Na última semana, foi amplamente noticiada a possibilidade de o Cruzeiro sofrer severas sanções da FIFA pelo não pagamento de montante devido pela aquisição de direitos econômicos de um jogador. Em maio, o clube já havia enfrentado situação similar, que culminou na perda de seis pontos no Campeonato Brasileiro da Série B pelo mesmo motivo, em decorrência de débito relativo à contratação de outro atleta.
Mas o texto de hoje não é sobre o Cruzeiro, gigante clube brasileiro cuja tradição dispensa comentários. Partimos desses dois casos concretos, ambos de conhecimento público, para tratar de tema que deveria ser de primeira ordem em toda e qualquer entidade esportiva: boas práticas de gestão.
Durante muito tempo, acostumamo-nos a ver equipes vencedoras dentro de campo de forma dissociada da estrutura do clube. Os resultados de campo nem sempre seguiam (nem necessariamente seguem) a lógica segundo a qual “o clube mais organizado ganha”, ou “o clube que tem mais recursos disponíveis vence”. Trata-se de elemento natural do esporte, que tem na imprevisibilidade do resultado sua essência. Em outras palavras, o esporte é especial porque não sabemos o resultado das competições; e o futebol é apaixonante porque essa imprevisibilidade é ainda mais latente.
Fato é que, por muito tempo, a impossibilidade de associação direta entre boas práticas de gestão e conquista de títulos fez o público, em geral, fechar os olhos para a relação existente entre esses dois fatores. Há pouco tempo, o torcedor médio não hesitaria em escolher a vitória a qualquer custo, ainda que baseada em contratações e salários muito acima da capacidade financeira do clube. Não havia uma noção mais clara dos possíveis efeitos dessa prática – por muitos denominada “doping financeiro” – no longo prazo.
Mas não era propriamente um problema que o torcedor tivesse essa visão: é preciso ter em conta que ele é um apaixonado por seu clube, envolvido de forma exclusivamente emocional com o time que o representa. O problema residia (e, infelizmente, em alguns casos parece ainda residir) no fato de clubes ainda serem geridos com base nessa premissa da “(tentativa de) vitória a qualquer custo”. Enquanto na Europa desenvolviam-se importantes mecanismos como o sistema de licenciamento e o fair play financeiro, por aqui seguimos por muito tempo “tolerando” gestões irresponsáveis em troca do suposto fortalecimento técnico da equipe.
Recentemente, algo parece ter começado a mudar. Nos últimos anos, tornaram-se muito mais comuns manifestações contrárias aos gastos irresponsáveis; a saúde financeira dos clubes (inclusive quanto ao volume de endividamento e à capacidade de geração de receitas) foi incluída de forma definitiva nos debates sobre futebol, entre especialistas ou mesmo torcedores; e termos como “governança” e “compliance” passaram a integrar a pauta (de parte) dos clubes. E os exemplos produzidos pelo futebol brasileiro foram fundamentais para esse princípio de mudança de cultura.
Para tratar desses exemplos, usamos como base recente estudo elaborado por Cesar Grafietti, que promove a análise econômico-financeira de vinte e quatro clubes brasileiros. Já em seu início, destacam-se três clubes com ótima saúde financeira: “Flamengo, Palmeiras e Grêmio deixaram rivais para trás, cada um ao seu modo”. Não por acaso, nesse rol de clubes encontram-se os campeões de três dos últimos quatro campeonatos brasileiros, e de duas das últimas três Copas Libertadores – uma evidência clara da associação entre gestão e resultados esportivos.
Mas os exemplos não se restringem a eles: “Agora é possível ver o Athletico, o Bahia, o Fortaleza, Ceará e Goiás com possibilidades reais de tornarem a Série A seu habitat natural. A força da gestão ocupa espaço de clubes que já não suportam o peso dos erros do passado (…) nem da má gestão do presente”. E o estudo conclui: “Mas será sempre futebol. E sempre será possível montar um time que conquiste, mesmo com erros de gestão. Sempre será possível desafiar os organizados e se colocar entre eles nas primeiras colocações do Campeonato Brasileiro, ou chegar a uma final de Copa do Brasil. Mas conforme o tempo passa, estes serão cada vez mais exceção que regra.”
De fato, conforme já exposto, o futebol jamais estará imune à imprevisibilidade do resultado. Possuir uma boa gestão não assegura a conquista de títulos. Porém, sem nenhuma dúvida, amplia consideravelmente as chances de disputa-los. Portanto, há uma relação clara (e inevitável) entre a boa gestão de um clube e a ampliação das chances de consistentemente obter melhores resultados esportivos, conforme demonstram os exemplos positivos acima destacados.
Em paralelo, há os exemplos negativos, mostrando a outra face da mesma moeda. Clubes que (ainda) não buscaram uma gestão mais profissional, ou que se atentaram para isso de forma mais tardia, sofrem dentro e fora dos campos. Pior: sujeitam-se a sanções aplicadas pela FIFA ou mesmo pela CBF, decorrentes de problemas financeiros, mas que afetam diretamente o desempenho esportivo – podendo culminar com perda de pontos ou mesmo com rebaixamento.
É certo que ainda há muito a evoluir. Mesmo os clubes que já vêm trilhando o caminho das boas práticas de gestão ainda têm um longo percurso pela frente. Conceitos e práticas de governança corporativa e de compliance ainda carecem de maior desenvolvimento e aplicação no ambiente esportivo. Mas os sinais de evolução – ainda que possam ser considerados pontuais e não necessariamente estruturais – são claros.
Mais do que isso, os exemplos, positivos ou negativos, estão consolidados. O público em geral, os especialistas e até os torcedores em relação a seus próprios clubes de coração, mesmo com toda a paixão envolvida, já perceberam a importância da aplicação de boas práticas de gestão. Trata-se de um caminho sem volta: cabe aos clubes observar esses preceitos de forma incondicional, não apenas pelos aspectos extracampo, mas também pelos efeitos produzidos dentro dele. Quem não seguir esse percurso, possivelmente ficará pelo caminho, seja pela falta de competitividade nas quatro linhas, seja pelas sanções que podem culminar em rebaixamento sem que se sequer se entre em campo.