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Multi-Club Ownership: A (im)possibilidade de participação em competições europeias e sul-americanas

Por Pedro Juncal

INTRODUÇÃO E HISTÓRICO

“Multi-Club Ownership” (MCO) se refere à aquisição ou controle de múltiplos clubes por uma mesma pessoa, seja ela jurídica ou física, diretamente ou por meio de um intermediário.

Recentemente, o fundo de investimento City Football Group, um dos maiores “players” no mercado de Mergers & Acquisitions (M&A) do futebol, cujo já era proprietário do Montenvideo City Torque, do Uruguai, adquiriu o Club Bolívar[1], da Bolívia, tornando-se controlador do seu segundo clube em solo sul-americano.

Apesar da prática de M&A no futebol ter ficado bastante conhecido na última década, devido aos investimentos feitos por grandes empresas como a RedBull e fundos de investimento como o City Football Group, o seu surgimento se deu nos anos 90, notadamente com a English National Investment Company (ENIC), a qual adquiriu o controle dos clubes AEK Athenas (Grécia), SK Slavia Praga (República Tcheca) e Vicenza Calcio (Itália).

O investimento da ENIC deu certo e os três clubes acima citados se classificaram para as quartas de finais da Copa da UEFA de 1997-1998, o que chamou a atenção da entidade e de todos os stakeholders do mundo do futebol, levantando questionamentos sobre o conflito de interesses e a integridade do jogo.

Foi deste modo que os regramentos sobre o MCO passaram a ser promulgados e, especificamente no futebol, a UEFA decidiu por promulgar a resolução chamada “Integrity of the UEFA Club Competitions: Independence of Clubs”[2], a qual proibia a participação de mais de um clube do mesmo influenciador ou controlador.

Tal resolução foi prontamente levada ao Tribunal Arbitral du Sport (TAS) pelo AEK Athenes e Slavia Praga[3], que haviam se classificado para a Copa da UEFA da temporada seguinte, os quais solicitaram a nulidade da resolução, sob fundamento de que esta violaria as leis de concorrência da União Europeia, de modo que restringiria o acesso de potenciais investidores e de que não haveria conflito de interesses.

Por outro lado, a UEFA alegava se tratar de uma resolução puramente desportiva, a qual almejava garantir a integridade das competições de futebol europeias.

De acordo com o painel do TAS, mesmo que os donos, diretores e executivos sempre agissem de acordo com as leis, haveria situações nas quais o interesse econômico estaria em conflito com a necessidade esportiva aos olhos do público e da autenticidade dos resultados.

Ademais, o painel entendeu que, na verdade, a resolução da UEFA objetivava apenas preservar a incerteza dos resultados e evitar episódios de conflito de interesses, não violando as leis de concorrência da União Europeia, mas sim as consagrando, já que impediria a concentração de clubes em poucas mãos.

COMPETIÇÕES EUROPEIAS

Autorizada pela Corte máxima do esporte, tal qual pela Comissão Europeia, a UEFA se viu protegida para desenvolver as regras sobre a integridade das suas competições no que diz respeito aos proprietários dos clubes participantes.

Atualmente a entidade, visando garantir a integridade das competições, dispõe, nos artigos 5.01 dos Regulamentos da Champions League[4] e da Europa League[5], que ninguém terá, direta ou indiretamente, capacidade de manejar ou administrar, tampouco controlar ou influenciar mais de um clube participante ao mesmo tempo.

Em 2017, o Red Bull Salzburg (Áustria) e o Red Bull Leipzig (Alemanha) se classificaram para a UEFA Champions League, o que gerou uma investigação por parte da UEFA e que poderia levar à impossibilidade de participação do time alemão[6].

A UEFA divulgou[7], porém, que após mudanças estruturais e governamentais realizadas em ambos os clubes, nenhuma entidade ou individuo detinha uma influência decisiva sobre mais de um clube.

Percebe-se que a UEFA adotou um critério pouco conclusivo e até certo ponto subjetivo, podendo-se dizer que até fugindo da regulamentação da competição. Não obstante, a entidade tentou demonstrar firmeza ao solicitar que mudanças estruturais e governamentais fossem realizadas em ambos os clubes, almejando garantir a integridade da competição.

COMPETIÇÕES SUL-AMERICANAS

Em solo sul-americano, cuja competência é da Conmebol, as disposições sobre a propriedade e controle dos clubes participantes não diferem muito das europeias, prevendo, na tabela IV (critérios jurídicos), nº J.03, do Regulamento de Licença de Clubes[8], que o solicitante da licença:

“…deve apresentar uma declaração juridicamente válida que descreva a estrutura da propriedade e o mecanismo de controle do clube e que confirma que nenhuma pessoa física ou jurídica implicada na gestão, administração e/ou atuação esportiva do clube direta ou indiretamente:

a) Possui ou negocie títulos ou valores de nenhum outro clube que participa da mesma competição; ou

b) Possui a maioria dos direitos de voto dos acionistas de qualquer outro clube que participa da mesma competição; ou

c) Tem o direito de designar ou suspender a uma maioria dos membros dos órgãos de administração, gestão ou supervisão de qualquer outro clube que participa da mesma competição; ou

d) É acionista e controla uma maioria dos direitos de coto dos acionistas de qualquer outro clube que participa da mesma competição em conformidade com o acordo assinado com outros acionistas do clube do qual se trate; ou

e) É membro de qualquer outro clube que participa da mesma competição; ou

f) Está implicada em nenhuma qualidade na gestão, administração e/ou atuação esportiva de qualquer outro clube que participa da mesma competição; ou

g) Tem qualquer tipo de poder na gestão, administração e/ou atuação esportiva de qualquer outro clube que participa da mesma competição.”

A inexistência de casos práticos faz com que não tenhamos uma definição mais específica sobre critérios de análise acerca do que seria em território sul-americano.

É possível que a Conmebol adote um posicionamento parecido com o da UEFA e permita, caso venha a ocorrer, que ambos Montevideo City Torque e Club Bolívar participem de uma mesma competição no futuro.

À priori, porém, pela literalidade da regulamentação e pela defesa à integridade das competições, não há a possibilidade de clubes controlados pelo mesmo grupo ou pessoa participarem de uma mesma competição sul-americana.

CONCLUSÃO

A possibilidade dos clubes de mesmos controladores ou proprietários atuarem nas mesmas competições deve ser analisada com bastante cautela.

Ainda que a possibilidade de manipulação de resultados não seja forte em competições do nível em questão, como citado pelo TAS, o conflito de interesses vai muito além. Trata-se de garantir a autenticidade dos resultados, de garantir, aos olhos dos consumidores (público) que não haverá conflito econômico e esportivo.

A única certeza é a necessidade de definições mais precisas, que não necessariamente deverão vir das entidades, mas quem sabe do próprio Tribunal Arbitral du Sport, que possibilitem e facilitem a compreensão de quando clubes controlados pela mesma pessoa poderão competir entre si ou na mesma competição.

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[1] https://leiemcampo.com.br/visando-o-ano-do-centenario-bolivar-passa-a-fazer-parte-do-city-football-group/

[2] Tradução livre: “Integridade das competições de clubes da Uefa: Independência dos clubes”.

[3] http://jurisprudence.tas-cas.org/Shared%20Documents/200.pdf

[4] https://documents.uefa.com/r/Regulations-of-the-UEFA-Champions-League-2020/21-Online

[5] https://documents.uefa.com/r/Regulations-of-the-UEFA-Europa-League-2020/21-Online

[6] De acordo com o art. 5.02, b, do Regulamento da Champions League, caso os clubes não consigam cumprir o requisito do art. 5.01, o clube que ficou melhor ranqueado na competição nacional que o classificou para a competição seria o admitido a participar.

[7] https://www.uefa.com/news/023a-0f8e547c3c4e-b72e21e04486-1000–salzburg-and-leipzig-admitted-into-uefa-champions-league/?redirectFromOrg=true&referrer=%2Finsideuefa%2Fdisciplinary%2Fnews%2Fnewsid%3D2480339

[8] http://www.conmebol.com/sites/default/files/reglamento-de-licencia-de-clubes-portugues.pdf

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