Por Heloisa Schmidt Fernandes Medeiros
Olhar para a mulher atleta no Brasil é olhar para um caminho que muito precisa ser percorrido e por um passado de muitos impedimentos, mas se a legislação brasileira não atua nessa mudança, regulamentos transnacionais apoiam o cenário do esporte para mulheres.
Foi em 1941 que o Decreto-Lei nº 3.199 proibiu mulheres da prática de esportes “incompatíveis com as condições de sua natureza”[1] e definidos pelo Conselho Nacional de Desportos (CND) como “desportos violentos e não adaptáveis ao organismo feminino”, entre eles, o futebol, esporte mais popular do país, e que só teve a modalidade para mulheres regulamentada em 1983.
Mesmo englobando tantas temáticas e com quase 100 artigos, a Lei Geral do Esporte não menciona a atleta mulher ou a prática esportiva por mulheres. A necessidade da legislação desportiva se preocupar em tratar especificamente da atleta mulher parte de dois pontos:
- como já mencionado, a proibição por mais de 40 anos da prática de muitas modalidade pelas mulheres, o que, por si só, já acarreta um atraso gigantesco;
- precisa-se compreender que mulheres e homens são diferentes e, assim como outras esferas legislativas brasileiras, a desportiva também precisa levar isso em consideração.
Ao tratar da prática profissional desportiva, a Lei Geral do Esporte apresenta alguns dispositivos do chamado Direito do Trabalho Desportivo como o contrato especial de trabalho desportivo e o tempo mínimo e máximo desse contrato, por exemplo.
No entanto, questões como gravidez e licença-maternidade não são abordadas nessa lei e a previsão Constitucional (art. 7º, XVIII), bem como a possibilidade de aplicação subsidiária da CLT (art. 391-A e art. 392 e seguintes) não são suficientes para garantir expressa previsão nos contratos de trabalho das atletas.
A título de – revoltante – exemplo, a falta desses dispositivos resultou em uma briga judicial que durou 5 anos para a atleta de vôlei Tandara, que não teve seus direitos como gestante reconhecidos pelo clube e precisou de uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho para tanto. Se Tandara, jogadora da Seleção Brasileira Feminina de Vôlei, passou por essa situação, podemos imaginar que jogadoras com menor reconhecimento midiático, em qualquer modalidade, também sofrem com esse fato.
Em contraponto à realidade brasileira, a FIFA lançou em novembro desse ano condições mínimas de trabalho para atletas do futebol feminino e confirmou essas provisões no Regulamento sobre Status e Transferências de Jogadores para 2021 no artigo 18quater.
A Federação Internacional de Futebol determinou que o contrato das jogadoras não poderá estar sujeito a gravidez, licença a maternidade ou questões de maternidade no geral.
Também pontua que contratos encerrados unilateralmente pelos clubes por esses fundamentos acarretarão rescisão sem justa causa – inclusive de maneira presumida – e indenização, além de impedir registros de novas jogadoras aos clubes por dois períodos consecutivos, só podendo realizar registros após cumprimento da sanção desportiva por completo.
Em sequência, o Regulamento também coloca a possibilidade da jogadora continuar atuando e treinando pelo clube ou fornecer serviços de maneira alternativa quando não for mais segura a continuidade da prática esportiva. Ainda declara que o clube não pode forçar os períodos de licença das jogadoras e que o retorno da atividade futebolística exige confirmação de um médico.
Por fim, o Regulamento dispõe sobre amamentação e/ou extração de leite materno pela atleta enquanto presta serviços ao clube, incluindo que esses devem contar com instalações adequadas de acordo com as determinações de cada país.
As normas da FIFA também resultarão em mais um passo na constante evolução do futebol feminino no Brasil, visto que os clubes de futebol devem segui-las e a CBF reproduzirá as diretrizes apresentadas em suas disposições.
Contudo, espera-se que a popularidade do futebol influencie também na aplicação de tais disposições na legislação desportiva resultante do Poder Legislativo brasileiro, de forma que abranja todas as modalidades esportivas e garanta a proteção de todas as atletas em território brasileiro.
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[1] Art. 54. Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país.
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Heloisa Schmidt Fernandes Medeiros é fundadora e coordenadora do Grupo de Estudos em Direito Desportivo (GEDD) Ibmec RJ e graduada em Direto pelo Ibmec RJ.