Por Renan Lopes Martins
Tudo bem, eu sei que você já está cansado de ouvir que as leis desportivas brasileiras foram criadas pensando, exclusivamente, no futebol.
De fato, a maioria das leis desportivas brasileiras foi criada em épocas conturbadas no cenário do futebol brasileiro.
Não podemos esquecer que, embora as leis formalmente não tenham nome no Brasil – mas sim numeração –, as duas últimas legislações gerais desportivas levam, informalmente, o nome de dois craques da história do futebol mundial: Zico (Lei 8.672/93) e Pelé (Lei 9.615/98, atual legislação em vigor).
Mas não é que, em razão de todos esses fatos, devemos esquecer as outras modalidades, nem achar que as legislações desportivas brasileiras não são aplicáveis a elas.
Existem, sim, disposições legais que não são de observância obrigatória em outras modalidades que não o futebol; todavia, trata-se de exceção, não regra.
Dessa forma, nessa toada de trazermos a aplicação da Lex sportiva a outras modalidades, responderemos à pergunta feita no título deste artigo: o atleta de vôlei é considerado profissional?
Pois bem, atualmente, para ser considerado atleta profissional segundo a nossa legislação desportiva em vigor, é necessário que o atleta tenha um contrato formal de trabalho esportivo com uma entidade de prática esportiva, registrado na respectiva entidade de administração do esporte (art. 3º, §1º, I, Lei Pelé).
Difícil? Simplifico:
O atleta de vôlei do time “A” precisa ter um contrato de trabalho com este registrado na Liga de Vôlei à qual o time “A” é filiado.
Mas não basta só isso, pois nada adianta o atleta ser considerado profissional se atua em uma liga que não é profissional (estranho? Calma que você já vai entender).
E é por essa razão que a Lei Pelé não nos deixa desamparado e considera profissional a modalidade que cumpra dois requisitos (vide art. 26, parágrafo único):
- A) Competição promovida com o intuito de obter renda (venda de ingressos, patrocínios, transmissão onerosa do campeonato nos meios jornalísticos disponíveis, como rádio, TV, internet, etc.);
- B) Existência de contrato de trabalho formal esportivo entre o atleta e o clube.
Pois bem, vamos falar na prática agora (o que também responderá à pergunta feita no início): no vôlei, nem todos os clubes cumprem os requisitos previstos na Lei Pelé.
Na verdade, embora as suas ligas, em sua maioria, tenham natureza econômica, com o viés de obter renda, os clubes filiados a essas ligas não registram os seus atletas, não mantendo assim, pelo menos formalmente, um Contrato Especial de Trabalho Desportivo.
A verdade é que na prática muitos clubes apenas pagam os atletas considerando-os como prestadores de serviços, ocasião em que esses atletas criam uma empresa em seu nome para receber o pagamento do clube, intitulado “verbas pela cessão do uso da imagem”.
No vôlei, diferentemente do futebol, é muito comum os atletas pactuarem vínculos com os clubes apenas por temporada. Ou seja, a cada temporada decidem se irão renovar o vínculo, na teoria, de natureza civil, ou se irão partir para outro clube.
É também muito comum ajustarem a remuneração pela temporada inteira: ou seja, combinam com o clube, por exemplo, de receber R$ 1 milhão por uma temporada, dividido em, geralmente, dez parcelas mensais de R$ 100 mil.
Não dá para julgar nenhum dos lados: o cenário do vôlei é diferente do futebol, pois não envolve transferências milionárias (não há cessão de direitos econômicos dos atletas) e os clubes, em sua maioria, não têm recursos suficientes para registrar todos os atletas, sendo que os atletas, por necessitarem do rendimento para sobreviver, acabam se sujeitando a essa forma de ajustamento de remuneração.
Fato é que, falando juridicamente, muitos atletas do vôlei, insatisfeitos com essa forma de ajustar a remuneração, sem reconhecimento de direitos trabalhistas, decidiram ajuizar ação trabalhista cobrando dos clubes por todo o período em que por eles atuaram: verbas de natureza trabalhista e pagamentos de todos os direitos previstos na CLT e Constituição Federal.
Alguns perderam, mas muitos ganharam, pois a Justiça trabalhista não leva em conta somente o que foi ajustado contratualmente.
Explico: existe um princípio no Direito do Trabalho chamado Primazia da Realidade, que basicamente significa que prevalece a realidade dos fatos em detrimento de qualquer documento ou prova formal.
Ou seja, em que pese os atletas do vôlei em sua maioria não terem Contrato Especial de Trabalho Desportivo, não cumprindo assim os requisitos da Lei Pelé, sua atividade preenche facilmente os quatro requisitos para caracterizar uma relação de trabalho regida pela CLT: pessoalidade, onerosidade, subordinação e habitualidade.
Sem contar que, além de estarem configurados os requisitos para reconhecimento de vínculo trabalhista (previstos no art. 3º da CLT), estando evidente que as competições disputadas pelos atletas de vôlei têm cabal natureza lucrativa (vendendo ingressos, espaços publicitários ou direitos de transmissão), estarão preenchidos integralmente os requisitos do já mencionado art. 26 da Lei Pelé.
E é justamente dessa interpretação que os tribunais têm se socorrido para fazer prevalecer os direitos dos atletas do vôlei, reconhecendo assim o vínculo trabalhista com as entidades de prática esportiva.
Para ser sincero, embora os direitos dos atletas do vôlei tenham sido reconhecidos na Justiça do Trabalho, a situação atual não é a ideal.
Isso porque a Lei Pelé ainda considera, como vimos, o atleta profissional como aquele que tem um contrato de trabalho formal com entidade de prática esportiva registrado na entidade de administração do esporte à qual o clube é filiado.
E vamos combinar que na prática isso não acontece.
Sendo assim, a única forma de solucionarmos essa celeuma jurídica é aprovando o Projeto de Lei do Senado nº 68, de 2017, idealizado por Wladimyr Camargos e outros nobres juristas esportivos.
E aqui eu não faço campanha política, nem média com ninguém.
De fato, é porque, no art. 69 (do referido projeto de lei), a caracterização do atleta profissional está muito mais didática do que na lei atual.
Pelo projeto de lei, o atleta será considerado profissional se a modalidade em que disputa (profissionalmente estabelecida com regras jurídico-esportivas e com atletas de alto rendimento) for a sua principal fonte de renda. Ou seja, se de fato o atleta vive daquela modalidade para pagar as suas contas, não precisando mais que, para ser considerado profissional, tenha de ter um contrato formal e devidamente registrado.
A interpretação fica por conta de vocês:
Art. 69. A profissão de atleta é reconhecida e regulada por esta Lei, sem prejuízo das disposições não colidentes contidas na legislação vigente, no respectivo contrato de trabalho ou em acordos ou convenções coletivas.
Parágrafo único. Considera-se como atleta profissional o praticante de esporte de alto nível que se dedique à atividade esportiva de forma remunerada e permanente e que tenha nesta atividade sua principal fonte de renda por meio do trabalho, independentemente da forma como receba sua remuneração.
Enfim, enquanto isso não acontece, continuaremos a acompanhar as cenas dos próximos capítulos, que certamente se desdobrarão na Justiça trabalhista, pois atualmente é só por essa via que os atletas profissionais de vôlei poderão se socorrer para ter o vínculo trabalhista reconhecido – ou então que os clubes passem a registrar os seus atletas, embora este autor tenha conhecimento das dificuldades passadas pela maioria deles.
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Renan Lopes Martins é advogado, pós-graduando em Direito Desportivo pelo Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo, gestor do escritório RLM Advocacia e criador do projeto voltado ao Direito Desportivo “Entenda o Esporte”, plataforma digital que busca elucidar os conceitos jurídicos desportivos ao público em geral.