Pesquisar
Close this search box.

O aumento do limite de estrangeiros e a internacionalização do Campeonato Brasileiro de futebol

Elthon José Gusmão da Costa*

Luiz Guilherme Karpen**

No dia 5 de marco de 2024, representantes dos 20 clubes que participam da Série A do Campeonato Brasileiro se reuniram juntamente com Dirigentes da CBF para tratar de mudanças na nova edição do Brasileirão 2024.

Dentre várias mudanças aprovadas, a que mais se destaca é o aumento do limite de estrangeiros que poderão ser relacionados para os jogos e, com isso, a modificação do art. 54 do Regulamento Geral das Competições da CBF.

Os clubes de maneira unânime aprovaram o aumento do limite de estrangeiros para 9 jogadores por time, possibilitando um número recorde de jogadores não brasileiros a atuarem em solo nacional.

Em dezembro de 2013, a Confederação Brasileira de Futebol aprovou o aumento de jogadores estrangeiros de três para cinco atletas por clube. Em 2023, foi aprovado um aumento de cinco para sete atletas. E agora 1 ano depois, foi aprovada uma nova mudança, aumentando o número para 9 atletas estrangeiros por clube.

Atualmente é muito difícil imaginarmos o campeonato brasileiro sem Arrascaeta (Uruguai), Gustavo Goméz (Paraguai), Jhon Árias (Colômbia), Enner Valência (Equador) e os recém contratados Nicolas de La Cruz (Uruguai) e Rafael Borré (Colômbia). Isso porque na medida que o limite de estrangeiros aumentou, os investimentos em jogadores de renome estrangeiros também aumentaram.

Os clubes de Série A do campeonato brasileiro hoje[1] contam em sua totalidade com 122 jogadores estrangeiros, o que representa 19,9% dos atletas à disposição para inscrição no campeonato. São atletas de diferentes nacionalidades, e que representam 15 países, entre eles nossa vizinha argentina conta com 41 atletas e até a Nicarágua possui um representante.[2]

Esse movimento de aumentar a quantidade permitida de jogadores estrangeiros em território brasileiro surge para acompanhar uma tendência mundial e gerar a globalização do esporte.

Se tomarmos como exemplo a Premier League, a liga mais competitiva do mundo, cerca de 67,5% dos jogadores nela possuem outra nacionalidade que não a inglesa.[3] Isso nos faz refletir sobre a relação entre a qualidade e a competitividade com a internacionalização do futebol e a presença de mais jogadores estrangeiros nos clubes ao redor do mundo.

Assim como no campeonato brasileiro, muitas das grandes estrelas da liga inglesa são jogadores estrangeiros, como o norueguês Erling Haaland, o holandês Virgil Van Dijk, e o belga Kevin De Bruyne. Destarte, fica o questionamento: será que a abertura do mercado de futebol brasileiro para atletas estrangeiros geraria campeonatos mais competitivos e atraentes para o público e investidores?

Diante dessa indagação, cumpre trazermos a nova Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023), que relembrou os princípios fundamentais do desporto já trazidos pela Lei Pelé (Lei 9615/98). Dentre eles destacam-se os expostos em seu art. 2º:

Art. 2º São princípios fundamentais do esporte:

I – autonomia;

II – democratização;

XII – liberdade;

XIV – qualidade; (grifo nosso)

Acerca da autonomia das organizações esportivas, a Lei 14.597/2023 faz referência em seu art. 27, Caput, da liberdade quanto à normatização interna para o regramento próprio da prática do esporte e de competições, se não, vejamos:

Art. 27. As organizações esportivas, qualquer que seja sua natureza jurídica ou forma de estruturação, ainda que integrantes do Sinesp, são autônomas quanto à normatização interna para realizar a autorregulação, o autogoverno e a autoadministração, inclusive no que se refere ao regramento próprio da prática do esporte e de competições nas modalidades esportivas que rejam ou de que participem, à sua estruturação interna e à forma de escolha de seus dirigentes e membros, bem como quanto à associação a outras organizações ou instituições, sendo-lhes assegurado (…) (grifo nosso)

Desta forma, são princípios basilares para o desenvolvimento do esporte nacional a autonomia dos clubes para organização de campeonatos e construção do elenco para a disputa dos torneios, a democratização do acesso ao desporto sem quaisquer distinções ou formas de discriminação, a liberdade expressa pela livre prática do desporto e a qualidade assegurado pela valorização dos resultados desportivos, educativos e dos relacionados à cidadania e desenvolvimento humano.

Todos esses princípios apontam para a liberdade dos clubes em proporcionar uma competição organizada e aberta, sem discriminação em razão da nacionalidade e que preza pela qualidade de seus embates esportivos.

É nesse cenário que o aumento do limite de estrangeiros por clube coincide com o período de maior internacionalização do campeonato brasileiro de futebol.

Nos últimos anos, grandes nomes do futebol mundial fizeram uma escala no futebol brasileiro e com isso as atenções se voltaram ao campeonato nacional. Nomes como Luis Suárez (Uruguai), Arturo Vidal (Chile), Enner Valência (Equador) e Dimitri Payet (França) são referências em suas seleções nacionais, além de claro terem carreiras brilhantes em grandes times da Europa.

A vinda de atletas de renome ao nosso país consubstancia-se no reconhecimento da competitividade do futebol brasileiro, gerando maior exposição de nosso campeonato, atraindo maiores investimentos, seja por meio de patrocinadores, a venda dos direitos de transmissão das partidas ou a transformação de clubes em Sociedades Anônimas de Futebol.

Este também é o entendimento de Alexandre Vasconcellos, head de clubes da End to End, que, em entrevista realizada ao site Terra[4], afirmou:

“Nosso mercado nacional tem o interesse em consolidar-se como provedor de conteúdo para audiências do exterior, e por isso é importante a presença desses estrangeiros na liga de nosso país. Hoje, já há um movimento em que o futebol brasileiro vende direitos para emissoras de outros países, em que os atletas de renome internacional despertam grande prestígio”

Essa visão compartilhada por Alexandre também é idêntica à de vários investidores que já realizaram a transformação de clubes brasileiros em Sociedades Anônimas de Futebol, como é o caso do Botafogo, comprado pelo empresário John Textor, do Vasco, comprado pelo grupo 777 Partners, e do Bahia, comprado pelo Grupo City, dono também do gigante europeu Manchester City.

Por outro lado, há àqueles que repudiam a ideia do aumento do limite de estrangeiros no campeonato brasileiro, como é o caso do comentarista Paulo Vinicius Coelho (PVC) que, em sua coluna no UOL[5], disserta que:

“É muito bom ter aqui De Arrascaeta, De la Cruz, Gustavo Gomez, Calleri, o que vale dizer que cinco estrangeiros por clube ainda permitiria ter boas contratações e manter espaço para jovens brasileiros. Mas nove por clube é um abuso! Os jogadores brasileiros se formam cada dia mais no futebol globalizado, nas canteras do Real Madrid, e o jogo aqui fica cada dia menos brasileiro.”

Quanto maior a internacionalização e abertura do mercado a jogadores estrangeiros, mais as atenções estarão voltadas ao futebol praticado em solo nacional, em consequência maiores investimentos serão feitos nos clubes, que trarão novos jogadores de renome, gerando um ciclo que tende a beneficiar o campeonato brasileiro, aumentando a competitividade e o nível de exigência e excelência.

Contudo, o outro lado da moeda evidenciaria uma possível desvalorização dos próprios jogadores brasileiros e a falta de desenvolvimento de talentos da base pela falta de oportunidades, estas dadas a jogadores de outras nacionalidades.

Ao redor do mundo temos vários exemplos da internacionalização dos esportes, e o futebol brasileiro aparenta ir pelo mesmo caminho, que parece não ter volta.

Crédito imagem: Gilvan de Souza /CRF

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


* Advogado trabalhista e desportivo. É professor, palestrante e organizador e autor de artigos e livros jurídicos. É membro da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho do TST no Grau Oficial, membro da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD), mestre em International Sports Law (ISDE-Espanha), diretor jurídico de entidades de esporte de combate e pesquisador do núcleo de estudos O Trabalho além do Direito do Trabalho: Dimensões da Clandestinidade Jurídico-Laboral (NTADT), da Faculdade de Direito da USP. @elthoncosta

** Advogado. Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB). Especialista em Gestão no Futebol (Futebol Interativo). Cursando especialização em Direito no Futebol (Futebol Interativo). Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SC. Membro da Comissão de Direito Desportivo e do Esporte da OAB Subseção de Blumenau/SC.

[1] março de 2024.

[2] TRANSFERMARKET, Disponível em: https://www.transfermarkt.com.br/campeonato-brasileiro-serie-a/gastarbeiter/wettbewerb/BRA1.  Acesso em 08 mar. 2024.

[3] TRANSFERMARKET, Disponível em: https://www.transfermarkt.com.br/premier-league/gastarbeiter/wettbewerb/GB1.  Acesso em 08 mar 2024.

[4] TERRA, Brasileirão atinge marca histórica de profissionais estrangeiros e bate novo recorde; veja números. 23 ago 2023. Disponível em: https://www.terra.com.br/esportes/futebol/brasileirao-atinge-marca-historica-de-profissionais-estrangeiros-e-bate-novo-recorde-veja-numeros,474a7e7791fec8443d754bb49ac154c56ga8calw.html?utm_source=clipboard. Acesso em 08 mar 2024.

[5] COELHO, Paulo Vinicius. Dois é pouco, sete era muito… Nove estrangeiros por time é tiro no pé. UOL. 06 mar 2024. Disponível em: https://www.uol.com.br/esporte/colunas/pvc/2024/03/06/dois-e-pouco-sete-era-muito-nove-estrangeiros-por-time-e-tiro-no-pe.htm.  Acesso em 08 mar 2024.

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.