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Na pista: o peso do sucesso na Stock Car e o princípio da paridade de armas

No esporte em geral, é comum que os principais atletas e equipes sejam os “adversários a serem batidos”. Os líderes de um campeonato são acompanhados de perto pelos rivais, que almejam justamente alcançar essas posições no topo da classificação. Daí decorre o peso do sucesso (em sentido figurado) de um atleta ou de uma equipe, traduzido por um dos grandes clichês esportivos: alcançar o topo é difícil, mas ainda mais duro é manter-se nele.

Na corrida realizada em Interlagos no último sábado, a Stock Car inaugurou um novo significado do peso do sucesso. E ele não poderia ser mais literal: os líderes do campeonato utilizam peso adicional em seus carros, o que representa desvantagem técnica em relação aos demais competidores. Essa prática decorre de inovações contidas no Regulamento Desportivo do Campeonato Brasileiro de Stock Car 2020, especialmente em seu Artigo 24, denominado “Da Competitividade”. O título do artigo já denota seu objetivo de promover ainda mais competitividade ao campeonato, e seu conteúdo prevê duas formas distintas de fazê-lo.

O art. 24.1 e seus respectivos subitens são aqueles que estabelecem o que chamamos acima de “peso do sucesso”; tecnicamente, a iniciativa é denominada pelo regulamento como “lastro de sucesso pela posição no campeonato”. Os cinco primeiros colocados no campeonato de pilotos são obrigados a utilizar lastro em seus carros na etapa seguinte da competição, observados os seguintes pesos mínimos adicionais aos carros de cada piloto: 1º colocado – 30kg; 2º colocado – 25kg; 3º colocado – 20kg; 4º colocado – 15kg; e 5º colocado – 10kg. As únicas exceções a essa regra são as etapas da Corrida do Milhão (realizada no último domingo, também em Interlagos) e a Prova Final, nas quais não se aplica o art. 24.1.

O segundo mecanismo de promoção da competitividade no campeonato encontra-se no art. 24.2, e ele decorre de uma novidade da Stock Car 2020: a presença de carros de duas montadoras (Chevrolet e Toyota, referidas nos regulamentos da categoria como “marcas”) distintas no grid. Nesse sentido, estabelece-se um “Ranking de Marcas”, no qual se somam os pontos obtidos pelos dois melhores colocados usando carros de cada marca em cada prova. Se a diferença entre as marcas alcançar 30 pontos ou mais, os carros da marca em desvantagem podem se utilizar do Pacote Técnico nº 1 definido no Artigo 26 do Regulamento Técnico da Stock Car 2020 na etapa seguinte. E caso ainda assim se mantenha a diferença de 30 ou mais pontos, autoriza-se a utilização do Pacote Técnico nº 2 (também estabelecido pelo Artigo 26 do Regulamento Técnico).

Esses dois mecanismos de competitividade criados pela Stock Car neste ano revelam a clara preocupação da categoria em se tornar cada vez mais atrativa ao público. Sob essa perspectiva, as iniciativas devem ser saudadas, pois representam a busca dos promotores da competição em dar continuidade ao fortalecimento da Stock Car, já reconhecida como campeonato de grande relevância e que conta com importantes nomes do automobilismo brasileiro.

 Noutro plano, as inovações contidas no Regulamento Desportivo relacionam-se com um princípio muito caro ao direito desportivo: a paridade de armas. Esse princípio baseia-se na ideia de que os competidores devem atuar em igualdade de condições, e que essa premissa é essencial para assegurar uma das características essenciais do esporte – a imprevisibilidade do resultado. Daí advêm, por exemplo, as normas antidopagem, que buscam coibir o uso de substâncias que confiram vantagem a um atleta em relação aos demais.

No caso do automobilismo, a análise desse princípio não pode se limitar aos pilotos, devendo se estender às equipes. Afinal, do trabalho realizado por elas decorrem diferenças de desempenho entre os carros, o que acaba por colocar os pilotos em condições distintas. Portanto, o exame da paridade de armas no automobilismo deve considerar o conjunto equipe-piloto, sendo que o tamanho da diferença de desempenho entre equipes distintas pode variar conforme as regras técnicas de cada categoria. Na Fórmula 1, categoria que privilegia a distinção entre os carros por meio do desenvolvimento e construção de peças próprias por cada equipe (conforme exposto na coluna da última semana), essa diferença é muito maior do que, por exemplo, na Fórmula 2, onde os equipamentos são mais similares.

Por sua vez, a Stock Car é uma categoria tradicionalmente marcada pela competitividade. Evidentemente, há diferenças entre as equipes que proporcionam desempenhos distintos entre uma e outra; da mesma forma, há pilotos que se destacam e se tornam multicampeões. Mas em linhas gerais, a Stock Car sempre rendeu ótimas disputas na pista, com carros de diversas equipes andando muito próximos. Este é, aliás, um dos fatores que fazem da categoria tão prestigiada há décadas.

Nesse contexto, as duas novas regras de competitividade estabelecidas para 2020 apresentam diferenças importantes quando analisadas à luz do princípio da paridade de armas. De um lado, a regra de equalização entre marcas contida no art. 24.2 do Regulamento Desportivo encontra fundamento no fato de que neste ano passa-se a haver duas montadoras no grid, o que poderia gerar disparidade de desempenho acima do verificado nos últimos anos. Logo, é possível interpretá-la como norma aderente ao princípio da paridade de armas, buscando equalizar (como o próprio regulamento indica) o desempenho de equipes que utilizem carros de marcas diferentes. Em outras palavras, a regra parece privilegiar o conjunto equipe-piloto como fator decisivo para o resultado da competição, e não a marca do carro.

Por outro lado, o lastro de sucesso criado pelo art. 24.1 do mesmo regulamento aparentemente tem como único objetivo estabelecer desvantagem competitiva a cinco conjuntos equipe-piloto do grid em relação aos demais em determinadas provas, deliberadamente gerando desigualdade entre os competidores. Nesse sentido, ainda que se possa justificar ou mesmo aplaudir a criação da norma sob o prisma comercial da atratividade do campeonato, ao olharmos para as etapas de forma individualizada, a aderência da regra ao princípio da paridade de armas é questionável.

Enfim, vale acompanhar em que medida essas inovações dos regulamentos da Stock Car efetivamente afetarão o resultado do campeonato em sua temporada 2020. E torcer para que, em conformidade com o espírito do princípio da paridade de armas, o resultado final do campeonato aponte como campeões a equipe e o piloto que, de fato, tenham os melhores desempenhos nas pistas.

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Crédito foto: Stock Car, Duda Bairros/Vicar.

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