implementação de um sistema similar ao gestãoweb da CBF:

Art. 68 – Somente poderão participar do NBB 2022/2023, os atletas regularmente inscritos em suas Federações, registrados na Confederação Brasileira de Basketball e que tenham sido inseridos na plataforma do Way-V, o que atesta a solicitação de inscrição na competição.

Outrossim, em janeiro deste ano, a CBB notificou às entidades federadas a ela que a FIBA deverá verificar todas as transferências internacionais, que deverão ser efetuadas por intermédio de um agente licenciado pela mesma Federação. Isso leva a crer que a criação de um sistema de registro para todos os atletas, ou a promoção da ideia da necessidade da padronização contratual, é uma realidade no basquete brasileiro atual e garante uma maior segurança jurídica a todos os profissionais do basquete.

No tocante à massificação do desporto (um dos preceitos basilares do Termo de Compromisso assinado entre as instituições), ambas realizam e já realizaram medidas necessárias, legítimas e ambiciosas. Ao longo da história, os campeonatos brasileiros chancelados pela CBB e LNB contaram com a participação de equipes de 11 estados diferentes. Em relação às categorias de base, tanto o LDB (sub22 – NBB/LNB) quanto todos os campeonatos chancelados pela CBB, destacando-se o atual Campeonato Brasileiro Interclubes, Campeonato Nacional (entre estados) e o 3×3, contemplam anualmente categorias sub14 a sub23, masculino e feminino! Competições, estas, consideradas como íntegras, sérias e que servem como oportunidades de mudar a vida de muitos jovens.

Sob o aspecto econômico, o NBB (bem aproveitando a era do marketing digital) foi inovador ao realizar diversas parcerias ao longo de suas edições, de modo a promover uma maior expansão e divulgação do basquete perante o mercado nacional, se comparado as últimas décadas (como por exemplo: televisão aberta, canais pagos ou de streaming, companhias aéreas, marcas). Além disso, promoveu um intercâmbio técnico e cultural em meio às pré-temporadas, permitindo aos times do NBB enfrentarem times da NBA e Euroleague. O mesmo já havia sido feito antes pela a CBB, mais precisamente em 1999, que possibilitou ao Vasco da Gama a oportunidade de enfrentar o San Antonio Spurs, comandando por um jovem Gregg Popovich e então campeão da NBA.

Destacam-se, ainda, as realizações do Torneio Intercontinental, a Copa Super 8 e o Torneio Interligas, concluindo-se, portanto, que a parceria da CBB com a LNB se apresenta como uma grande vitrine, seja para atletas quanto para técnicos.

Por fim, é preciso fazer a ressalva de que ambas as entidades apresentam políticas sérias, destacando-se o “CBB cuida”[1], “Her World, Her Rules”[2] e incontáveis inciativas em busca do desenvolvimento socioambiental por parte da LNB – os quais versam acerca do combate a comportamentos discriminatórios e em prol da manutenção da ética esportiva em suas competições. Tais fundamentos estão muito bem apresentados nos regulamentos de suas competições e códigos de ética.

De fato, a LNB com o NBB reergueu o basquete brasileiro financeiramente, mas principalmente buscou estabelecer a maior e mais estável cadeia associativa, bem como ecossistêmica, já existente no cenário nacional do basquete – hoje, em xeque. No entanto, é inegável reconhecer o desequilíbrio econômico referente à distribuição de público, volume de patrocinadores e distribuição de renda, ao comparar os campeonatos profissionais masculinos da LNB ao da CBB. O que justifica, em parte, a insatisfação atual da CBB.

Uma crise política interna como essa, coloca em risco a credibilidade de todo o basquete brasileiro sob a ótica da FIBA e das principais federações adstritas a ela que poderá, assim como o fez em 2016, aplicar punições e suspensões à CBB. Nesse cenário hipotético, atletas não teriam o mesmo interesse de defender equipes nacionais e podem dar preferências a propostas de clubes no exterior. Os campeonatos, se desvalorizados dessa forma, impactariam diretamente e de forma prejudicial a renda dos clubes, bem como derrubariam os valores de mercado dos atletas.

De todo modo, o desentendimento entre a CBB e LNB (que já é uma realidade há anos), bem como em face a extinta Nossa Liga de Basquete, enfraquecem o basquete brasileiro, outrora uma potência mundial.

Crédito imagem: CBB/Divulgação

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Ricardo Garcia Horta é advogado, bacharel em Direito pela Pontíficia Universidade Católica de São Paulo; Atualmente, é aluno da Pós-Graduação/Mestrado em Direito Desportivo na PUC – SP e mentorado pela FUTJUR.

[1]https://www.cbb.com.br/cbb-cuida

[2]https://www.cbb.com.br/noticia/2307/cbb-tem-projeto-de-apoio-ao-basquete-feminino-aprovado-pela-fiba-quot-her-world-her-rules-quot

 

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