Por Higor Maffei Bellini
Olá a todos, faz algum tempo que não escrevemos, para o “Lei em campo” graças as movimentações do mercado de futebol feminino, já que ficamos quase 60 (sessenta) dias cuidando dos interesses das nossas clientes neste momento importante da temporada esportiva, as movimentações de jogadoras entre times do Brasil e para o exterior.
Foi em razão destas transações que tivemos a oportunidade, que é na verdade uma benção, de conversar com muitas pessoas envolvidas no mundo do futebol feminino brasileiro da série A1 e A2, além das equipes que irão disputar os campeonatos estaduais, buscando a classificação para o campeonato brasileiro de 2022.
O que me permitiu ter um maior contato com as diversas realidades seja a de um pequeno clube dedicado exclusivamente ao futebol feminino em um estado, como aos mais tradicionais clubes do cenário nacional, com tradições grandiosas no mundo do futebol masculino. E perceber que as discrepâncias nos valores pagos as atletas, no mundo do feminino é gritante, muito maior do que no masculino. Não em número de vezes que o maior salário pago a uma atleta cobriria o pagamento das atletas com menores recebimentos, mas em perceber que os clubes se escondem atrás de um falso amadorismo pagando para as atletas valores menores que um salário mínimo, razão pela qual oferecem também junto do salário o fornecimento da alimentação, que é geralmente preparada pelas próprias atletas, com material fornecido pelos clubes e complementado por uma colheita de contribuições entre as próprias atletas e o fornecimento de alojamento para que assim as atletas não tenham de pagar este com o valor do seu salário.
É em razão dessa realidade que é necessário pedir a integração do alojamento e da alimentação fornecidos pelos clubes, como salário in natura conforme o estabelecido no artigo 458 da CLT, explicando que o fornecimento destes não é entrega pelo clube, para que a atleta tenha condições de trabalho, já que não essencial ao trabalho da jogadora é o fornecimento do uniforme, dos equipamentos de proteção como a caneleira as ataduras para a proteção nos tornozelos. O alojamento e a alimentação são entregues para completar a remuneração das atletas, no mundo do feminino a realidade é essa.
Foi necessária esta longa introdução, que geralmente em meus textos não costumam ser pequenas, para dizer que no mundo do futebol feminino, de maneira destacada, infelizmente, existem atletas profissionais, recebendo menos de um salário-mínimo por mês, que não é legalmente possível de acontecer no Brasil, em razão do comando constitucional mais precisamente no artigo 7º IV.
E devem ser entendidas como sendo jogadoras profissionais de futebol, mas que com pequenas adaptações, podem ser utilizadas para todos os esportes, como sendo aquelas atletas que já não tem mais idade para firmarem contrato de formação de atleta, até porque completado o período em que aquela pessoa estaria se formando como atleta, passando a ser uma atleta pronta para disputar as competições da categoria principal. E em especial para o mundo do futebol já que tomamos por base o regramento da FIFA aquelas que tenham mais de vinte e três anos, momento em que encerra o período de formação de atleta, já que para a FIFA até esta idade há a obrigatoriedade do clube que tem contrato com a atleta receber uma parte da negociação onerosa da jogadora.
O esporte de um modo geral, sendo o futebol de uma maneira especial, não estão localizados em um mundo paralelo com regras trabalhistas próprias. Está localizado dentro do mundo jurídico brasileiro, que tem a sua base na constituição federal, que garante a todo trabalhador, que ninguém receba menos de um salário-mínimo por mês. Até porque por determinação legal o salário-mínimo é o piso necessário para garantir a substância de uma família.
Alguns clubes de futebol tentam mascarar a existência do contrato de trabalho de uma jogadora de futebol o denominado como por exemplo: “contrato de formação” já para atletas maiores de idade; “atleta de prestação de serviços não profissionais” ou ainda como “contrato de jogador amador” para assim justificar o pagamento de valores menores do que o salário-mínimo, já que o denominam como bolsa auxílio.
Esta tentativa de burlar as garantias trabalhistas das jogadoras, por meio desta formalização de contrato com uma denominação equivocada, pode e deve ser anulado em uma reclamação trabalhista, pela invocação do disposto no artigo 9º da CLT. Já que segundo como o consignado na sentença do processo de número: 0000187-33.2020.5.05.0037 “O fato de a contratação ser voltada para campeonatos internos, não retira a condição de atleta profissional da reclamante, posto que não há vedação de contratação por times não participantes de campeonatos oficiais, como ocorreu na hipótese dos autos”
Este é o melhor raciocínio para demonstrar que toda jogadora de futebol profissional é empregada, independente do campeonato a ser disputado pela equipe (amador ou não) (oficial ou não), ou menor o irrelevante para a configuração da atleta como empregada é o torneio que a equipe disputar, mas sim o enquadramento da atleta nos dispostos nos artigos 2º e 3º da CLT já que o que vale para definir se a atleta é empregada ou não, é a relação existente entre o clube e atleta. E não aquela mantida entre clube e federação, ou clube e confederação. Não podendo, desta forma ser aceita a alegação dos clubes que o futebol feminino é amador, para tentar se esquivar dos deveres trabalhistas, em especial o de pagar pelo menos um salário-mínimo a atleta.
No paragrafo anterior usamos o exemplo da alegação efetuada por algumas equipes de futebol feminino, nas defesas apresentadas em Reclamações Trabalhistas, nas quais represento as atletas. Mas este pensamento vale para o basquete, futsal, vôlei ou qualquer outro esporte que seja praticado no Brasil. A modalidade esportiva até pode ser considerada como não profissional, pela própria entidade organizadora dos torneios, ou o torneio pode ser demonizando de amador, mas isto não significa que o atleta que esteja a defender uma das equipes, não seja contrato como empregado da agremiação que a disputa.
E uma vez demonstrada a existência da fraude aos direitos trabalhistas, das atletas por meio deste contrato de trabalho, que possui outra denominação que não a de “contrato especial de trabalho desportivo”. Passa a ter a jogadora o direito de receber em reclamação trabalhista a diferença entre o valor recebido, que não necessariamente é o contratado já que existem clubes que apesar de fazer um contrato escrito garantindo o pagamento de um valor a atleta o deixam de fazer de modo integral e o valor do salário-mínimo.
Há de ser tacado que em uma situação como esta não há defesa para o clube, que efetuou o pagamento a menor, para a atleta, já que o piso salarial mínimo para todos é garantia constitucional, não admitido qualquer possibilidade de estipulação ao contrário, já que no mundo do esporte não há pela especificidade do esporte existir o trabalho realizado na modalidade intermitente. E por determinação da legislação em especial a Lei Pelé no seu artigo 28, § 4º VI, a jornada de trabalho do atleta é de 44 horas semanais, fazendo com que a o pagamento devido como contraprestação do trabalho realizado pela atleta aconteça com no valor relativo a um salário-mínimo.
Importante destacar que quando nos referimos a receber como remuneração a importância menor de um salário-mínimo por mês, não estamos nos referindo a garantia de que seja depositado na conta da atleta um salário-mínimo, até porque existem os descontos legais que irão incidir sobre o salário como acontece com todos os trabalhadores, mas, sim em garantir a contratação por no mínimo um salário-mínimo.
Este texto é baseado na nossa experiência com o futebol feminino, mas vale para o futebol masculino e para todos os demais esportes desenvolvidos em território brasileiro, seja por atleta brasileiro ou por atleta estrangeiro, uma vez que como já dito nenhum trabalhador que esteja contratado como empregado, independente da função que desempenhem receber menos de um salário-mínimo por mês.