No sexto e último capítulo da série sobre o Projeto de Lei 1153/19, que prevê a criação de uma nova Lei Geral do Esporte, abordaremos dois temas bastante discutido pelo Lei em Campo ao longo dos últimos anos: a Justiça Desportiva e a Justiça Antidopagem.
O texto aprovado pela Câmara prevê o fim do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) após um ano da futura lei, cabendo às entidades de administração de cada esporte a normatização de sua própria Justiça Esportiva.
Ainda de acordo com a proposta, cada organização da Justiça Esportiva deverá ser composta com paridade representativa entre as entidades de administração, os atletas, os treinadores, os árbitros, os clubes e a sociedade civil, sendo representada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
“O projeto propõe diversas e profundas mudanças no sistema desportivo brasileiro, mas no que se refere a mudanças na Justiça Desportiva há de se ressaltar que o projeto foca na autonomia desportiva acima de qualquer outro princípio. A proposta estabelece a liberdade para que cada organização esportiva nacional regularize sua própria Justiça Desportiva, observada, entre outros, a autonomia desportiva”, destaca Fernanda Soares, advogada especializada em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
“Ademais, a proposta mantém o custeio da Justiça Desportiva sob responsabilidade da entidade de administração do respectivo desporto (§ 1º, III), algo que entendo não ser o ideal, já que a independência do Tribunal pode ser questionada”, acrescenta a advogada.
“O PL é extenso e trata de muitos temas correlatos ao esporte. No ponto da Justiça Desportiva acredito que o legislador está cometendo um ledo engano. A Constituição Federal no artigo 217, parágrafos 1º e 2º, traz a única exceção plena do Direito de Ação. O Direito de Ação é um dos elementos do Estado Democrático de Direito que traz como garantia que qualquer pessoa que tenha uma lesão ou ameaça ao Direito possa recorrer ao Poder Judiciário. No caso em tela, a CF ao criar a via excepcional determina que a Justiça Desportiva seja regulamentada por Lei. É o que ocorre com a Lei 9.615/98”, inicia Paulo Feuz, advogado especialista em direito desportivo.
“No caso do PL, a Lei transfere a regulamentação e organização da JD a entidade de Organização Esportiva de Âmbito Nacional fazer e preparar a regulamentação, ou seja, a Justiça que é criada para controlar a Ordem Desportiva será regulamentada por quem deve ser seu jurisdicionado o que não me parece razoável, além de flagrantemente inconstitucional. O texto, sem levar em consideração o aspecto constitucional, traz uma desorganização à Justiça Desportiva pois não cita exatamente quantos serão os membros a serem indicado e de que forma. Por exemplo, como os atletas, árbitros e treinadores vão se organizar para indicar? Através de seus sindicatos? Através de uma comissão formada na entidade de Organização? Ou seja, a não objetividade do PL gerará uma dúvida real e que pode ser objeto de judicialização”, acrescenta.
Nesse sentido, Feuz questiona: “Como ficam os mandatos dos atuais membros da JD que foram legitimamente empossados? Como ficam os processos em trâmite?”.
“Temos de levar em consideração que o Sistema Constitucional Brasileiro não admite o tribunal de penas, ou seja, todos os litigantes antes de serem condenados tem o direito da ampla defesa e do contraditório o que não parece ser a preocupação do Projeto. Claro que o sistema atual da Justiça Desportiva precisa ser melhorado e ampliado, sou a favor da inclusão da mediação desportiva e da Justiça Restaurativa no Esporte. No entanto, enxergo essa proposta como inconstitucional e que trará muita insegurança jurídica no esporte”, finaliza Feuz.
Em relação a dopagem no esporte, o PL 1153/19 prevê que o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) e o CPB (Comitê Paraolímpico Brasileiro) deverão manter organização independente para instituir a Justiça Esportiva Antidopagem (JAD). As duas entidades terão competência para julgar violações a regras antidopagem e aplicar as punições, além de homologar decisões de organismos internacionais relacionadas a violações de regras antidopagem, como a WADA (Agência Mundial Antidoping).
Para Selma Melo, advogada especializada em direito desportivo e antidoping, a medida não é uma novidade e não trará mudanças práticas.
“Não altera em nada, visto que o CBA (Código Brasileiro Antidoping) é pautado no Código Mundial Antidopagem. Tanto que acabamos de aprovar em 2021 o novo CBA com algumas alterações, principalmente ao uso de drogas sociais”, afirma.
“O Código Mundial Antidopagem trouxe uma alteração bem significativa, visto que aborda um lado muito mais educativo e preventivo que punitivo. Desta forma, levando mais informação e conscientização do atleta e seu pessoal de apoio, quanto aos riscos de se ingerir substâncias proibidas, ou fazer uso de método proibido, ou qualquer infração ao Código Antidopagem, que possa causar o transtorno de um julgamento no Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem. A educação antidopagem é de extrema importância, inclusive nas searas social e econômica, é uma questão de polícia pública, visto que combatendo o doping no desporto, há uma redução considerável nos custos processuais quanto na área da saúde física e mental não só do atleta como da própria sociedade. A antidopagem é pautada em três pilares: o jogo limpo, a paridade de armas e a saúde”, finaliza a especialista.
Confirma os principais trechos da proposta que fala sobre a Justiça Desportiva e a Justiça Antidoping.
FIM DO CÓDIGO BRASILEIRO DE JUSTIÇA DESPORTIVA (CBJD)
O projeto prevê o término do CBJD após um ano da vigência da futura lei, cabendo às entidades de administração de cada esporte a normatização de sua própria Justiça Esportiva.
Art. 220. O Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD criado pela Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, continua obrigatório pelo prazo de 1 (um) ano após a vigência desta Lei.
Art. 221. As organizações esportivas podem optar por manter a estrutura de justiça esportiva anteriormente prevista no art. 49 e seguintes da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, pelo prazo de 1 (um) ano após a vigência desta Lei.
ORGANIZAÇÃO ESPORTIVA RESPONSÁVEL PELA JUSTIÇA ESPORTIVA
O texto garante que a Justiça Desportiva tenha autonomia para julgar infrações disciplinares e questões relativas às competições esportivas.
Art. 189. A justiça esportiva prevista nos §§ 1º e 2º do art. 217, da Constituição Federal, com competência para julgar infrações disciplinares e questões relativas às competições esportivas, possui natureza privada, não estatal, com garantia de autonomia.
§ 1º Cada organização esportiva de âmbito nacional estabelecerá livremente a instituição da justiça esportiva da respectiva modalidade, observando os seguintes requisitos:
I – garantia de autonomia e independência dos integrantes da justiça esportiva em relação à organização que administre e regule o esporte;
II – paridade representativa, de forma que os órgãos da justiça esportiva sejam compostos igualmente por representantes indicados pela organização que administre e regule o esporte, pelos atletas, pelos treinadores esportivos, pelos árbitros, pelas organizações que promovam prática esportiva, e pela sociedade civil representada pela Ordem dos Advogados do Brasil;
CRIAÇÃO DA JUSTIÇA ESPORTIVA ANTIDOPAGEM (JAD)
O COB e o CPB serão responsáveis por instituir a JAD, com competência para julgar violações a regras antidopagem e aplicar as punições a elas conexas, conforme determina a WADA.
Art. 190. O COB e o CPB serão mantenedores de organização deles independente que instituirá Justiça Esportiva Antidopagem – JAD, com competência para:
I – julgar violações a regras antidopagem e aplicar as punições a elas conexas; e
II – homologar decisões proferidas por organismos internacionais, decorrentes ou relacionadas a violações às regras antidopagem.
§ 1º A JAD será composta de forma paritária por representantes de organizações que administram e regulam o esporte, de entidades sindicais dos atletas e do Poder Executivo.
§ 2º A escolha dos membros da JAD buscará assegurar a paridade entre homens e mulheres na sua composição.
§ 3º Aplicam-se à JAD os princípios previstos no art. 189 desta Lei.
§ 4º Os membros da JAD serão auxiliados em suas decisões por equipe de peritos técnicos das áreas relacionadas ao controle de dopagem.
§ 5º A competência da JAD abrangerá a prática esportiva profissional e não profissional.
§ 6º O Fundesporte destinará recursos às mantenedoras da organização instituidora da JAD para auxílio em sua estruturação e manutenção.
§ 7º Os membros da JAD deverão ser advogados com comprovada atuação profissional mínima de 3 (três) anos na área jurídico-desportiva ou pessoas de notório saber jurídico e de conduta ilibada, devendo a escolha de seus membros assegurar a paridade entre homens e mulheres na sua composição.
O PL 1153/19
A Câmara dos Deputados aprovou, no dia 6 de julho, o Projeto de Lei 1153/19, que cria uma nova Lei Geral do Esporte. De relatoria do deputado Felipe Carreras (PSB-PE), o texto unifica a legislação esportiva em um único documento, e ataca a corrupção e o preconceito no esporte. Como o projeto aprovado pelos deputados teve alterações em relação ao texto apreciado no Senado, a matéria volta para o Senado para nova apreciação em Plenário.
Ao todo, o PL 1153/19 conta com 224 artigos e aborda temas importantes, como: tipificação do crime de corrupção privada para dirigentes esportivos; a exigência de mulheres em cargos de direção de clubes para liberação de recursos federais e de loterias; a equidade na premiação entre gêneros; combate ao preconceito nos espaços esportivos; incentivo ao investimento privado ao equiparar regras do incentivo ao esporte ao incentivo à cultura; além de mudanças importantes na legislação trabalhista.
Na prática, a nova Lei Geral do Esporte é uma modernização da Lei Pelé, que está em vigor desde 1998. Importante destacar que um dos artigos do PL 1153/19 revoga a atual norma do esporte brasileiro.
O texto inicial foi elaborado por uma comissão de juristas e apresentado pela Comissão Diretora do Senado. Essa comissão teve como presidente Caio Cesar Vieira Rocha; vice-presidente, Álvaro Melo Filho; e relator Wladimyr Vinycius de Moraes Camargos, além da participação de outros renomados juristas e expoentes do Direito Desportivo no Brasil, como: Marcos Motta, Ana Paula Terra, Luiz Felipe Bulus Alves Ferreira, Luiz Felipe Santoro, Pedro Trengrouse, Carlos Eugênio Lopes, Mizael Conrado de Oliveira, Flavio Zveiter, Roberto Roma e Marcos Parente.
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