“Existe uma brincadeira que diz que Pelé foi oferecido no início dos anos 60 ao Náutico e o Náutico não cogitou porque Pelé é negro.” O “causo” foi contado pelo vice-presidente de marketing do Náutico, Luiz Filipe Figueiredo. A frase, mesmo que de brincadeira, reflete toda uma estrutura de racismo no clube pernambucano.
Fundado em 1901 e tendo como base a elite da sociedade do Recife, o Náutico só passou a aceitar jogadores negros em seus quadros na década de 60. Na tentativa de reparar seus erros históricos, o Náutico lançou ainda antes da pandemia canais oficiais para denúncias de racismo e todas as formas de preconceito. Além disso, promete expulsar quem for sócio do clube e for pego praticando qualquer ato discriminatório. Para completar, o alvirrubro lançou uma camisa preta, com o slogan “Vidas Negras Importam”, na tentativa de posicionar de forma cada vez mais assertiva no combate ao racismo.
“A gente teve um trabalho de gigante para aprovar no Conselho, não porque o Conselho não quisesse, mas porque era preciso construir todo um ‘storytelling’, já que o preto é a cor dos nossos rivais Santa Cruz e Sport. Precisava ser uma causa muito nobre. É um manifesto do Náutico reconhecendo seu passado e estabelecendo direcionamentos internos. O clube agora passa a ter um comportamento completamente intolerante contra o racismo”, garante Luiz Filipe Figueiredo.
Marcelo Carvalho, idealizador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, elogia a atitude. Mas cobra que tanto o Náutico quanto outros clubes contribuam mais para que o racismo seja diminuído no país.
“É o começo. Promoção de diversidade nos quadros de comando e palestras para categorias de base, sócios e demais torcedores”, analisa Carvalho, indicando ações para mudar efetivamente o pensamento entre os torcedores do Náutico.
Os números comprovam a importância e a necessidade de campanhas como a do Náutico. De acordo com o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, foram 56 casos de injúria racial em 2019. Doze ocorrências a mais que em 2018,ou seja, aumento de 27% em relação ao ano anterior.
“O reconhecimento do problema racial no passado é importante, mas e a verba da venda das camisetas será destinada a alguma instituição que luta contra o racismo? Porque no fim das contas é esse o problema da luta antirracista: ter ações com resultado efetivos e apoio financeiro”, pede Marcelo Carvalho.
Ainda não está previsto pela diretoria do Náutico qualquer tipo de suporte financeiro para a causa. “Muito mais do que eventualmente destinar uma verba para ajudar alguma instituição que combate ao racismo, o Náutico como instituição precisa combater o racismo. A camisa é um é um acerto de contas com o passado. O mais importante é o posicionamento do clube quanto a isso. Assim como a gente tem anúncio no estádio de que não pode invadir o campo, ou jogar coisas no gramado, vamos ter sinalizações de que racismo é crime e não é para cometer. O racismo está entranhado. Criar uma política educativa para que isso não aconteça. Precisamos desentranhar o racismo”, admite o Luiz Filipe Figueiredo, VP de marketing do Náutico.
O escolhido para estrelar a campanha foi o ex-goleiro do Náutico Nilson. Mas antes de defender o alvirrubro, Nilson sofreu na pele com o racismo da torcida no estádio dos Aflitos. Quando defendia o Santa Cruz, em 2002, o arqueiro foi vítima de racismo ao ter a torcida do time da casa entoar sons de macaco direcionados a ele.
“Melhor coisa que eu vi nos últimos tempos muito bom. Estou falando em relação às questões dos Direitos Humanos, ao combate ao racismo estrutural. Vai no fundo, vai na alma da questão do debate, por sinal foi muito corajoso. Eles dizem mais do que isso, que ele sabem que são racistas e que precisam mudar. Deu um passo muito maior que a maioria dos outros órgãos, antes mesmo de estourar um escândalo. O Náutico está de parabéns”, elogiou a advogada especializada em Direitos Humanos Mônica Sapucaia.
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