Pesquisar
Close this search box.

Nem todo mundo

A certa altura, já não fazia mal ter preto no time. Depois de anos lidando com os sujeitos que queriam provar que não precisava ter todo mundo do lado de dentro, o futebol sobreviveu deixando quem acreditava nesse ultraje do lado de fora. Isso mudava muita coisa. Contam que antes, quando o futebol era coisa de abastado, ninguém reparava no time só de brancos do Palestra. Mesmo depois que o preto já podia jogar. Pra não levantar a suspeita de ser enquadrado na terrível moldura do preconceito, porque isso ninguém quer ser, acharam logo um motivo. Trocaram a ordem das coisas. Jogavam com times formados por brancos, diziam, porque eles eram os mais bem preparados. Na verdade, todos poderiam estar ali. E se não estavam, é porque não queriam, ou porque não eram bons o suficiente. A explicação pro que não podia ser preconceito só poderia ser uma infeliz coincidência.

A naturalização das coisas dificulta evoluir em relação a elas. Hoje, o futebol jogado por toda cor não espanta mais ninguém. O problema, é que também não espanta a ausência dessa mesma cor do lado de fora. E deveria. Na verdade, na última rodada, espantou o contrário. Pela primeira vez, dois pretos na beira do campo. No comando de quem tá do lado de dentro. Mais do que treinar, o que os dois fizeram ao ocupar esse espaço foi ressignificar. Representar. Não precisaria nem dizer nada. Mas o Roger disse. Precisou de cinco minutos. Em menos tempo do que o VAR demora para certificar a regularidade de um lance, falou sobre o racismo estrutural, sobre o mito da democracia racial. Tudo na ponta na língua de quem viveu e vive o que espetáculo reproduz, e que vem de fora dos gramados. A naturalização do poder na mão do branco. Em ordens dadas da área técnica, da mesa do escritório, ou do último andar de um prédio bonito.

Depois de tudo, ainda teve quem veio de novo com aquela história de que todo mundo poderia estar ali. Logo, veio também quem lembrou: mas não está. E se num país de tanta cor, tem lugar guardado pra uma só, a coincidência é a desculpa pra quem não quer mudar a engrenagem.

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.