Por Martinho Neves Miranda
Como deve ser maravilhoso viver na França, berço do pensamento e da arte moderna. Especialmente em Paris, a cidade mais visitada do planeta. É lá onde vive Neymar, que, com sua condição financeira invejável, atua no principal clube francês, no qual deveria sentir-se pleno de felicidade. Não seria difícil, inclusive, dar-lhe o título de “Pequeno Príncipe”, para nos fixarmos em mais uma das maravilhas da literatura francesa.
Mas o estado de espírito de Neymar parece identificar-se muito mais com outro personagem do ramo da ficção infantil do que com o menino francês idealizado pelo escritor Antoine de Saint-Exupéry.
É que, em “Alice no País das Maravilhas”, a protagonista da obra está caminhando pela floresta quando chega numa encruzilhada. Indecisa, pergunta ao Gato de Cheshire se ele poderia dizer-lhe qual o caminho que deveria tomar. Ao ser indagada para onde queria ir, Alice diz não saber e a resposta do Gato é enigmática: “Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve”.
Neymar se parece com Alice. Não sabe o que quer, nem pra onde ir. Saiu do Barcelona, dizendo não estar satisfeito(?). Batalhou para ir para o PSG e agora também não se sente à vontade por lá. Diz sentir saudades do seu ex-clube, mas flerta com o Real Madrid, seu maior rival(!) Há também quem diga que anda conversando com a Juventus…
Por sua vez, Alice é também uma menina muito esquecida. Quando perguntada pela Lagarta sobre quem ela era, respondeu: “Não estou bem certa, senhora… quero dizer, nesse exato momento não sei quem sou… Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei muitas vezes desde então…”.
Neymar igualmente parece não se recordar de certas coisas, pois teve que ser lembrado pelo presidente do PSG, em recente entrevista e em manifesto gesto de insatisfação, que o craque tinha um contrato em vigor, que assinara porque quis e que ninguém o obrigara a firmar tal compromisso.
Alguém também precisa recordar o craque brasileiro de que, apesar de todo o seu prestígio, ele está sujeito ao mais rudimentar de todos os princípios do direito civil, que é o da força obrigatória dos contratos, responsável por fazer com que o contrato se constitua em autêntica lei entre as partes, e que, caso ele decida romper unilateralmente, terá de indenizar o PSG.
E não se sabe nem mesmo qual seria esse valor, uma vez que na França não existe cláusula penal para o rompimento antecipado dos contratos de trabalho desportivos…
Mas as consequências não param por aí. É bom que ele também saiba que se encontra no meio do “período protegido”, que é um período criado pela FIFA dentro do contrato de trabalho em que não se permite o rompimento sem justa causa, sob pena de suspensão por até seis meses (o período protegido é um período de três anos para jogadores que tenham celebrado contratos antes dos 28 anos, o que é o caso do Neymar, que está apenas há dois anos no PSG).
Mas voltemos à entrevista. Lá pelas tantas e agora em tom ameaçador, o presidente do PSG disse que exigirá comprometimento dos seus atletas, numa clara alusão ao brasileiro.
Ocorre que nem precisava de ameaça, pois o que se lhe está exigindo já é uma obrigação que decorre do princípio da boa-fé objetiva, que paira sobre qualquer contrato que seja celebrado.
Com efeito, a boa-fé objetiva é um princípio contratual que estabelece padrões de comportamento exigíveis de quem concretize um negócio jurídico.
Dentre suas inúmeras serventias, a boa-fé objetiva tem função integrativa. Por essa função, basta que as partes sacramentem um contrato, seja ele qual for, que automaticamente inúmeros deveres recíprocos passam a fazer parte do ajuste, mesmo que não estejam previstos no instrumento assinado pelos anuentes.
Dentre esses deveres está o dever de cooperação, que implica na obrigação que cada contratante tem de facilitar a execução do contrato por parte do outro, não devendo ver na outra pessoa um adversário, mas sim, sobretudo, um parceiro, que deve ser prestigiado e considerado em todo momento.
Ou seja, em virtude do dever de cooperação, o contratante deve não apenas estar preocupado com os seus próprios interesses, mas também agir de maneira a permitir que a outra parte igualmente se beneficie do contrato que foi celebrado.
Portanto, não basta o jogador calçar as chuteiras e entrar em campo para que diga que está cumprindo o contrato. Ele precisa, de todas as formas, trazer resultados, dentro e fora das quatro linhas, para seu empregador e patrocinadores.
Atrasar-se na reapresentação, dar sinais claros e evidentes de desinteresse em continuar trabalhando onde se comprometeu por laborar, dentre outros comportamentos, definitivamente não atende o que o dever de cooperação exige de um contratante tão bem remunerado quanto ele.
O PSG e seus parceiros fizeram um investimento espetacular no brasileiro e já devem estar experimentando prejuízos com tantas incertezas. Certamente, os patrocinadores do clube repensarão o valor a ser gasto em novos contratos. Torcedores que comprariam carnês de ingressos para toda a temporada muito provavelmente pensarão duas vezes antes de fazer o investimento.
Ah, sua contratação foi também parte de um projeto de marketing para a divulgação da Copa do Catar…
Mas, afinal, será que, depois de ser relembrado disso tudo, Neymar decidirá por ficar no PSG, voltar para o Barcelona, ir para o rival Real Madrid ou tabelar com CR7 na Juventus?
Isso realmente é o que menos importa.
Porque, para quem não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.
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Martinho Neves Miranda é ex-procurador do BNDES; advogado; procurador de carreira do município do Rio de Janeiro; árbitro do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem; auditor do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem; professor visitante da Universitè de LILLE da França; mestre em Novos Direitos pela UNESA; coordenador acadêmico da Universidade Cândido Mendes/RJ; professor de Direito Civil e de Direito Desportivo; autor do livro “O Direito no Desporto” e de várias obras nas áreas de direito Constitucional, Civil e Administrativo e trabalhista. Integrou a Comissão de Estudos Jurídicos do Ministério do Esporte, foi coordenador da Candidatura do Rio aos Jogos Panamericanos de 2007 e consultor jurídico para os Jogos Olímpicos de 2016.