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Na marca do pênalti: A influência da mídia e o direito a um julgamento justo

A Operação “Penalidade Máxima”, deflagrada pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), abalou o futebol brasileiro. Trouxe à tona uma questão debatida nos bastidores, mas que sempre esbarrava em óbices para um enfrentamento direto e com mais vigor.

Falar de manipulação de resultados esportivos não é novidade alguma, todos sempre terão uma história para contar sobre a suspeita de este ou aquele atleta haver “entregado”, inclusive, mais recentemente (em 2005), vivenciou-se isso com a denominada “Máfia do Apito[1].

Recordo-me que escrevi sobre o assunto ao comentar o artigo 41-C, do Estatuto do Torcedor, em livro lançado em 2013, e assim dizia:

A corrupção em modalidades esportivas não é nenhuma novidade, não somente no âmbito do futebol. A maioria dos boatos que se escuta mantém relação direta com apostas, ou seja, um meio de obter dinheiro ludibriando aos torcedores que criam presenciar e assistir uma performance limpa e séria.

O futebol conhece muitíssimo este assunto. Em 1982, a seleção italiana foi para a Copa do Mundo, realizada na Espanha, abalada com notícias de que seus principais clubes e jogadores estariam envoltos em esquemas de facilitação em determinadas partidas para atender a anseios de apostadores. Este episódio s repetiu na temporada 2004-2005, no famoso calciopoli, quando, inclusive, a maior agremiação italiana, a Juventus, “La Vecchia Signora” foi condenada ao descenso e viu o bicampeonato do scudetto ir para em mãos neroazzuri da Internazionale de Milão.

Muitos outros exemplos poderiam ser aqui lançados, de fato, este é um dos temas mais discutidos atualmente na Europa, principalmente, porque no Velho Continente as nações admitem as casas de apostas como atividade lícita.

(…)

A edição da Lei n°12.299/2010, que alterou o Estatuto do Torcedor, trouxe dispositivos mais rigorosos em relação à corrupção no Esporte, muito provavelmente, por força da denominada (e já tão decantada nestes Comentários) “Máfia do Apito”.

Assim sendo, apesar do Brasil ingressar no combate à corrupção no esporte, diga-se, é preciso registrar que a mera existência da Lei não assegurará ao torcedor que sempre assistirá a disputas limpas e honestas.

É necessário que o Poder Judiciário, a Polícia Judiciária, o Ministério Público, o Poder Executivos, as entidades de administração do esporte, os Tribunais Desportivos possam se envolver no combate aos que propagam a corrupção, caso contrário, esta será mais uma lei inaplicável e intangível à realidade.[2]

Pareceu-me oportuno reavivar o que escrevi algures, porque se adequa aos tempos de hoje quase que com diminutos retoques. Ou seja, nesses últimos 10 anos avançamos muito pouco no combate à manipulação de resultados.

Os casos que aqui comento, ao meu sentir, nascem da ausência de controle, verdadeiro estado de anomia, que se viveu no país após a autorização do funcionamento das casas de apostas, sem efetiva regulamentação e fiscalização.

Não quero, todavia, adentrar nesse tema agora, mas, debater o primeiro reflexo deste caso no âmbito desportivo: o julgamento.

Tem-se divulgado que o e. STJD do Futebol, após receber informações do MPGO, encaminhou à Procuradoria de Justiça Desportiva, que ofereceu denúncia e pediu a suspensão cautelar dos oito atletas denunciados até o julgamento do feito. O Presidente do referido colegiado desportivo, assim decidiu:

 A inicial acusatória é peça processual de inquestionável fôlego, tendo pormenorizado com esmero e precisão as condutas imputadas a cada um dos acusados, de forma individualizada; estando todos os fatos lançados, arrimados em provas, que serão ainda submetidas ao crivo do contraditório, mas que no mínimo, indiciam desde logo, em juízo de delibação prévia, a materialidade e a autoria das infrações gravíssimas que estão inquinadas. As violações, os prejuízos ao desporto, e suas repercussões, são graves o suficiente para justificar a medida excepcional de suspensão preventiva dos Denunciados, mas não na forma requerida pela Procuradoria, à mingua de arrimo legal. Com efeito, a legislação não permite que a suspensão preventiva perdure até o julgamento da denúncia, devendo obrigatoriamente ficar limitada a 30 dias. (…)

Gizei uma expressão empregada pelo douto julgador porque me chama a atenção algumas questões precedentes à demanda disciplinar, que podem interferir num julgamento equânime e justo.

Um dos grandes problemas que se identifica em processos rumorosos, sobretudo os sancionatórios, é a influência do poder da mídia na formação de opinião pública e no posicionamento de julgadores, seja por se formar um pré-conceito sobre o acusado (antecipar-lhe a condenação pelo tribunal da internet, por exemplo) ou constranger quem vai apreciar a causa (visando obter-se um resultado).

Desde que houve a deflagração da Operação “Penalidade Máxima”, a imprensa tem sido alimentada com provas que forram os autos e empregando-as em diversas matérias jornalísticas. Muitas destas não são concebidas com imparcialidade e conduzem os seus espectadores numa linha de raciocínio, a uma conclusão que passa a ser entendida como verdadeiro axioma.

O grande risco que padece um réu nesses casos é ver o processo ao qual é submetido ser apenas uma formalização de algo que todos já sabem. Como se fosse mero cumprimento de procedimentos, para que não se alegue violência a garantia constitucional (devido processo legal), quando, em verdade, ela já ocorre da pior maneira (juízo antecipado de culpa).

Como bem pontuou a Professora Deise Araújo Barbosa, a influência perniciosa exercida pelos meios de comunicação manifesta-se, também, pelos fatos que estes deixam de enunciar, além daqueles efetivamente expostos, alienando o espectador a um olhar unilateral do problema noticiado, gerando neste uma cólera punitiva e furtando ao investigado o direito de voz.[3]

Francesco Carnelutti, ao comentar sobre o processo penal, dizia que a formação do juízo penal segue a ordem da tríada lógica: tese, antítese e síntese; tendo último como sendo o papel do juiz. Prossegue, ainda, asseverando que a uma paixão é necessário contrapor outra para alcançar a serenidade; visto que a acusação tende fatalmente a separar-se da linha reta, é necessária uma força igual e contrária para corrigir o desvio[4]. E, por fim, caberá ao julgador, serenamente, depurar as paixões e aplicar a melhor razão.

Voltando olhares ao caso em apreço, há um reclame constitucional, para que os julgadores ao apreciar o caso não se deixem enredar pelo viram ou ouviram ou leram; o processo deve ser compreendido em sua dimensão tal qual posto nos autos, livre de pressões e presunções.

Há uma realidade, muito própria do processo penal, contudo, não se distancia de processos sancionatórios de outra natureza (como a desportiva), como nos relembra Albert Binder: a realidade mostra-nos que existe uma presunção de culpabilidade e que aquelas que são submetidos a processo são tratados como culpados; em muitas ocasiões, por falhas do procedimento, a sociedade “deve deixar sair”, apesar de “já” terem sido “condenados” pela denúncia ou pelos meios de comunicação de massa.[5]

Externo a preocupação de que se proceda a um julgamento mais justo, despindo-se de influência externa, posto que já se revela uma disparidade de armas no que tange à formação da prova. Assim, o zelo dos julgadores em distanciar-se de qualquer danosa influência ao juízo que farão do que lhe apresentarão as partes será essencial na perseguição da justiça.

Os órgãos judicantes, no caso o STJD – por meio dos seus órgãos fracionários, Comissão Disciplinar e Tribunal Pleno – terá uma árdua missão de investigar as provas já trazidas pelo MPGO e aqueloutras produzidas na sessão de instrução e julgamento.

Somente buscando essa independência e autonomia, não se deixando atar pelo fato de existir um processo penal é que o STJD promoverá um julgamento justo, fazendo jus à sua história e ao comando constitucional.

Não podem os atletas denunciados aportarem como condenados à espera apenas da confirmação por meio de decisão formal. Eles são partes e podem contribuir com a materialização da justiça. Porém, de nada valerá o seu esforço, se houver qualquer dos julgadores cedido às pressões da mídia ou da (suposta) opinião popular.

Causam preocupação os inflamados discursos que propugnam uma “punição exemplar” ou se que apoiam em valores morais para lastrear condenações pesadas. Nunca isso solucionou nada em absoluto, seja no âmbito do desporto ou até mesmo no criminal, onde se escuta com contumácia.

Bom senso, serenidade e firmeza na lei. Esses são os ingredientes que permitirão transmitir à sociedade a tranquilidade em relação ao resultado do julgamento. Condene-se ou absolva-se, o resultado não deve preponderar, e sim o meio como ele se construiu. Aí reside a grandeza dos órgão julgadores.

O momento é ideal para que se promovam tais reflexões, pois o processo está apenas no seu começo, embora seja célere, é dotado de considerável complexidade, deve primar pela profundidade na colheita de provas e na serenidade no apreciar dos pedidos ali deduzidos.

O caso marcará a Justiça Desportiva brasileira. Muito se espera destes homens e mulheres que doam seu tempo para a justiça do futebol nacional. Tenho a convicção que sairão ainda maiores quando do desfecho dos julgamentos, devendo pura e tão somente não se enredar nos ecos da mídia ou das pressões das redes sociais.

Que o CBJD, em especial os seus princípios, sirvam de norte nesta árdua missão!

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] Para os que não se recordam ou desconhecem, esse foi um esquema descoberto que envolveu árbitro de futebol, destacando-se Edilson Pereira da Silva, que levou o STJD do Futebol a anular diversos jogos do Campeonato Brasileiro daquele ano.

[2] JORDÃO, Milton e SOUZA, Gustavo L. P. de. Comentários ao Estatuto do Torcedor – Lei n° 10.671/2003. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2013, p. 135/136.

[3] BARBOSA, Deise Araújo. A influência da mídia nos processos judiciais criminais., in: Revista Acadêmica Escola Superior do Ministério Público do Ceará. Disponível em: < ARTIGO-1.pdf (mpce.mp.br)>, acessando em 17 de maio de 2023.

[4] Carnelutti, Francesco. Lições sobre o Processo Penal, volume 1. Campinas: Bookseller, 2004, p. 221.

[5] Binder. Alberto M.. Introdução ao Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 91.

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