Até quem estava de fora do estádio via a importância do futebol. Não era nem o caso de se pensar sobre as coisas que antecederam tudo acontecer, porque era como se o mundo começasse ali, e não houvesse nada de antes que valesse a pena ser contado. Desde 19, quando o Fried “el tigre” marcou o gol da vitória contra o Uruguai, “e o doutor Mario Rachê se abraçou, chorando, a um inglês velho, que nunca vira mais magro ou mais gordo”. O Brasil batia o atual bicampeão da América na Sul-Americana e o coroavam o novo dono do continente. Jogavam só Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, é verdade. Ainda assim, era o nosso primeiro título de relevantes dimensões extraterritoriais. Conquistado em casa, na prorrogação. E o brasileiro ficava maior que o Brasil. Se o nosso mundo era a América, como a copa veio a se chamar depois, pela primeira vez, éramos os melhores.
Junto com isso, e também não era o caso de se desprezar, acontecia algo fantástico. O país do branco, de uniforme branco, com um gol do preto. Começava a não se importar com a cor de quem colocava a bola pra dentro. Provado o gostinho daquele sentimento vitorioso, pouco a pouco, o critério pra estar em campo passava a ter que ver com balançar a costura da rede, quem quer que fosse o dono do pé. Foi uma coisa que aconteceu também junto com o começo dos tempos em que o futebol foi virando menos diversão pra quem joga e mais pra quem vê. E, como quem vê vitória sente uma vez o que quer sentir de novo, dos tempos em que ganhar virava obrigação.
Naquele 19, a comoção foi tamanha que, nessa época, constatavam algo curioso. Diriam que, na ausência de envolvimento do Brasil em guerras, era o futebol quem despertava as emoções e os sentidos do sentimento nacional que em outros lugares só se alcançava em situações próprias do conflito bélico. Situações próprias da peleia que, aqui, não se travava em trincheiras, mas entre quatro linhas. E enquanto as fronteiras da nossa identidade eram cuidadosamente forjadas, o jogador ia virando, ao mesmo tempo, herói e munição. Teve quem disse “carne de canhão”.
De 19 a 19, a cada par de anos, a herança desse centenário nos faz obrigados a reconhecer. Chegada a hora, mente quem diz que não deixa de lado a paixão clubística. Nem que seja por descuido. Pra torcer pela “escola brasileira de futebol”. E, apesar da convivência quase sempre pacífica com os vizinhos fronteiriços, pela vontade de vê-los sucumbir, um a um, gol a gol. Tudo pra levantar o caneco, e não acordar menor do que dormiu. Tudo pra sentir, no mínimo, o alívio de que não perdeu.
……….
Referências bibliográficas
FILHO, Mário. O negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro. Mauad, 2003