Dia 28 de junho em todos os cantos do mundo se comemorou o Dia Internacional do Orgulho LGBTI (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Pessoas Intersexo). Um dia para lembrar a população da necessidade de combater a discriminação e garantir a igualdade, construindo uma sociedade que se fundamente na proteção de direitos humanos. Por sua natureza, o esporte teria que ser um vetor de ajuda nesse processo. Mas não tem dado bons exemplos.
Claro que temos tido boas ações. Os jogadores do Fluminense, Vasco e Flamengo entrando em campo no domingo (27) pelo Campeonato Brasileiro usando as cores do movimento LGBTI é um deles. Clubes e CBF se manifestando também em defesa da igualdade através das redes sociais nesta segunda (28) é outro. Mas a questão não é pontual, é conceitual. O esporte ainda não entendeu o compromisso permanente que tem na defesa de direitos humanos.
Veja o exemplo da Eurocopa.
Na semana passada um episódio mostrou como o futebol ainda tem dificuldades de entender a proteção de direitos humanos como algo indispensável.
A Uefa vetou um pedido da cidade de Munique, da Alemanha, para iluminar a Allianz Arena com cores do arco-íris, representativas da comunidade LGBTI, na partida entre Alemanha e Hungria, válida pela terceira rodada do Grupo F da Eurocopa.
Mais um caso que traz a tona uma discussão recorrente no esporte. Regulamentos internos colocam freios em manifestações de proteção de direitos humanos entendendo que muitas vezes elas são manifestações políticas. Algo preocupante, uma vez que dirigentes esportivos precisam entender que a proteção desses direitos e o permanente combate a atos discriminatórios não é assumir um lado de uma disputa política. Mas é proteger a humanidade.
Não se pode entender como legítimo nenhum freio em regulamentos esportivos a qualquer movimento que promova a proteção de direitos humanos, como igualdade e não discriminação. São direitos universais, protegidos inclusive pelo Estatuto da FIFA e pela Carta Olímpica. Esses direitos são a base de uma comunidade unida por princípios inegociáveis.
A Uefa fez uma leitura rasa dos próprios ordenamentos jurídicos, e dos direitos universais assegurados a todos. E isso desencadeou uma série de protestos contra a entidade por parte de clubes e jogadores. O atacante Griezmann, da seleção francesa, postou em suas redes sociais uma foto da Allianz Arena com a iluminação nas cores de arco-íris, de outras vezes que o ato aconteceu. Já alguns times do futebol alemão, como Wolfsburg, Colônia, Hertha Berlin, Eintracht Frankfurt e Augsburg, iluminaram seus estádios com as cores durante o jogo entre Alemanha e Hungria.
No domingo (27), a imprensa holandesa divulgou notícias de que foram proibidas bandeiras do movimento LGBTI em “fan zone” em Budapeste. A entidade se pronunciou através do Twitter dizendo que “ao contrário de alguns relatos na imprensa holandesa, a UEFA quer deixar claro que não baniu quaisquer símbolos com as cores do arco-íris da ‘fan zone’ de Budapeste, que é regida pelas autoridades locais. A Uefa acolheria qualquer símbolo alusivo naquela zona”,
Segundo a entidade, a Federação Húngara de Futebol foi informada de que estes símbolos “não são políticos e estão em linha com a campanha de igualdade da UEFA”, contra “toda e qualquer disciminação”, e por isso “quaisquer bandeiras seriam permitidas no estádio”.
Entendendo a política como elemento indispensável no convívio social, como movimento e posicionamento, se torna exercício impossível afastar o esporte da sociedade. Ele se relaciona diretamente com os fatos da vida.
Portanto, toda manifestação por igualdade é uma manifestação política, que deve ser respeitada e garantida, inclusive através da liberdade de expressão. Não se pode imaginar o esporte punindo a liberdade de manifestação política, em uma apropriação do jogo, justamente para a manutenção de determinadas políticas excludentes, que alimentam o desrespeito, a quebra de ética e estimulam o preconceito. Isso contraria as regras internacionais de direitos humanos, as liberdades individuais e a própria tradição esportiva.
O caso em questão pode se apresentar como mais um exemplo de aprendizado interno do esporte diante de pressões externas. Como escreveu Richard Giulianotti “o subsistema esportivo responde na forma autopoiética às mudanças no ambiente, como se observou por exemplo, nas respostas do esporte às campanhas por direitos civis com a introdução de regras ou mensagens antirracismo ou antimachismos/sexismo”.
Na mesma Eurocopa, a Uefa comunicou que abrirá uma investigação sobre “possíveis atos discriminatórios” racistas e homofóbicos da torcida húngara na partida contra a França, na Puskas Arena.
De acordo com a imprensa francesa, toda vez que Mbappé pegava na bola eram entoados gritos de macaco das arquibancadas. Na ocasião, também foram presenciados cartazes ‘anti-LGBT’.
No Brasil, decisão do STF também deveria trazer reflexos no esporte
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma importante decisão na luta por igualdade no Brasil e no combate à homofobia.
Por maioria, a Corte reconheceu uma demora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT. Os ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes votaram pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei sobre a matéria.
A decisão trouxe uma série de discussões, inclusive jurídicas. O Poder Legislativo, com perdão da obviedade, é quem deve legislar. Então, pode o órgão máximo do Poder Judiciário legislar no silêncio de quem tem a competência constitucional para isso? O STF decidiu que pode.
A Constituição já confere ao Supremo o poder normativo nas ações declaratórias de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, e nas súmulas vinculantes. Mas o importante aqui é entender os reflexos dessa decisão na esfera esportiva.
No esporte, injúria racial tem sido punida com base no art. 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que trata de atos discriminatórios.
A equiparação pelo STF, abriu espaço para a Justiça Desportiva também punir condutas homofóbicas, mesmo sem uma mudança no CBJD. Afinal, o direito é um só.
Importante entender que essa preocupação necessária também esta declarada dentro dos regulamentos internos do esporte. A FIFA se posicionou firmemente contra o preconceito no seu novo Código Disciplinar, determinando punições a manifestações preconceituosos, como injúria racial e homofobia.
Mesmo sendo um processo educativo, a verdade é que a não punição de crimes como homofobia, racismo, ou outras manifestações preconceituosas alimentam comportamentos que não podem mais ser tolerados, na vida e no esporte.
Além de caminhos jurídicos, a postura dos protagonistas no jogo também tem papel importante
Ano passado, uma atitude do San Diego Loyal chamou a atenção.
A equipe de futebol norte-americana abandonou o campo em forma de protesto na partida contra o Phoenix Rising, após um jogador adversário proferir comentários homofóbicos ao meio-campista Collin Martin. A partida estava ainda no primeiro tempo e era válida pela USL Championship, uma das ligas profissionais dos Estados Unidos.
Collin Martin é um jogador assumidamente gay.
Mesmo correndo risco de punição, a postura coletiva do San Diego é um raro e potente exemplo de como uma triste realidade pode ser combatida.
E ela contraria um histórico de silêncio do esporte no combate ao preconceito.
No futebol, outros exemplos de combate coletivo ao preconceito foram dados. Jogadores do PSG e do Basaksehir deixaram o campo ano passado em protesto contra uma manifestação de injúria racial. Um momento histórico na luta contra o preconceito.
Devido à força que o esporte tem como instrumento de transformações, não podem existir fronteiras entre ele e causas importantes para a sociedade.
Mais importante do que punir é conscientizar. E os personagens do esporte têm papel fundamental nesse momento.
No mundo, muitos são os exemplos de atletas que entenderam que sua força vai muito além de uma pista ou quadra ou campo, e que eles podem ser agentes importantes na construção de uma sociedade melhor, menos excludente e mais humana.
Qualquer tipo de freio a movimentos que abracem essas bandeiras universais será sempre um erro histórico do esporte.
A homofobia não tem mais espaço em lugar nenhum, muito menos no sempre inclusivo esporte. Proteger direitos humanos não é só uma escolha possível para o esporte, é um dever.
Crédito imagem: AFP
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