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Mike Tyson x Jake Paul: o dilema do espetáculo esportivo x o risco da saúde dos atletas

Introdução

O influencer Jake Paul, 27 anos, fez seu nome na plataforma de mídia social Vine e Youtube, tendo estreado no boxe profissional em 2020. Sua luta de maior destaque até agora foi o confronto com Tommy Fury – irmão do ex-campeão dos pesos pesados do boxe Tyson Fury – em 2023, onde foi derrotado por decisão dividida.

Jake Paul havia declarado no passado que queria se concentrar em lutar com boxeadores de verdade para, eventualmente, competir por um título mundial. Em vez disso, ele lutará contra Mike Tyson, aposentado há muito tempo, ex-campeão dos pesos pesados e um dos melhores da história do boxe.

A última luta competitiva de Tyson foi uma derrota por nocaute técnico para Kevin McBride em junho de 2005. Tyson enfrentará Jake Paul em uma luta de boxe em 20 de julho, quando completará 58 anos.

Tyson retomou a carreira há 4 anos, quando participou de uma luta de exibição de oito rounds com Roy Jones Jr. em julho de 2020. Durante o auge de sua carreira, Tyson foi um dos lutadores mais temidos do boxe. Depois de cumprir menos de três anos de prisão por uma condenação por estupro entre 1992 e 1995, Tyson voltou aos ringues apenas cinco meses depois e, após duas vitórias, recuperou o título do WBC ao derrotar Frank Bruno em 1996.

O Departamento de Licenciamento e Regulamentação do Texas[1] confirmou que sancionará a luta entre Tyson e Paul como uma luta profissional com oito rounds de dois minutos e luvas de 14 onças, e o resultado afetará os registros profissionais de ambos.[2]

O que chama a atenção é a autorização de combate entre um atleta jovem de 27 anos e em plena atividade profissional e um ex-atleta, há muito aposentado, com quase 60 anos de idade e com histórico de saúde comprometida.

Idade x poder de nocaute

Em relação à saúde de ambos os atletas, o Departamento de Licenciamento e Regulamentação do Texas disse que analisará os exames médicos de cada competidor com médicos do ringue para garantir que eles estejam fisicamente aptos a competir.[3]

O órgão já havia licenciado Paul para lutar no Texas, enquanto Tyson apresentou recentemente seus formulários e exames médicos, informou o departamento. Além da idade e da saúde, o departamento disse que também considera o número total de lutas de qualquer lutador, a duração dos rounds, vitórias e derrotas e derrotas por nocaute (“especialmente nos 12 meses anteriores”), bem como os termos propostos ao considerar “a experiência – ou inexperiência – dos competidores”.

Tyson sofreu no passado com dores nos nervos, conhecidas como “ciática”, que podem colocá-lo em uma cadeira de rodas[4]. Sua última luta em 2020, com Paul na luta principal, tinha regras especiais, incluindo uma cláusula de “não nocaute” para proteger os lutadores[5].

No boxe, os lutadores geralmente competem em rounds de três minutos e usam luvas de 10 onças, o que significa que Tyson e Paul terão mais proteção e descanso do que em uma luta normal com as luvas de 14 onças e os rounds de dois minutos, sendo que rounds mais curtos serão mais fáceis para Tyson, que estará com 58 anos para a luta, enquanto as luvas mais pesadas podem fazer com que um soco clássico de Tyson tenha menos probabilidade de acertar com força devastadora.

Os nocautes foram o que fizeram de Mike Tyson uma lenda. Entretanto, como tudo na vida, a força necessária para conseguir esses nocautes e vitórias por paralisação desaparece com o tempo, à medida que o lutador envelhece.

Em idade avançada, a massa muscular de atletas naturalmente se deteriora um pouco; eles não conseguem treinar da mesma forma que antes, e as lesões também encontram uma maneira de afetar a potência que um boxeador pode gerar.

Quando essa potência desaparece e é necessária uma técnica maior para vencer, é quando um bom lutador se torna lendário ou é descartado como um atleta de um golpe só.

Tyson começou sua carreira nocauteando seus primeiros 19 adversários, sendo que 12 desses nocautes vieram no primeiro round. Tyson conseguiu sua primeira chance pelo título mundial em 1986, contra Trevor Berbick, que Tyson derrotou por nocaute técnico no segundo round.

Em 1987, Tyson se tornou o primeiro lutador a unificar os três cinturões dos pesos pesados ao derrotar o atual campeão da IBF, Tony Tucker, por decisão unânime, tornando-se campeão incontestável. Tyson defendeu seus títulos contra Larry Holmes, Michael Spinks, Frank Bruno e outros antes de ser derrotado pela primeira vez em 1990 por James “Buster” Douglas em uma das maiores reviravoltas da história do boxe.

Além dessa aparente remota possibilidade de nocaute por parte de Tyson, sua idade se apresenta como um fator preocupante: de acordo com um estudo da Association of Ringside Physicians[6], os atletas mais velhos correm um risco maior de “lesões neurológicas, ortopédicas e oftalmológicas” e precisam de cuidado extra ao serem liberados para a competição. Eles também observam que as “conquistas atléticas passadas” de um atleta pouco importam e que os reguladores devem se preocupar apenas com seu estado atual de saúde e condicionamento físico.[7]

São fatores importantes a serem considerados para a liberação de Tyson.

Considerações finais

Ambos, Tyson e Paul, são adultos conscientes e, se quiserem lutar e o Departamento do Texas aprovar Tyson com um atestado de saúde, então ninguém pode realmente impedi-los. Porém, muitos da comunidade da luta consideram a comissão estadual do Texas menos rigorosa do que a de outros estados que frequentemente sediam lutas.[8]

As Comissões Atléticas dos EUA existem com um objetivo principal, a proteção dos lutadores que elas regulam.[9] Porém, não é inédito que Comissões Atléticas sejam processadas com sucesso por danos quando negligentemente deixam de cumprir suas obrigações.[10]

Vale lembrar ainda que, no domingo, 27 de maio, Tyson passou por um susto médico, ficando enjoado e tonto em um voo de Miami para Los Angeles no domingo. No entanto, sua equipe declarou que o ex-campeão estava “muito bem” após o incidente que ocorreu pouco antes do pouso.[11]

Independentemente do risco envolvido, Tyson continua sendo um dos maiores nomes do planeta, não apenas no esporte. Também não há dúvida de que Jake Paul é uma das maiores estrelas da mídia social. O evento certamente gerará apelo mundial, não importando o que pensam os puristas do boxe.

Tyson ainda está em forma, mesmo em sua idade avançada, e ainda parece feroz nas manoplas. Se ele conseguirá derrotar Paul – que é um boxeador muito melhor do que se imagina – com o “queixo limitado” e as demais intercorrências ocasionadas pela idade e longa saga de combates, é outra história.

Nota: após a entrega do artigo, a mídia esportiva divulgou na sexta, 31/05, que a luta foi adiada indefinidamente. Durante uma consulta de acompanhamento na quinta-feira, 30/5, com profissionais da área médica para tratar sobre seu recente episódio de enfermidade, foi recomendado que Tyson fizesse apenas treinamento mínimo ou leve nas próximas semanas e depois retorne ao treinamento completo sem limitações.[12] Corroborando com o que trouxemos aqui, não parece ser adequada à saúde do ex-campeão a realização de tal combate, agora ou no futuro.

Crédito imagem: Divulgação

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[1] Órgão responsável pela regulamentação dos esportes de combate no estado norte-americano.

[2] https://x.com/MikeTyson/status/1784967107287134719.

[3] https://ge.globo.com/combate/noticia/2024/04/04/mike-tyson-tera-que-fazer-exames-para-lutar-com-jake-paul-entenda.ghtml.

[4] https://www.dailymail.co.uk/sport/sportsnews/article-11228117/Mike-Tyson-reveals-suffering-Sciatica-nerve-impacting-condition.html.

[5] https://www.sportingnews.com/us/boxing/news/mike-tyson-roy-jones-jr-rules-no-knockout-clause/p1iqx8eonr8f148b49xbo8z3e.

[6] A American Association of Professional Ringside Physicians (AAPRP) é uma organização de médicos que trabalham nos setores de boxe e artes marciais mistas (MMA). A organização inclui médicos de todo o mundo (cerca de 350 em 2005). Ver mais em: http://www.associationofringsidephysicians.org/.

[7] Bianchi D, Sethi NK, Velasco G, Qureshi UA, deWeber K. Care of The Older Fighter: Position Statement of the Association of Ringside Physicians. Phys Sportsmed. 2024 May 6:1-7. doi: 10.1080/00913847.2024.2344227. Epub ahead of print. PMID: 38708547.

[8] https://www.youtube.com/watch?v=EE7WbJJ1gpA.

[9] RODRIGUEZ, Robert G. The regulation of boxing: A history and comparative analysis of policies among American States. Carolina do Norte, EUA: McFarland & Company, Inc., Publishers, 2009.

[10] Isso ocorreu no caso Watson v British Boxing Board of Control. Em 1991, o boxeador Michael Watson teve um colapso no final de uma luta de 15 rounds contra Chris Eubank em Londres. Ele havia sido derrubado no 11º round, mas se recuperou rapidamente e foi autorizado a continuar. Ele recebeu atendimento médico no ringue no final da luta, mas só foi reanimado trinta minutos após o término da luta, depois de ser transferido para um hospital. Depois disso, ele foi transferido para outro hospital, onde foi submetido a uma cirurgia no cérebro, mas a essa altura já havia sofrido danos cerebrais permanentes. Watson alegou que o Conselho de Controle do Boxe Britânico (BBBC) tinha o dever de garantir que todas as medidas razoáveis fossem tomadas para fornecer atenção e tratamento médico imediato e eficaz no caso de ele sofrer uma lesão, e argumentou que o Conselho havia violado esse dever ao não fornecer tratamento de ressuscitação no ringue. O BBBC foi responsabilizado por não fornecer um sistema de assistência médica adequada no ringue.

[11] https://www.foxnews.com/sports/mike-tyson-suffers-medical-scare-flight-ahead-fight-jake-paul-reports.

[12] https://www.espn.com/boxing/story/_/id/40252311/mike-tyson-ulcer-forced-postpone-bout-vs-jake-paul

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