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“Neymarcunaíma: herói ou anti-herói do futebol brasileiro” (Parte II)

O afã de construir amanhã a conquista da “Muiraquit㔹 no Maracanã faz o herói e sua gente olhar o templo carioca como divã. Hã?

“O herói não maliciava nada. Vai, Jiguê pegou num tijolo, porém pra não machucar muito virou-o numa bola de couro duríssima. Passou a bola pra Maanape qüe estava mais na frente e Maanape com um pontapé mandou ela bater em Macunaíma. Esborrachou todo o nariz do herói. — Ui! que o herói fez. Os manos bem sonsos gritaram: — Uai! está doendo, mano! Pois quando bola bate na gente nem não dói! Macunaíma teve raiva e atirando a bola com o pé bem pra longe falou: — Sai, peste! (…) A bola caiu no campo. E foi assim que Maanape inventou o bicho-do-café, Jiguê a largarta-rosada e Macunaíma o futebol, três pragas.”²

A Copa 2014 começou com Neymar brilhando logo na estreia, contra a Croácia, mas o jogo coletivo da equipe estava longe de ter a luz das cinco estrelas cravejadas no brasão. Após os mexicanos, que seguraram um zero a zero guacamole, e camaroneses, cozidos pelo vapor da torcida canarinho, partidas ainda da primeira fase, o “Chili” foi o primeiro dissabor da competição, digerido com suador e choro. O herói, já se despedindo do Castelão, sentiu a “Muiraquit㔳 ficar distante após ser duramente atingido por um “patacón” maldoso do colombiano Zuñiga e fraturar a costela. “Macunaíma estava muito contrariado. Não conseguia reaver a muiraquitã e isso dava ódio. O milhor era matar Piaimã… Então saiu da cidade e foi no mato Fulano experimentar força. Campeou légua e meia e afinal enxergou uma peroba sem fim. Enfiou o braço na sapopemba e deu um puxão pra ver si arrancava o pau mas só o vento sacudia a folhagem na altura porém. ‘Inda não tenho bastante força não’, Macunaíma, refletiu.”⁴

O mundial tinha acabado para o craque, que poderia ficar tetraplégico, e sua gente seguiu sem ele para a semi… “topou com uma cunha clara, louríssima, filhinha-da-mandioca bem, toda de branco e o chapéu de tucumã vermelho coberto de margaridinhas. Chamava Fráulein e sempre carecia de proteção. Foram juntos e chegaram lá. O parque estava uma boniteza. Tinha tantas máquinas repuxos misturadas com a máquina luz elétrica que a gente se encostava um no outro no escuro e as mãos se agarravam pra agüentar a admiração. Assim a dona fez e Macunaíma sussurrou docemente: — Mani… filhinha da mandioca!… Pois então a alemãzinha chorando comovida, se virou e perguntou pra ele si deixava ela afincar aquela margarida no puíto dele.”⁵

Foi um desastre! Sem o herói em ação, os alemães tomaram o ouro das Minas Gerais e deixaram sete chucrutes, cantando um tango para os argentinos na final. “Esses masorqueiros pegam nos polícias, assam-nos e comem-nos ao jeito alemão; e as ossadas caídas na terra maninha são excelente adubo de futuros cafezais.”⁶ Restaram os cacos para uma torta holandesa e o lugar para chorar foi o quarto. É possível ser herói anti-herói? O futebol brasileiro jamais esquecerá 2014!

“Quando a vontade de chorar parou, Macunaíma afastou os mosquitos e quis espairecer.”⁷ Herói ou anti-herói? 2015 poderia ser ainda pior que 2014? Para o herói, sim! Na Copa América, ele foi expulso por conta de uma confusão com o colombiano Murillo, e recebeu longa suspensão da Conmebol. A seleção, comandada pelo técnico Dunga, teve um desempenho vergonhoso no torneio, o que mostrava não ter havido nenhuma evolução após a tragédia do ano anterior. Pronto! Então Neymar é anti-herói!

Apesar de estar com a autoestima destroçada, o ano de 2016 trazia para a seleção, maior vencedora de todo o mundo, a oportunidade de completar a sua coleção em casa. A medalha olímpica já esteve no peito dos craques do passado, mas jamais a de ouro. E o herói? Jogaria a Olimpíada? “Tinha ajuntado uma porção de grilos mas nenhum não entendia o discurso porque nenhum não pescava nada de brasileiro. As mulheres choravam com dó do herói. Os grilos falavam por demais numa língua estrangeira e uma voz gritou: — Não pode! Então o povo ficou com muita vontade de pelear outra vez e de todos os lados agora estavam gritando: “Larga!”. “Não leva!”. “Não pode!”. “Não pode!”⁸

Neymar foi, só que começou os jogos olímpicos do Rio com muitas críticas. A jovem equipe olímpica, assim como a principal, não apresentava um grande futebol, e toda a responsabilidade era canalizada no jogador. Até o nome da estrela da seleção feminina de futebol (Marta) era gritado nos estádios para pressionar o herói. “Macunaíma voltou pra casa e falou pra Maanape: — Quê que havemos de fazer! Carecemos de tomar anzol de Inglês. Vou tirar aimará de mentira pra enganar o bife. Quando ele me pescar e der a batida na minha cabeça então faço “juque!” enganando que morri. Ele me atira no samburá, você pede o peixe mais grande pra comer e sou eu.”⁹ E assim foi! Mesmo desacreditado, o Brasil chegou à final do torneio olímpico. Entretanto, do outro lado teria novamente os alemães.

O Cristo, de braços abertos, recebeu o herói e o templo, um grande jogo memorável. “Macunaíma aprumou a sarabatana e assim de cabeça pra baixo era ver um atirador malabarista de circo, acertando nos ovinhos do alvo. O gigante ficou muito incomodado virou e percebeu tudo.”¹⁰ Neymar, em uma cobrança de falta magistral abriu o placar para o delírio do Maraca. Mesmo com o empate do time adversário, o jogador não se abalou e, por ironia do destino, após todos os cobradores acertarem suas cobranças, o quinto batedor alemão perdeu o pênalti, fazendo a torcida canarinho antecipar a comemoração do título.

Engraçado que muitos dos que comemoravam antecipadamente tinham dito barbaridades do jogador no início daquela competição. Como isso é possível? Qual seria, no caminho entre o meio campo e a marca do pênalti, o pensamento do herói, anti-herói, que voltou a ser herói, depois anti-herói, e poderia novamente ser considerado herói? “Macunaíma estava meditando na injustiça dos homens e teve um amargor imenso da injustiça do chupinzão. Era porque Macunaíma sabia que de primeiro os passarinhos foram gente feito nós…”

Goooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooool!

Brasil conquista a medalha olímpica de ouro pela primeira vez no Maracanã. Agora, sim, não há mais como contestar… Herói!

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Obs.: a terceira e última parte desta rapsódia será publicada na coluna da próxima semana.
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1 a 10 – Trechos e termos do livro Macunaíma de Mário de Andrade.

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