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Na pista: a estrutura federativa do automobilismo

O entendimento das relações jurídicas no esporte, em geral, requer a compreensão das estruturas que o permeiam. Por isso, hoje vamos apresentar de que forma se estrutura o automobilismo no Brasil, dando início à abordagem voltada para as especificidades desse esporte. Mas antes de chegarmos a elas, é prudente trazer uma breve síntese de algumas noções básicas do Direito Desportivo fundamentais para a compreensão do tema.

De início, deve-se ter em conta que a organização do esporte de alto rendimento em um país é comumente regida por dois sistemas jurídicos distintos. O primeiro deles é a legislação nacional[1]; isto é, as normas que emanam do Estado (aí incluídos, no caso do Brasil, a União, os estados e os municípios, conforme suas competências legislativas). O segundo denomina-se Lex Sportiva; apesar da expressão em latim, trata-se de sistema de fácil entendimento: ele compreende as regras criadas pelas próprias entidades esportivas.

Tomemos como exemplo, claro, o automobilismo. Sob o prisma estatal, ele está sujeito às regras contidas, por exemplo, na Lei nº 9.615/98 (popularmente conhecida por “Lei Pelé”). No que tange à Lex Sportiva, o automobilismo é regulado pelas normas contidas nos estatutos e regulamentos das entidades responsáveis pela administração do esporte: em nível mundial, a FIA (Federation Internationale de L’Automobile); em nível nacional, a CBA (Confederação Brasileira de Automobilismo); em nível estadual, a federação do respectivo estado.

É a Lex Sportiva que estabelece, diretamente, as “regras do jogo”: as regras técnicas de cada competição, as cores e significados das bandeiras que podem ser apresentadas durante a corrida, as condutas que implicam em advertência ou desclassificação de um piloto, etc. Mas esse sistema não se limita a isso, tratando também da regulação do esporte fora das pistas – homologação de circuitos, organização de campeonatos, emissão de licenças aos pilotos, dentre tantos outros aspectos. E tudo isso, repita-se, por meio de normas estabelecidas pelas entidades de administração acima referidas.

Essas entidades compõem a estrutura federativa do automobilismo por meio de filiações sucessivas em regime de monopólio, elemento típico da Lex Sportiva. O estatuto da FIA, por meio de seu Artigo 4.2, confere a apenas uma entidade de cada país o “poder esportivo”, isto é, a autoridade de administrar o automobilismo (no plano esportivo) em seu território e tornar efetivas no país as normas da FIA. No Brasil, este papel é desempenhado pela CBA, que se enquadra na legislação nacional como “entidade nacional de administração do desporto” (artigo 13, parágrafo único, inciso III da Lei Pelé). As federações estaduais de automobilismo, por sua vez, caracterizam-se como “entidades regionais de administração do desporto”, na forma do inciso IV do mesmo dispositivo legal.

Portanto, em resumo, assim o sistema se constitui: as federações filiam-se à CBA, concordando em observar todas as normas por ela editadas; a CBA torna-se membro da FIA, também anuindo com as regras por ela estabelecidas; logo, indiretamente, as federações são obrigadas a seguir as regras determinadas pela FIA. Trata-se da “clássica” estrutura federativa formada na maioria absoluta dos esportes (se não todos), baseada em sistema associativo voluntário (ou seja, as pessoas, físicas ou jurídicas, voluntariamente concordam em se associar às entidades hierarquicamente superiores) que vincula os integrantes à observância da Lex Sportiva.

Nessa estruturação, destaca-se um princípio fundamental do Direito Desportivo: a autonomia das entidades esportivas. Consagrado como um dos pilares da Lex Sportiva, este princípio é reconhecido também pela Constituição Federal: o inciso I do artigo 217 preserva “a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento”. Significa dizer que a CBA e as federações estaduais (bem como todas as entidades esportivas), em princípio, não podem sofrer intervenção externa sobre sua organização e seu funcionamento.

Contudo, ressalta-se que essa autonomia não equivale à dispensa de cumprimento dos requisitos legais básicos que lhes são aplicáveis. Se a entidade é constituída sob a natureza jurídica de associação civil, deve seguir os ditames dos artigos 53 a 61 do Código Civil. E independentemente da forma como se organizem, as entidades de administração do desporto precisam constituir seus respectivos órgãos de Justiça Desportiva, nos termos dos artigos 49 a 55 da Lei Pelé. Estes são apenas dois exemplos, mas fato é que se deve estar atento à legislação em vigor para que a entidade esteja sempre adaptada a seus preceitos mínimos.

Enfim, por todo o exposto, percebe-se que, quanto à estrutura federativa, o automobilismo não se diferencia de forma clara dos demais esportes, seguindo basicamente a mesma forma de composição e também os princípios consagrados na Lex Sportiva. A partir dessa compreensão, será possível examinar aspectos específicos e distintivos do automobilismo nas próximas semanas. Até lá!

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[1] É necessário observar também eventuais sistemas jurídicos comunitários. Por exemplo, nos países que integram a União Europeia, além da legislação nacional deve-se ter em conta também a legislação da União Europeia.

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