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Ministério Público acusa Flamengo de “coação” a sobreviventes do Ninho

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) acusa o Flamengo de tentar coagir os 16 sobreviventes do incêndio no Ninho do Urubu. Menos de um mês depois do curto-circuito que vitimou dez jogadores das categorias de base nas instalações do centro de treinamento rubro-negro, o Flamengo propôs pagar R$ 20 mil por danos morais para os sobreviventes. Os jovens e seus familiares teriam de renunciar ao direito de buscar na justiça o direito por quaisquer outros prejuízos que tivessem. Para o MPRJ, “o discurso de que os documentos deveriam ser imediatamente assinados deixava claro que se tratava de uma pré-condição para que os adolescentes permanecessem como atletas da base do clube”.

A cópia da minuta do Instrumento Particular de Transação, Quitação e Exoneração de Direitos e Responsabilidade e Outras Avenças, que serviu de modelo para a celebração de acordo entre o Flamengo e os jovens atletas sobreviventes, foi obtida pelo Lei em Campo através da Lei de Acesso à Informação e faz parte dos documentos anexados na petição do MPRJ que pede que o Flamengo seja condenado a pagar R$ 20 milhões em danos morais coletivos, e que foi ajuizada em fevereiro deste ano pelo órgão. O Lei em Campo tentou contato com Rodrigo Dunshee, vice-presidente Geral e Jurídico do Flamengo, e com a assessoria de comunicação do clube, mas não obteve retorno. Assim que responderem, este texto será atualizado.

É mais um golpe duro na defesa do clube, que viu sua situação piorar a partir da revelação pelo UOL de e-mails que mostram que funcionários do clube sabiam dos riscos das instalações do CT do Flamengo.

“Quem responde criminalmente é sempre a pessoa física. A pessoa jurídica responde civilmente, para reparação de danos. Pode haver dolo eventual, a depender da situação concreta”, analisa o advogado criminalista João Paulo Martinelli.

“Réu teria agido com coação e/ou com dolo”

Em outro trecho, o MPRJ acusa o Flamengo ao dizer que a tentativa de acordo é “uma situação clara e cristalina de vício do consentimento, em que o réu teria agido com coação e/ou com dolo para fins de inviabilizar que os jovens atletas sobreviventes pudessem preservar seus direitos”.

Os 16 sobreviventes são: Felipe Cardoso, Kennedy Lucas, João Vitor Gasparin Torrezan, Naydjel Callebe, Wendel Alves Gonçalves, Caike Duarte Pereira da Silva, Pablo Ruan, Cauan Emanuel, Francisco Dyogo, Jhonatha Cruz Ventura, Rayan Lucas, Kayque Soares, Gabriel de Castro, Samuel Barbosa, Felipe Chrysman e Jean Sales. Todos eles já chegaram a um acordo com o Flamengo. Mas o MPRJ quer a anulação de todos os acordos celebrados. “A estratégia do réu foi celebrar um acordo pelo menor valor que conseguisse, e em seguida, pretendeu adotar aquele valor menor como o parâmetro para todas as indenizações. Pretende se beneficiar de uma situação de desequilíbrio de poder e de informação com relação às vítimas”, diz outro trecho da petição do MPRJ.

Chance de anulação de acordos

A chance de anulação é concreta e pode trazer sérios riscos financeiros ao Flamengo, se o clube tiver de desembolsar quantias vultosas para encerrar a questão. “Todos os acordos podem ser rescindidos pelos atletas em virtude de fato novo, caso seja de interesse deles. O acordo foi formado sobre premissas que, neste momento, se mostraram falsas”, analisa o especialista em direito Vinicius Loureiro.

Na avaliação do órgão, o Flamengo cometeu uma série de ações e omissões que violaram o direito à integridade física, psicológica e à vida das vítimas e que causaram uma série de graves danos a vinte e seis jovens atletas e suas famílias.

“No caso do incêndio no CT, existe uma situação de culpa consciente e caracterizada como grave pela superposição de uma série de obrigações típicas do dever de cuidado que foram cumulativamente desrespeitadas pelo Flamengo. A configuração desse cenário de culpa grave e consciente fica evidente através da constatação de que o réu teve inúmeras oportunidades, ao longo de sete anos, de ajustar sua conduta e regularizar plenamente a situação de segurança no CT, mas não atendeu às obrigações legais de cumprimento de seus deveres de cuidado”, pontuou o Ministério Público do estado fluminense.

Neste caso específico, o problema maior foi a recusa do Flamengo em assinar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pela Promotoria da Infância e da Juventude ao clube.

Na ocasião, dentre as obrigações que o clube deveria ter estão um sistema de prevenção de incêndio certificado pelo Corpo de Bombeiros e um monitor por turno, para cada dez adolescentes residentes. Manter uma ambulância com equipe de suporte, não contratar jogadores menores de 14 anos também foram pedidos pelo MPRJ. Um dos pontos levantados pelo Ministério Público, porém, irritou o Flamengo: a obrigação de remunerar jogadores que tivessem o certificado de aprendizagem (aqueles entre 14 e 18 anos), com o pagamento mensal de um salário mínimo – na época, R$ 724.

Bandeira de Mello explica recusa por TAC

“Em primeiro lugar, a assinatura de um TAC não é obrigatória. Nesse caso, ela seria consequência de um acordo entre o Flamengo e o MP. Os termos propostos em grande número já eram atendidos pelo Flamengo. Em vários outros, o clube concordou com a proposta e apenas discordou respeitosamente daqueles que envolviam fixação de remuneração para os atletas, o que era e ainda é incompatível com a prática dos clubes brasileiros, sendo que o Flamengo defendeu a livre negociação entre as partes, de acordo com a constituição federal”, argumentou Eduardo Bandeira de Mello, então presidente do Flamengo.

Se assinasse o TAC e não cumprisse o acordado, o Flamengo estaria sujeito a multa diária e cumulativa de R$ 10 mil por infração e adolescente em situação irregular.

“Como você pode perceber pela data do documento de resposta do Flamengo (junho de 2014), essa decisão foi tomada pelo conselho diretor da época, do qual faziam parte o atual presidente do clube e vários vice-presidentes da atual gestão. Estamos falando principalmente dos VPs de planejamento, finanças e futebol da época, responsáveis pelas áreas que definiram os termos da negociação. Como consequência da não assinatura do TAC, foi instaurada a ação civil pública e iniciado o acompanhamento dos pontos contemplados na proposta de TAC. Ao longo do tempo, todos os relatórios de inspeção referentes à citada ação entregues ao clube até o final da nossa gestão comprovaram progressos nas condições dos atletas da base”, finalizou Bandeira de Mello.

O Ministério Público discordou da posição do Flamengo e chamou as instalações do CT de precárias. Assim, em 2015, ajuizou uma ação de interdição do local, pedindo a melhoria da condição das instalações dos dormitórios e a definição de um protocolo adequado para o tratamento de emergências.

“Com a recusa à assinatura do TAC, o Flamengo se colocou em uma situação de conduta perigosa e precipitada, na medida em que resolveu prosseguir na condução de suas atividades de operador de futebol da base e na condição de guardião de dezenas de jovens atletas sem que fossem imediatamente cumpridos todos os protocolos de segurança para a proteção dos direitos dos adolescentes alojados”, disparou o Ministério Público.

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