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Nós não somos suas meninas!

Por Luiza Soares[1] e Luiza Rosa Moreira de Castilho[2]

Cada vez mais temos percebido um crescimento nas oportunidades destinadas à mulheres no ambiente esportivo. Iniciativas louváveis à primeira vista, afinal de contas representam a abertura de um espaço que precisou ser reivindicado por muitos anos. Porém, não são raras as vezes em que o requisito principal para a seleção nessas candidaturas é ser uma menina que gosta de esportes.

Quando foi que você, leitor, se deparou pela última vez com algum anúncio de vaga para “homens que gostem de esportes”? Ou mais: alguma vez você já ouviu alguém se referir a um repórter, comentarista ou narrador como “um menino que gosta de esportes”?

E o que as meninas que gostam de esportes têm a ver com os direitos das mulheres?

Se é verdade que o “gostar de esportes” nos foi negado por tempo suficiente para que em pleno século XXI isso seja visto como um diferencial, também é notório que nós, mulheres, hoje estamos presentes na atmosfera do esporte nas mais variadas funções. Embora historicamente a realidade de várias modalidades tenha sido de êxito primeiramente no universo masculino para em um segundo momento passar a ser inserido na realidade das mulheres, atualmente o que se trata como uma conquista de espaço não é necessariamente o domínio de algo que não nos pertence, porque o esporte, seja ele qual for, é por certo nosso também!

Visualizar a figura da mulher no esporte como algo já existente, palpável e comum é urgente. A representatividade constitui uma nova visão de futuro e novas possibilidades. Se ouvimos narradoras, lemos pesquisadoras e autoras, aprendemos com professoras, podemos recorrer a advogadas, entendemos que este espaço também nos pertence e nos é possível. Há muito tempo, contudo, deixamos de somente gostar de esportes. Jornalistas, gestoras, médicas, treinadoras, advogadas, administradoras, atletas… somos profissionais dedicadas ao esporte, não as meninas daquele time, daquele país, ou daquela instituição.

Sermos constantemente referidas como “as meninas” insiste em nos relegar à margem eterna, como se de fato fôssemos crianças que orbitam o mundo em que os homens, estes adultos e sujeitos próprios, detêm o conhecimento e o profissionalismo. Por sua vez, nesse ambiente se cria um setor para que as mulheres sejam ouvidas e falem ou ajam com propriedade e segurança, desde que seja “de mulher para mulher”. É ali que a nossa voz só é ouvida por outras mulheres-meninas, somente influenciando aquelas que nos reconhecem como iguais, tecendo barreiras que são, na verdade, reflexos da externalização de desigualdades disfarçadas de apoio.

Quaisquer dos condicionantes culturais que enxergamos no esporte nada mais são do que os reflexos da nossa sociedade macro, o que faz com que a ordem de conduta humana se interesse por ele e preveja constitucionalmente o direito ao esporte e a garantia de sua  prática, seja no lazer ou no alto rendimento. Além disso, é importantíssimo constar que a própria constituição prevê o tratamento igualitário entre todos, reverberando seus princípios nas leis e regulamentos nacionais, que não fazem diferenciação entre as categorias, seja qual for a modalidade.

Se lei é o que se lê, falar sobre ela é falar sobre linguagem. E a linguagem é vetor de mudança, é o que influencia a forma como nos comunicamos e somos entendidos, também é ela que contribui para transformar a sociedade. Dentre suas diversas funções, a linguagem pode escolher limitar ou possibilitar novas perspectivas.

Infelizmente, é comum presenciarmos alguma mulher sendo chamada de menina em reuniões que preside, uma profissional sendo louvada por, supostamente, fazer mais do que esperam dela e outras tantas situações que não valem a menção. Muitas vezes essas palavras são tomadas como espécie de enaltecimento por quem está habituada a encarar comentários que se atêm aos atributos físicos ou ligados à subserviência, no entanto, são mensagens inconvenientes e que representam o preconceito enraizado disfarçado de elogio.

Essa linguagem nos toca, nos incomoda, mas não nos faz esquecer de quem somos e onde queremos chegar. Em tempo, a proteção da mulher através do desmembramento da manifestação Esporte x Esporte Feminino em seus diversos cenários, incluindo seções isoladas em arquibancadas de estádios, por muito tempo foi a melhor maneira de normalizar a presença feminina no ambiente esportivo, mas não necessariamente segue sendo assim. A busca por uma conscientização mais homogênea sobre a frequentação e permanência da mulher no universo esportivo não se baliza somente às praças do desporto. Então, quando de fato houver essa familiarização, é plausível que a segregação deixe de ser útil, até porque o simples fato de ser masculino ou feminino não pode ser fonte de controle para a profissionalização.

Além de um instrumento social que reflete os padrões da sociedade, o esporte é ferramenta para a mudança desse mesmo espaço coletivo. Repensarmos nossos padrões de comunicação neste meio é um dos diversos mecanismos que temos para escolher um novo caminho. De tal sorte, podemos escolher se nossa comunicação dirá para as mulheres que seu trabalho é, na verdade, um hobby, ou se iremos, finalmente, demonstrar que reconhecemos e valorizamos cada vez mais o talento e o profissionalismo das mulheres que se dedicam ao esporte.

É a partir dessas novas e mais adequadas formas de dizermos a realidade que as meninas podem, enfim, assumir o protagonismo de suas próprias carreiras e, como não, de suas vidas. Enquanto mulheres, temos e não declinaremos desse direito.

……….

[1] Advogada. Pós-graduanda em Direito Desportivo pelo Centro Educacional Renato Saraiva (CERS). Pós-graduanda em Direitos da Mulher pela Faculdade Legale. Gestora Técnica de Futebol pela Universidade do Futebol. Membro filiada do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo. Membro do Comitê de Jovens Arbitralistas do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem. Membro do Grupo de Estudos de Direito Desportivo do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo. Membro do Grupo de Estudos de Direito e Gênero da Escola Superior da Advocacia da OAB/RS.

[2] Advogada. Pós-graduada em Compliance e Gestão de Riscos. Diplomada em Gênero e Esporte e Gestão Esportiva. Especialista em Governança e Compliance no Futebol. Procuradora na 6ª Comissão Disciplinar do STJD do Futebol. Auditora na 1ª Comissão Disciplinar do STJD do Judô. Auditora no Pleno do TJD/PR do Futsal. Auditora no TJD/PR do Motociclismo. Presidente Brasileira do Capítulo Esportes da All Ladies League. Membro filiada do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo. Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/PR.

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