No quinto capítulo sobre o Projeto de Lei 1153/19, que prevê a criação da nova Lei Geral do Esporte, falaremos sobre um dos principais temas previstos no texto: a corrupção no esporte e práticas de boa gestão.
Nesse sentido, o texto da nova Lei Geral do Esporte traz algumas medidas para responsabilizar gestores fraudulentos e deveres básicos para boas administrações, tais como: uma espécie de “Lei da Ficha Limpa” para as organizações esportivas; e uma série de critérios para impedir que pessoas afastadas por gestão temerária ou fraudulenta possam dirigir clubes e federações.
Há também a previsão de inelegibilidade para cargos em entidades esportivas para aqueles que estiverem inadimplentes na prestação de contas de recursos públicos em decisão administrativa definitiva, na prestação de contas da própria organização esportiva, por decisão definitiva judicial, nas contribuições previdenciárias e trabalhistas, de responsabilidade da organização esportiva que tenha ocorrido durante sua gestão, além dos administradores, sócios gerentes ou dirigentes de empresas que tenham tido sua falência decretada.
Segundo o PL 1153/19, mais especificamente em seu art. 66, consideram-se como atos de gestão fraudulenta aqueles “que revelem desvio de finalidade na direção da organização ou que gerem risco excessivo e irresponsável para seu patrimônio”, como: aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros; obter vantagem que resulte ou possa resultar prejuízo para a organização esportiva; celebrar contrato com empresa da qual o dirigente é de seu parentesco; antecipar ou comprometer receitas; não divulgar de forma transparente informações de gestão aos associados; deixar de prestar contas de recursos públicos recebidos; e receber pagamentos indevidos.
“O texto trouxe pontos interessantes que podem ajudar na evolução da governança e combate à corrupção e fraude no esporte. Reforçou as previsões de gestão temerária da LFRE, trazendo a ideia de oferta de vantagem indevida e forçando a transparência da gestão. Além disso, deu maior força aos mecanismos de controle social das entidades desportivas, que talvez possa ajudar na disseminação de Programas de Compliance (Programa de Integridade), aumentou o poder fiscalizatório dos Conselhos Fiscais e tornou a Assembleia Geral órgão máximo dessas organizações, permitindo que ela seja convocada, em caso de inércia dos órgãos de controle, com 30% dos associados”, afirma Fernando Monfardini, advogado especialista em Compliance.
Apesar das previsões do PL 1153/19, o advogado Vinicius Loureiro entende que há mais caminhos para a absolvição do que para a responsabilização, não afetando em nada os atos de gestão temerária no esporte.
“A norma continua bastante genérica, com mais caminhos para a absolvição que para a responsabilização e exigindo que a própria entidade tome as medidas para responsabilização do dirigente. Muito provavelmente continuará sendo texto morto, com aplicação extremamente limitada e sem contribuição efetiva para a melhoria da gestão do esporte no país. Considerando a estrutura esportiva atual, esse texto em nada afetará os constantes atos de gestão temerária com os quais estamos acostumados”, avalia o especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
Confira os principais trechos da nova Lei Geral do Esporte sobre combate à corrupção e práticas de boa gestão no esporte.
DEVERES DOS DIRIGENTES
A nova Lei Geral do Esporte, em seu art. 63, traz os principais deveres que o dirigente/gestor deve ter quando estiver à frente de uma entidade esportiva, como: transparência, diligência e lealdade.
Art. 63. Para os fins do disposto nesta Lei, gestor esportivo é todo aquele que exerça, de fato ou de direito, poder de decisão na gestão da organização, inclusive seus administradores.
Parágrafo único. É dever do gestor esportivo agir com cautela e planejamento de risco, atentando-se especialmente aos deveres de:
I – diligência, caracterizado pela obrigação de gerir a organização com a competência e o cuidado que seriam usualmente empregados por todo homem digno e de boa-fé na condução de seus próprios negócios;
II – lealdade, que se caracteriza na proibição de o gestor utilizar em proveito próprio ou de terceiro, informações referentes aos planos e interesses da organização, sobre os quais só teve acesso em razão do cargo que ocupa; e
III – informar, direcionado à necessária transparência dos negócios da organização, devendo o gestor, sempre de forma imediata, informar os interessados acerca de qualquer situação que possa acarretar risco financeiro ou de gestão, assim como informar sobre eventuais interesses que possua o gestor e que possam ensejar conflito de interesse com as atividades da organização.
“LEI DA FICHA LIMPA” PARA AS ENTIDADES ESPORTIVAS
Esse talvez seja um dos principais pontos do PL 1153/19. Com base na legislação eleitoral, o texto veta pessoas inelegíveis para o exercício de cargos públicos de assumirem a direção das organizações esportivas.
Além disso, aquelas pessoas que foram afastadas, por decisão interna ou judicial, em razão de gestão temerária ou fraudulenta no esporte, não poderão exercer funções de direção das organizações esportivas por no mínimo 10 anos ou enquanto perdurar os efeitos da condenação judicial.
O trecho também cita que estarão inelegíveis para o desempenho de cargos e funções eletivas, por dez anos, aquelas pessoas que estiverem inadimplentes na prestação de contas, contribuições previdenciárias e trabalhistas, e que tenham falência decretada de empresas.
Art. 64. São inelegíveis e é vedado o exercício de funções de direção das organizações esportivas, independentemente de sua natureza jurídica, as pessoas inelegíveis para o exercício de cargos públicos na forma da legislação eleitoral, pelo período de inelegibilidade nela fixado.
§ 1º Também são impedidas de exercer funções de direção em organização esportiva as pessoas afastadas por decisão interna ou judicial em razão de gestão temerária ou fraudulenta no esporte por no mínimo 10 (dez) anos ou enquanto perdurarem os efeitos da condenação judicial.
§ 2º Também são inelegíveis, para o desempenho de cargos e funções eletivas ou de livre nomeação, por dez anos, os dirigentes:
I – inadimplentes na prestação de contas de recursos públicos em decisão administrativa definitiva;
II – inadimplentes na prestação de contas da própria organização esportiva, por decisão definitiva judicial ou da respectiva organização, respeitados o devido processo legal, contraditório e ampla defesa;
III – inadimplentes das contribuições previdenciárias e trabalhistas, de responsabilidade da organização esportiva e cuja inadimplência tenha ocorrido durante sua gestão, desde que os débitos tenham sido inscritos em dívida ativa; e
IV – os administradores, sócios gerentes ou dirigentes de empresas que tenham tido sua falência decretada.
RESPONSABILIZAÇÃO PELA GESTÃO IRREGULAR/TEMERÁRIA
A nova Lei Geral do Esporte prevê a responsabilização do dirigente pela gestão irregular ou temerária.
Segundo a proposta do PL 1153/19, os dirigentes das organizações esportivas respondem solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados, inclusive, se deixarem de comunicar ao órgão responsável irregularidades ou não cumprimento dos deveres estatutários praticados por outras gestões.
Os dirigentes que praticarem atos de gestão irregular ou temerária poderão ser responsabilizados por meio de mecanismos de controle social internos de organização e, se constatada a responsabilidade, serão considerados inelegíveis por dez anos para cargos de qualquer organização esportiva.
Art. 65. Os dirigentes das organizações esportivas, independentemente da forma jurídica adotada, têm seus bens particulares sujeitos ao disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.
§ 2º Os dirigentes de organizações esportivas respondem solidária e ilimitadamente pelos atos ilícitos praticados e pelos atos de gestão irregular ou temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto.
§ 3º O dirigente que, tendo conhecimento do não cumprimento dos deveres estatutários ou contratuais por seu predecessor ou pelo administrador competente, deixar de comunicar o fato ao órgão estatutário competente será responsabilizado solidariamente.
Art. 67. Os dirigentes que praticarem atos de gestão irregular ou temerária poderão ser responsabilizados por meio de mecanismos de controle social internos de organização, sem prejuízo da adoção das providências necessárias à apuração das eventuais responsabilidades civil e penal.
§ 4º Caso constatada a responsabilidade, o dirigente será considerado inelegível por dez anos para cargos eletivos em qualquer organização esportiva.
RESSARCIMENTO DOS PREJUÍZOS CAUSADOS PELO DIRIGENTE
De acordo com a nova Lei Geral do Esporte, os dirigentes que causarem prejuízos ao patrimônio de uma organização esportiva poderão ser acionados judicialmente pela mesma, por meio de assembleia geral, para solicitar o ressarcimento.
Art. 68. Compete à organização esportiva, mediante prévia deliberação da assembleia geral, adotar medida judicial cabível contra os dirigentes para ressarcimento dos prejuízos causados ao seu patrimônio.
O PL 1153/19
A Câmara dos Deputados aprovou, no dia 6 de julho, o Projeto de Lei 1153/19, que cria uma nova Lei Geral do Esporte. De relatoria do deputado Felipe Carreras (PSB-PE), o texto unifica a legislação esportiva em um único documento, e ataca a corrupção e o preconceito no esporte. Como o projeto aprovado pelos deputados teve alterações em relação ao texto apreciado no Senado, a matéria volta para o Senado para nova apreciação em Plenário.
Ao todo, o PL 1153/19 conta com 224 artigos e aborda temas importantes, como: tipificação do crime de corrupção privada para dirigentes esportivos; a exigência de mulheres em cargos de direção de clubes para liberação de recursos federais e de loterias; a equidade na premiação entre gêneros; combate ao preconceito nos espaços esportivos; incentivo ao investimento privado ao equiparar regras do incentivo ao esporte ao incentivo à cultura; além de mudanças importantes na legislação trabalhista.
Na prática, a nova Lei Geral do Esporte é uma modernização da Lei Pelé, que está em vigor desde 1998. Importante destacar que um dos artigos do PL 1153/19 revoga a atual norma do esporte brasileiro.
O texto inicial foi elaborado por uma comissão de juristas e apresentado pela Comissão Diretora do Senado. Essa comissão teve como presidente Caio Cesar Vieira Rocha; vice-presidente, Álvaro Melo Filho; e relator Wladimyr Vinycius de Moraes Camargos, além da participação de outros renomados juristas e expoentes do Direito Desportivo no Brasil, como: Marcos Motta, Ana Paula Terra, Luiz Felipe Bulus Alves Ferreira, Luiz Felipe Santoro, Pedro Trengrouse, Carlos Eugênio Lopes, Mizael Conrado de Oliveira, Flavio Zveiter, Roberto Roma e Marcos Parente.
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