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Nova Lei Geral do Esporte. Razões (de veto) que a própria razão desconhece

Por Paulo M. Schmitt

Em meio aos festivos juninos, enfim a nova Lei Geral do Esporte foi sancionada. E lamentavelmente para entrar na festa não faltou retalho. Em uma lei de 218 artigos foram 134 vetos, nitidamente desfigurando o projeto. Será necessário muito correio elegante entre Governo e Congresso para dar contornos de harmonia, bom senso e razoabilidade para consertar isso, seja derrubando vetos ou até editando uma Medida Provisória. Isto porque o projeto tinha consistência e longa tramitação no Congresso e esse festival de buracos de vetos na lei faz com que ela tenha considerável pontos de incongruência.

Vale ressaltar que o processo legislativo possui na parte final da tramitação de qualquer projeto de lei a análise de comissões, como a de Finanças e Tributação (CFT) e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). As propostas que criam gastos ou tratam de finanças públicas passam pela CFT, que faz a avaliação de adequação orçamentária. Além disso, todas as proposições passam no último estágio pela CCJC, que avalia a constitucionalidade. Se um projeto não estiver congruente com aspectos do orçamento público e em conformidade com a Constituição deve ser arquivado.

Bem por isso que arriscamos dizer que a nova lei do esporte foi alvo de muitos vetos que a sua razão parece desconhecer. Ou a aprovação do texto no Congresso Nacional fez vista grossa de questões essenciais de constitucionalidade e orçamento, ou o Executivo Federal errou feio na sanha de tentar aproveitar apenas o que lhe interessava em um projeto que não era de sua iniciativa. E percebendo esse absurdo, talvez por isso, não tenha tido a coragem de revogar a Lei 9615/98, codinominada de Lei Pelé, pois a emenda sairia muito pior que o soneto.

Não são poucos os vetos relacionados com aspectos de diretrizes orçamentárias, em especial os dispositivos que criavam ou recriavam incentivos de importação de equipamentos esportivos, dentre outros apoios para o desenvolvimento esportivo do esporte de performance, na preparação para os Jogos de Paris, por exemplo.

Há uma crítica permanente sobre a destinação de recursos para o esporte de alto rendimento, porém não há um brasileiro que não queira ver sua seleção nacional, em qualquer modalidade, bem representada e competitiva. E isso além de fazer eco e espelho na sociedade atraindo novos adeptos das atividades físicas e esportivas, demanda muito investimento. Passou o tempo que a gente era um país coadjuvante em competições internacionais, somos protagonistas; e graças ao aporte “estável” no talento do nosso povo para o esporte, aliado a muita dedicação das organizações esportivas, atletas, treinadores e profissionais especializado nessa atividade.

O bombardeio de vetos mirou em grande parte a autonomia das organizações esportivas, deixando no ar um temerário viés estatizante do modelo esportivo que se pretende para o país. É bem verdade que a autonomia das entidades desportivas, prevista no art. 217 da CF/88, não pode ser interpretada como plena independência, muito menos como absoluta soberania. A sua constitucionalização não teve o condão de ampliar o alcance, nem as afastar do controle administrativo ou jurisdicional competentes, pois autonomia é autodeterminação dentro da lei, e toda entidade privada dela usufrui. Todavia em matéria de desporto não dá para olvidar que participamos de um sistema hierárquico de filiações internacionais. Nossa soberania isoladamente não tem vez no cenário de normas e instâncias internacionais do desporto, o que requer harmonização. O projeto de Lei tratava dessa temática tentando positivar o que já acontecia na prática e era um vácuo legislativo. Não adianta bater na autonomia com vetos esparsos, pois as principais organizações internacionais do movimento olímpico e do futebol vedam expressamente a interferência estatal.

O cenário é tão crítico que, ilustrativamente, se não derrubarem alguns vetos ou não forem mantidos dispositivos da Lei Pelé, o sistema de Justiça Desportiva (convencional ou antidopagem) fica comprometido e simplesmente deixa de existir! Será preciso que os vetos aos arts. 189, 190, 191, 215 e 216 da nova lei geral sejam derrubados; ou sejam mantidos em sua integralidade os arts. 49 a 55-C da Lei Pelé. Incrível a sinuca de bico que se meteram.

O Brasil tem as suas “bizarrices” normativas, já estamos nos acostumando com isso. Havia uma pretensão de uma Lei Geral do Esporte consolidada e repaginada, foi criada uma expectativa grande em torno disso. O texto aprovado pelo Congresso não era perfeito, mas tinha enredo. Alguns temas até foram preservados como integridade, face externa e interna, porém o sistema nacional do desporto foi muito afetado.

Agora é pular a fogueira de vaidades e tentar costurar todos esses rombos criados com excessivos e forçados vetos à Lei 14597/2023, mediante a derrubada de inúmeros vetos ou a edição de uma Medida Provisória para preencher tantas lacunas deixadas com esse desastroso e desarrazoado expediente de obstrução do processo de interpretação das normas. Nenhum método interpretativo é aplicável para a Lei que criaram em conjunto com as outras que não foram revogadas, seja literal, teleológico, histórico ou sistêmico; nada será possível ao intérprete. São João que nos ajude.

Crédito imagem: Sérgio Lima/AFP

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Paulo M. Schmitt – Advogado, Consultor Jurídico e de Integridade de Organizações Esportivas

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