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“Neymarcunaíma: herói ou anti-herói do futebol brasileiro” (parte I)

O futebol brasileiro, assim como a sociedade, vive atualmente uma grande crise de identidade. Da glória de 2002 sobre os alemães, que teve como destaque um herói fenomenal marcado pela superação, para a atual crise, que ficou evidente após a Copa de 2014, com sete feridas deixadas pelos mesmos alemães, pouco mais de dez anos se passaram, e a bola começou a escrever uma rapsódia: Neymar, herói ou anti-herói do futebol brasileiro?

Ciente de que essa estória ainda está sendo desenhada pela história, sob a ótica da maior obra do craque da seleção brasileira de escritores, Mário de Andrade, ousamos, com alegria, sublinhar alguns pontos da trajetória esportiva do camisa 10, que está lesionado e não sabe se poderá participar da Copa América, em junho, para refletirmos sobre os pilares do futebol e da seleção tupiniquim nos últimos anos.

“No fundo do Mato-Virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. (…) Já na meninice fez coisas de sarapantar.”¹ Antes mesmo de ser profissional, o garoto, que leva o nome do pai, já despertava a atenção do planeta bola com a peculiar ginga brasileira e passou a ser projetado como o próximo herói nacional do esporte.

Em 2010, ano em que a seleção canarinho caiu para a Holanda sem grande brilho na Copa da África, torneio vencido pelo “tiki-taka” da Espanha, Neymar despontou como um jogador diferente, mas não teve espaço com o técnico Dunga, apesar de ter marcado 43 gols na temporada pelo Santos, ganhado dois títulos (Paulista e Copa do Brasil) e ter sido pedido por maior parte da torcida brasileira. No pós-Copa, fez a sua estreia na seleção contra os EUA, convocado pelo técnico Mano Menezes, e marcou gol. Virou a principal figura de uma geração que poderia resgatar a arte do futebol verde e amarelo. Tínhamos um novo herói!

Na “Maioridade”², o povo brasileiro se rende aos seus encantos após ser protagonista na conquista de mais títulos, como a Libertadores da América, mesmo tendo apenas 19 anos. Os brasileiros tinham realmente um novo herói! “Gauderiaram, gauderiaram por todos aqueles matos sobre os quais Macunaíma imperava agora. Por toda a parte ele recebia homenagens e era sempre acompanhado pelo séquito de araras vermelhas e jandaias.”³

Seu primeiro grande desafio era a Copa América 2011, na casa dos arquirrivais argentinos. Com um futebol pragmático e previsível em toda a competição, a equipe brazuca não conseguiu furar a defesa paraguaia em 90 minutos e não consegui marcar nenhum gol nas cobranças de pênaltis, ficando de fora da final contra o campeão Uruguai do trio Cavani, Suárez e Forlan. O novo herói começou a ser contestado. Muita firula para nada, apontavam os “Jiguês”⁴ da crônica esportiva. O ouro, amuleto social do povo em cinco ocasiões do passado, metaforicamente poderia vir a ser a “Muiraquitã”⁵ do craque, que confirmaria a condição de herói.

Na Olimpíada de 2012, o México surpreendeu na final, e o esperado ouro brasileiro virou prata. Pela primeira vez, Neymar foi fortemente vaiado, contestado, e passou a ser anti-herói. O The Sun, por exemplo, chamou o jogador de “mergulhador” em uma reportagem, rotulando-o de cai-cai e estrela do pulo. O sonho da conquista de um talismã era real na casa da família real inglesa e no tempo do Big Ben, mas não aconteceu. “Que desejo batia nele! Parava tempo. Chorava muito tempo. As lágrimas escorregando pelas faces infantis, do herói iam lhe batizar a peitaria cabeluda. Então ele suspirava sacudindo a cabecinha: — Qual, manos! Amor primeiro não tem companheiro, não!… Continuava a caminhar.”⁶

Neymar precisaria “amadurecer” sua forma de jogar, tendo mais objetividade, diziam os críticos. Nesse período o futebol mundial estava sob o domínio espanhol. Com um jogo envolvente de toques rápidos, os espanhóis supostamente tinham apresentado um novo conceito do jogo bretão. Em 27 de maio de 2013, Neymar deixou o Santos para jogar no Barcelona. “No outro dia Macunaíma pulou cedo na ubá e deu uma chegada até a foz do rio Negro pra deixar a consciência na ilha de Marapatá. Deixou-a bem na ponta dum mandacaru de dez metros, pra não ser comida pelas saúvas. Voltou pro lugar onde os manos esperavam e no pino do dia os três rumaram pra margem esquerda da Sol.”⁷ Confirmado então… Anti-herói!

A Espanha, transvestida de “Gigante Piaimã”⁸, representa o elemento estrangeiro, civilizado e superior que vai dominando a pobre nação subdesenvolvida e fraca, apesar de pentacampeã. Nesse ponto indicamos a importância da reflexão sobre a valorização do nosso verdadeiro futebol, das nossas características. Nós valorizamos muito o que é de fora em detrimento do que temos aqui? Se nós temos identidade e somos os maiores campeões do mundo, preservar nossa identidade não seria umas das melhores armas para triunfar novamente?

Aproveitamos para frisar que torcíamos na época para que Neymar continuasse no país até a Copa do Mundo de 2014, mas seria uma injustiça não reconhecer que a oportunidade era única. Jogar naquela equipe do clube catalão era para poucos. A reflexão que pedimos é sobre a ideia de mudança das características do nosso futebol em geral.

O nosso herói/anti-herói se transforma para negociar o talismã com o gigante, mas este se apaixona e quer possuí-lo antes de entregar a pedra. Ocorre que triunfar com a seleção brasileira no Brasil seria a glória. E o primeiro teste seria com a Copa das Confederações. Para o delírio de todos, as seleções confirmaram o favoritismo, e a final seria entre a todo-poderosa Espanha e o Brasil, no Maracanã. “Macunaíma se desculpou, subiu na montaria e deu uma chegadinha até a boca do rio Negro pra buscar a consciência deixada na ilha de Marapatá. Jacaré achou? nem ele. Então o herói pegou na consciência dum hispanoamericano, botou na cabeça e se deu bem da mesma forma.”⁹

O Brasil venceu a final por 3 X 0, e o país viu um carnaval fora de época. Neymar não só jogou bem o torneio, como foi protagonista, enchendo o país de esperança para a conquista da Copa do Mundo em casa, recuperando a “Muiraquitã” perdida em 1950. O hexa virá em 2014! Comprovado, Neymar é herói!

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Obs.: a segunda e última parte desta rapsódia será publicada na coluna da próxima semana.
1 a 9 – Trechos e termos do livro “Macunaíma”, de Mário de Andrade.

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Foto: site Tribuna da Imprensa Sindical.

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