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Novo coronavírus e seus reflexos sobre o equilíbrio desportivo (par conditio) nas competições esportivas

Por Milton Jordão[1]

O mundo assiste atônito à escalada global do números de pessoas infectadas pelo vírus Coronavírus COVID-19, que se iniciou na China e agora vai galopando mundo afora. Em poucos mais de um mês, desde quando se passou a prestar maior atenção à evolução dos contagiados, o coronavírus se encontra espalhado em 114 países, tendo um total de quase 120.000 infectados, sendo que aproximadamente 4.300 pessoas morreram[2].

O que se tinha como uma epidemia ganhou status de pandemia e passa a assustar não apenas as pessoas, muitas temerosas por suas vidas (sobretudo os idosos, cujo índice de mortalidade é mais elevado), mas, agora, traz grande risco à economia mundial. Diz-se isso, pois, tendo em vista que o coronavírus é de transmissão fácil, governos municipais, estaduais e até nacionais (vide Itália), como forma de sua contenção – ao menos enquanto não há uma vacina-, passaram a determinar quarenta de cidades, estados e países.

Logicamente, que há um pânico ainda velado, que poderá respingar em uma severa recessão e retração do PIB mundial. Tanto isso é verdade que alguns governantes nacionais têm tentado disfarçar serenidade ou um ar de normalidade, quiçá, uns assim o fazem para tentar proteger o mercado de funestas especulações da paralisia de grandes economias globais, a exemplo do Presidente americano Donald Trump.

E o que tem haver o coronavírus com o esporte? Quanto mais com o princípio do par conditio!

A bem da verdade, passou a ter uma relação muito próxima com o Esporte, no caso, algumas modalidades, porque em virtude das medidas de contenção do contágio do vírus, em especial a restrição à aglomeração/reunião de muitas pessoas, algo que é comum em ginásios e estádios, partidas têm sido suspensas e outras realizadas sem a presença de torcidas.

Então, nasce um questionamento justo: seria uma violação ao equilíbrio técnico – juridicamente, uma burla ao princípio do par conditio– de um certame atuar com portões fechados quando em oportunidade anterior o adversário contou com a presença da sua torcida?

Que outros reflexos poderá incidir sobre o Esporte advindo do efeito das medidas de combate à contaminação de pessoas por coronavírus?

Como bem nos recorda Rafael Arias o princípio par conditio, es uno de los princípios que orienta el derecho desportivo, y cuyo significado hace directa referencia al balance competitivo que se debe mantener en toda competência deportiva en orden a mantener al máximo de incertidumbre en el resultado de los encuentros desportivos, elemento essencial de esta actividad[3].

Naturalmente, no âmbito do esporte nem sempre se poderá dizer que os competidores têm entre si igualdade, contudo, deve sempre se primar para que eles possam competir em igualdade de condições. Ou seja, embora exista diferença entre os contendores, quem organiza o evento esportivo deverá sempre outorgar condições comuns de disputa.

Nesse mesmo sentido, afirma Martinho Miranda que “o regulamento desportivo tem a razão da sua edição alicerçada na preservação da igualdade, o que implica dizer que o fiel acatamento às regras desportivas há que se dar pelo fato de que elas foram editadas com a finalidade de preservar o máximo de igualdade entre os competidores”[4].

Recentemente, a UEFA confirmou que partidas da Uefa Champions League e da Liga Europa ocorreriam de portões fechados[5]. Ocorre, contudo, que este confronto é o de retorno da fase mata-mata dos torneios. Ou seja, a equipe que detém o mando do jogo se vê claramente prejudicada, porque os seus torcedores não acessarão ao estádio. É sabido que a torcida é elemento importante em partidas de futebol, por certo que é algo automático o atuar em casa e ganhar. Diz-se, como um ditado popular do futebol, que “torcida não ganha jogo”. Porém, auxilia muito as equipes, dentro da cultura do futebol é um aliado dos atletas, na imensa maioria das vezes.

Curioso anotar, como forma de revelar tamanha a preocupação de dirigentes esportivos com este fato de se atuar dentro dos próprios domínios, o debate que houve no futebol brasileiro, patrocinado por presidentes de diversos clubes de relevo do país, sobre a possibilidade do mandante alterar o local do jogo ao longo do campeonato. A grande maioria aventou o equilíbrio da competição e a igualdade de condições para impor vedação da livre modificação do local de jogo. E, na hipótese excepcional existente, somente se poderá fazê-lo desde que se trate de mando próprio e os torcedores que ali estarão presentes em imensa maioria seja da sua agremiação, caso contrário, haverá clara hipótese de quebra da igualdade.

Obviamente que o coronavírus é uma situação extraordinária, disso ninguém se afasta ou nega, mas força convir que, sobretudo nas ligas europeias que se encaminham para fases mais agudas, onde todo e qualquer ponto é válido, o mando de campo é uma arma para se vencer o título, ganhar vaga em competição continental ou fugir do rebaixamento. Basta observar a tábua de classificação do Campeonato Italiano e perceber que a Juventus ao disputar o clássico com a Internazionale de Milão sem sua torcida como majoritária em casa, padeceu prejuízo, apesar de ter vencido bem o certame. A ausência destes pontos, por exemplo, conferiria à Lazio a liderança.

Portanto, o que se deve fazer? Suspender os campeonatos? Seguir realizando jogos?

Existe uma outra questão também que revela o desequilíbrio aqui desnudado, atuar num jogo onde se vive um clima tenso, ainda mais se no país onde se esteja os índices de contágio são galopantes, é uma forma de se violar a igualdade de condições que o organizador de evento esportivo deve promover. Veja-se a respeito disso, a posição do Getafe que anunciou que não irá à Itália (país europeu com maior números de casos) para disputar fase eliminatória da Liga Europa[6].

Assim sendo, a preservação de princípios essenciais ao esporte é fundamental para que a disputa possa ser considera como subsunta ao ideal de jogo limpo e de justiça. A existência de elemento externo ao Esporte que macula a higidez da igualdade de condições numa partida reclama uma reflexão mais apurada, mesmo em se sopesando o custo e o risco de não ocorrer a competição.

Destarte, cada caso deverá avaliado criteriosamente, considerando os aspectos econômicos que regem os campeonatos e o princípio pro compettione fazendo contraponto, no caso concreto, com a preservação plena da igualdade de competição (par conditio), sob pena de se macular o evento desportivo.

Necessariamente, a suspensão de jogos, como ocorreu com o Campeonato Italiano, neste caso em face de decreto presidencial que determinou quarentena no país, soará como a melhor alternativa. Por exemplo, neste caso do Getafe, quiçá, a atuação em outro país, ainda que com portões fechados, poderá atender bem às expectativas, embora padeça prejuízo ao time italiano que não atuará na comodidade do seu mando de campo.

No mundo desportivo as respostas a estímulos e eventos como coronavírus não têm uma fórmula única, dependerá das condições e conveniências de cada caso concreto que se apresentar; porém, nunca poderá perder a sua essência, ou seja, é defeso que se viole princípios constitutivos do esporte, em especial a paridade de armas.

……….

[1] Advogado. Mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela UCSAL. Mestrando em Direito Desportivo pela Universidade de Lleida (Espanha). Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB Nacional. Presidente do Instituto de Direito Desportivo da Bahia (IDDBA). Ex-Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/BA. Presidente do STJD do Judô. Ex-Procurador do STJD do Futebol. Autor de artigos e obras jurídicas sobre Direito Desportivo.

[2] Dados disponíveis em: <https://www.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6> Acessado em 10 mar 2020.

[3] ESPINOSA, Rafael Enrique Arias. Breve análisis del princípio “par condition” en el deporte professional, análisis económico del derecho en el sector. Disponível em: <https://repository.javeriana.edu.co/bitstream/handle/10554/14930/AriasEspinosaRafaelEnrique2013.pdf?sequence=1&isAllowed=y> Acessado 10 mar 2020.

[4] MIRANDA, Martinho Neves. O Direito no Desporto, 2a ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 54.

[5] Disponível em: <https://www.lance.com.br/futebol-internacional/uefa-confirma-jogos-liga-europa-champions-com-portoes-fechados.html> Acessado em 10 mar 2020.

[6] Disponível em: <https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/6748758/getafe-presidente-deyverson-coronavirus-nao-viajar-italia-inter-de-milao-liga-europa> Acessado em 10 mar 2020.

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