Nos últimos dias, muito se falou sobre a aprovação do Projeto de Lei 1153/19, que cria uma nova Lei Geral do Esporte, por parte da Câmara dos Deputados. O texto unifica a legislação esportiva em um único documento e aborda temas fundamentais para o desenvolvimento do esporte brasileiro.
Diante da importância do PL e seu avanço no Congresso, o Lei em Campo decidiu fazer uma série especial sobre os principais pontos do texto, sempre ouvindo a opinião de especialistas da área. No 1º capítulo, desta segunda-feira (11), falaremos sobre a liberdade de expressão, combate ao preconceito e igualdade de gênero.
Inegavelmente esses temas estão sendo discutidos cada vez mais pela sociedade, e no esporte não é diferente. Nesse sentido, o PL aprovado pela Câmara prevê: a exigência de mulheres em cargos de direção os clubes; inclusão de pessoas com deficiências e de aprendizes; paridade de premiação em competições masculina e feminina; e o combate ao preconceito nos espaços esportivos.
Alessandra Ambrogi, advogada especializada em direito desportivo, entende que apesar de alguns avanços, o PL ainda deixou a desejar quanto a igualdade de gênero.
“Na busca pela isonomia remuneratória entre homens e mulheres, o projeto de lei ainda deixou muito a desejar, isto porque, embora tenha tratado de equivalência das premiações à atletas homens e mulheres nas competições que organizarem, nas competições com as seleções nacionais em todas as modalidades esportivas, continuou silente quanto à discriminação remuneratória sobre gênero, cuja vedação encontra-se no artigo 7º da CF. Vale dizer, que no Brasil, a convocação das atletas mulheres e homens não circunscrevem uma relação de emprego desportivo com seleções nacionais, de modo que discrepância salarial entre os atletas de mesma modalidade em decorrência do gênero ainda continuarão a existir”, pondera.
“Ainda quanto à inclusão feminina no esporte, o PL determinou cota de 30% de participação mínima de mulheres nos cargos de direção das entidades do Sistema Nacional do Esporte (SNE), que muito embora seja um marco, através de ação afirmativa, deixou mais uma vez de privilegiar a igualdade entre homens e mulheres, no tocante em que não fixou em 50%, já que mulheres qualificadas, dentro e fora das quatro linhas, existem!”, acrescenta a advogada.
“O PL, que volta ao Senado, mantém proposições inovadoras e bem-vindas em busca da igualdade de gênero e combate a qualquer forma de preconceito. As propostas são suficientes para satisfazer o ativismo nestas pautas? Evidentemente, não. Mas já são pontos positivos, sinalizando a necessária evolução”, avalia Victor Targino, advogado especializado em direito desportivo.
“A liberdade de expressão já é um direito universal, reforçado pela Constituição Brasileira. O que o PL fará é reforçar o compromisso do esporte de proteger essa liberdade, impedindo que as entidades esportivas coloquem em regulamento internos freios a esse direito, à liberdade de pensamento de técnicos, atletas e dirigentes. Um caso exemplar é o da Carol Solberg, com essa lei aquela discussão jamais será possível”, afirma Andrei Kampff, advogado especializado em direito desportivo, jornalista e colunista do Lei em Campo.
Sobre o combate ao preconceito no esporte, Alessandra Ambrogi diz que o PL traz importantes avanços.
“O PL trouxe uma previsão significativa e um avanço no combate ao preconceito no esporte, isto porque trouxe aplicação da pena de reclusão de 1 a 2 anos e multa, que pode ser aumentada de 1/3 à 1/2, para o torcedor que participar de brigas de torcidas, além de prever agravantes, capazes de dobrar a pena, para crimes de racismo e/ou preconceito contra mulheres, ressaltando mais uma vez, que no esporte não há espaço para nenhum tipo de crime, e que muitas condutas que antes eram ‘toleradas’ são máculas na sociedade e devem ser combatidas com a participação de todos”, analisa a advogada.
COMBATE AO PRECONCEITO
Em relação a racismo, xenofobia e intolerância no esporte, o projeto cria a Autoridade Nacional para Prevenção e Combate à Violência e à Discriminação no Esporte (Anesporte), ligada à Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania. Será a entidade o responsável por criar e executar políticas públicas para reduzir casos de intolerância no esporte, sobretudo nos estádios de futebol.
Art. 182. Fica criada, no âmbito da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania, a Autoridade Nacional para Prevenção e Combate à Violência e à Discriminação no Esporte (Anesporte), com o objetivo de formular e executar políticas públicas contra a violência, o racismo, a xenofobia e a intolerância no esporte.
A Anesporte também poderá aplicar sanções administrativas a pessoas, associações, clubes ou empresas que praticarem intolerância no esporte. As multas variam de infrações leves, R$ 500 a R$ 3 mil; infrações graves, R$ 3 mil a R$ 60 mil; e infrações muito graves, R$ 60 mil a R$ 2 milhões.
Art.183. A Anesporte poderá aplicar as seguintes sanções administrativas à pessoa natural ou jurídica que se envolva em atos de violência no esporte:
I – às infrações leves, multa de R$ 500 a R$ 3.000;
II – às infrações graves, multa de R$ 3.000 a R$ 60.000; e
III – às infrações muito graves, multa de R$ 60.000 a R$ 2.000.000.
O projeto ainda autoriza os estados a criar juizados do torcedor, órgãos da Justiça ordinária com competência cível e criminal, para julgar causas relacionadas à discriminação no esporte.
Art. 180. Os juizados do torcedor, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pelos Estados e pelo Distrito Federal para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes das atividades concernentes reguladas nesta Lei.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A senadora e ex-jogadora de vôlei Leila Barros (PDT-DF) é a relatora do projeto. Ela incorporou ao substitutivo a ideia contida no PLS 5.004/2020, do senador Romário (PL-RJ), que dispõe sobre vedação de imposição de penas disciplinares a atletas por livre expressão.
Segundo ela, o objetivo é garantir a atletas, treinadores, árbitros e demais envolvidos nas competições esportivas o direito à liberdade de expressão, assegurado pela Constituição Federal.
IGUALDADE DE GÊNERO
Uma das previsões da nova Lei Geral do Esporte é a equidade na premiação entre gêneros, ou seja, valores iguais para atletas homens e mulheres em competições que façam uso de recursos públicos, ou que sejam promovidas ou disputadas por organizações esportivas que se utilizem de recursos públicos.
Além da equidade salarial, o PL propõe a exigência de mulheres em cargos de direção nos clubes brasileiros. Em 2021, dos 40 clubes das séries A e B do Campeonato Brasileiro, constata-se que entre 433 nomes distribuídos entre diretorias e executivos, apenas 10 são mulheres.
Dos 20 clubes da divisão principal do Campeonato Brasileiro, apenas um (Palmeiras) tem uma mulher na presidência. Essa exigência da nova Lei, além de promover a inclusão das mulheres no esporte, possibilita o benefício da liberação de recursos federais e de loterias aos clubes.
Art. 35. Somente serão beneficiadas com repasses públicos federais da administração direta ou indireta e de valores provenientes de concursos de prognósticos e loterias, nos termos desta Lei e do inciso II do art. 217 da Constituição Federal, as organizações de administração e de prática esportiva do SINESP que:
IX – assegurem a existência e a autonomia do seu conselho fiscal e a presença mínima de 30% de mulheres nos cargos de direção, a partir de 2028;
XI – garantam a isonomia nos valores pagos a atletas homens e atletas mulheres, bem como aos atletas do paradesporto, nas premiações concedidas nas competições que organizarem ou participarem.
O PL 1153/19
A Câmara dos Deputados aprovou, no dia 6 de julho, o Projeto de Lei 1153/19, que cria uma nova Lei Geral do Esporte. De relatoria do deputado Felipe Carreras (PSB-PE), o texto unifica a legislação esportiva em um único documento, e ataca a corrupção e o preconceito no esporte. Como o projeto aprovado pelos deputados teve alterações em relação ao texto apreciado no Senado, a matéria volta para o Senado para nova apreciação em Plenário.
Ao todo, o PL 1153/19 conta com 224 artigos e aborda temas importantes, como: tipificação do crime de corrupção privada para dirigentes esportivos; a exigência de mulheres em cargos de direção de clubes para liberação de recursos federais e de loterias; a equidade na premiação entre gêneros; combate ao preconceito nos espaços esportivos; incentivo ao investimento privado ao equiparar regras do incentivo ao esporte ao incentivo à cultura; além de mudanças importantes na legislação trabalhista.
Na prática, a nova Lei Geral do Esporte é uma modernização da Lei Pelé, que está em vigor desde 1998. Importante destacar que um dos artigos do PL 1153/19 revoga a atual norma do esporte brasileiro.
O texto inicial foi elaborado por uma comissão de juristas e apresentado pela Comissão Diretora do Senado. Essa comissão teve como presidente Caio Cesar Vieira Rocha; vice-presidente, Álvaro Melo Filho; e relator Wladimyr Vinycius de Moraes Camargos, além da participação de outros renomados juristas e expoentes do Direito Desportivo no Brasil, como: Marcos Motta, Ana Paula Terra, Luiz Felipe Bulus Alves Ferreira, Luiz Felipe Santoro, Pedro Trengrouse, Carlos Eugênio Lopes, Mizael Conrado de Oliveira, Flavio Zveiter, Roberto Roma e Marcos Parente.
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